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A Embaixadora do Samba

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Inicialmente composto por negros e marginais, e confinado no alto dos morros, o samba precisou percorrer um longo caminho até virar símbolo da cultura nacional e uma das referências de identidade brasileira. Entre a primeira situação e a segunda, dentre outros personagens e acontecimentos, aparece com destaque a figura catalisadora de Carmem Miranda. “A trajetória que ela percorreu fez com que o samba começasse a aparecer nos meios de comunicação, fosse gravado em discos e virasse até produto de exportação”, conta a professora de História Contemporânea da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Tânia da Costa Garcia, que acaba de lançar o livro O ‘it verde e amarelo’ de Carmen Miranda, sua tese de doutorado.

A portuguesinha que ficou famosa como baiana estilizada estourou nas paradas de sucesso cantando no rádio. O ano era 1929 e o grande hit era “Taí/ Eu fiz tudo pra você gostar de mim...”, uma marchinha de carnaval entoada até hoje nos bailes e nos salões. Assim, “paulatinamente ela foi se transformando numa intérprete respeitada de samba e foi ampliando as fronteiras do ritmo”, continua Tânia. Mas, para que pudesse se firmar definitivamente no gosto dos brasileiros, um outro ingrediente teve um papel fundamental: os meios de comunicação.

Sem a influência do rádio, da indústria fonográfica, das revistas e do cinema, a canção urbana não teria se tornado a preferência nacional. O rádio tocava já grandes nomes, como Orlando Silva, Francisco Alves, Emilinha Borba e Marlene. A revista O Cruzeiro revelava os bastidores dos chamados cartazes do rádio para o grande público, e o cinema nacional produziu, na década de 30, só com Carmem Miranda, cinco musicais. Eram filmes que não tinham um grande enredo, o foco estava nas músicas. Esse estilo fez surgir, anos depois, as chanchadas.

A escolha dos meios de comunicação para transmitir e divulgar a produção cultural brasileira estava ligada diretamente ao contexto vivido pelo país. A autora do livro revela que “vivia-se a Era Vargas, o Brasil estava passando por uma fase totalmente nacionalista e os meios de comunicação espelhavam isso”. Então, de certa maneira, o governo Vargas, com seu ímpeto populista e patriótico, acabou por ajudar a difundir o samba – e, com ele, Carmem Miranda.

”La Miranda”
Mas os domínios do samba se estenderam mesmo quando, em 1939, La Miranda – como a artista passou a ser conhecida – foi morar nos Estados Unidos. “A América comprou aquela imagem exótica da baiana e, com sua poderosíssima indústria cultural, fez dela um símbolo mundial, não mais apenas do Brasil, como de toda a América Latina”, explica a professora da Unesp. Os Estados Unidos tinham grande interesse em promover a imagem de Carmem como ícone da brasilidade, ou da latinidade. Fazia parte de uma suposta “política de boa vizinhança” pregada pelos EUA, na verdade interessado em preservar seus interesses estratégicos e em estender seus tentáculos de dominação por todo o continente. Naquele momento, a artista se encaixava perfeitamente com a imagem de Cuba, do Caribe, da Argentina e Brasil, dentre outros que os americanos queriam vender para o mundo.

Tânia Garcia afirma que assumir o papel de mais uma operária da indústria cultural americana rendeu a La Miranda uma enxurrada de críticas. “Os opositores diziam que ela tinha se vendido e até que ela estava colaborando com uma visão preconceituosa do que era o Brasil”. E realmente devia ser uma situação delicada. A cantora achava que chegando aos Estados Unidos conseguiria cantar e interpretar o que quisesse. Quando se cansasse da baiana estilizada, poderia mudar de personagem. Não foi o que aconteceu. A fábrica de ilusões americana comprou a figura da baiana e não abriria mão disso. “Tanto é verdade que o que Carmem cantava lá já nem era samba, era uma espécie de fox-rumba”, diz a pesquisadora.

”South american way”
Se por um lado a teia hollywoodiana não deixava a Pequena Notável escapar, por outro ela também não fazia muita força. “Por causa do dinheiro/que eu estou muito rica”, diziam os versos de uma canção de Luis Peixoto e Vicente Paiva. E essa era a razão principal para Carmem também não conseguir deixar de ser a baiana. “O salário dela foi o segundo maior pago a uma mulher em Hollywood. Ela fez fortuna, tinha até poços de petróleo”, revela a autora.

Mesmo no Brasil, Carmem Miranda foi fortemente criticada. A elite carioca, convidada por Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas, para ver um show da artista, a hostilizou sem nenhuma piedade. Era 1940, e Carmem estava de passagem pelo Brasil. Cometeu a indelicadeza de abrir o show com “South American Way”, cantada em inglês. Foi vaiada. “Mas essa elite não tinha nenhum gabarito para julgar música e mais, não tinham nenhuma autoridade para classificar alguém de estrangeirizado, já que ela própria sempre tinha sido colonizada”, alerta a professora de História da Unesp.

Enquanto isso, nas camadas mais populares, a Pequena continuava fazendo sucesso. No rádio, em revistas ou filmes, continuava encantando o público. O melhor exemplo da adoração a ela dispensada aconteceu em seu funeral. Carmem morreu em 1955, nos Estados Unidos, e seu corpo foi trazido para cá. Foi recepcionada por uma multidão. O Brasil parou para acompanhar o velório e enterro. Fãs, desolados, se desesperavam. Tânia relembra a ocasião: “Uma reação bem parecida com a que aconteceu na morte de Getúlio Vargas, que, aliás, ascende na década de trinta e morre em 1954, numa trajetória extremamente semelhante à da cantora”.

As manifestações de pesar com a morte de Carmem Miranda dão força aos versos daquela mesma canção de Peixoto e Paiva que ela gostava tanto de entoar para se defender das acusações: “Enquanto houver Brasil/ na hora da comida/ eu sou do camarão/ ensopadinho com chuchu”.

Links relacionados:
Reportagem da Revista Pesquisa (FAPESP): “Mais notável do que pequena”
Informações sobre o livro O ‘it verde e amarelo’ de Carmen Miranda no site da Editora Anna Blume
Museu Carmen Miranda

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