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60o aniversário da libertação de Auschwitz relembra as atrocidades cometidas pelo nazismo e abre oportunidade para a discussão sobre a intolerância

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Era inevitável que a cerimônia começasse com o som de um trem se aproximando. Afinal, foi assim, em vagões imundos e lotados, e transportadas como cargas humanas, que mais de 1,5 milhão de pessoas, em sua grande maioria judeus, chegaram a Auschwitz, na Polônia, o mais famoso campo de concentração nazista. Em 27 de janeiro último, 40 líderes de várias nações, além de outras cinco mil pessoas, entre sobreviventes do holocausto, familiares de mortos e militantes dos direitos humanos, reuniram-se novamente em frente ao campo da morte para relembrar a bestialidade do regime instalado na Alemanha por Adolf Hitler e comemorar os 60 anos de libertação dos prisioneiros do local.

“A maior parte dos sobreviventes e dos estudiosos se refere a Auschwitz como uma experiência única e indescritível”, destaca Maria Luiza Tucci Carneiro, professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Intolerância (LEI) da USP. Ela afirma que não há precedentes para o que aconteceu no campo de extermínio construído na Polônia e, por isso, o lugar é a própria imagem da morte. “O nome Auschwitz e a entrada do campo, com aquele escrito ‘O trabalho dignifica’, são verdadeiros símbolos da morte. As duas coisas são indissociáveis”.

Seis décadas depois, sob a mesma neve e envolvidos pelo mesmo frio de cortar os ossos que atormentava e matava os prisioneiros de Auschwitz, os atuais chefes de Estado discursaram. Todos invocaram a memória, explicitando a obrigação de não deixar o passado ser esquecido, para não permitir que algo semelhante volte a acontecer. O presidente alemão, Horst Koehler, afirmaria em outra comemoração, realizada algumas horas depois, “que seu povo não deve sentir culpa pelo genocídio, mas que tem a obrigação de manter viva a memória da tragédia”.

Momento para reflexão
É exatamente esse dever de manter acesas as lembranças das atrocidades cometidas ao longo da história, além da exigência de combater qualquer tipo de intolerância, que deve ligar os brasileiros – e qualquer outra sociedade – aos cerca de dez milhões de mortos, entre judeus, ciganos, homossexuais e presos políticos, durante os anos de poder de Hitler. “Esse é o momento oportuno para uma reflexão ampla e aprofundada sobre as dimensões dessa catástrofe”, propõe Maria Luiza, referindo-se não apenas aos assassinatos, mas também às idéias racistas, anti-semistas e de eugenia propagadas pelos nazistas – e que, acredite, permanecem vivas na sociedade atual. “É um pensamento forte, arraigado, que não se dissolve. Teve início no século XIX e até hoje é fácil de encontrar. Basta acessar a internet”, revela. Não é demais também lembrar que a xenofobia, traduzida na repulsa e na perseguição a imigrantes, principalmente árabes e negros, ainda sobrevive e encontra ecos em parcelas significativas de muitas das sociedades européias contemporâneas. O fundamentalismo e as pretensões imperialistas norte-americanas, capitaneados pelos falcões do presidente George W. Bush, também assustam. No Brasil, o preconceito contra os nordestinos, por exemplo, é outra marca inquestionável da intolerância que sobrevive.

O perigo se manifesta exatamente quando líderes hábeis e carismáticos são capazes de perceber o contexto e as condições históricas e transformar demandas desconexas em ações com norte definido. Foi assim na Europa dos anos 20 do século passado, quando o que parecia loucura se transformou em realidade e política de Estado. Naquele momento, a força do movimento anti-semita, então espalhado por boa parte do continente, certamente ajuda a explicar porque Adolf Hitler conseguiu implantar e levar adiante seus planos de produzir uma raça pura, a raça ariana, branca, forte e loira, da Grande Alemanha. Hitler era adepto dessa filosofia, arraigada havia algum tempo na sociedade européia. Antes do Terceiro Reich, implantado em 1933, tinham sido escritas e publicadas na Europa aproximadamente 1200 obras que pregavam o extermínio dos judeus. “A grande virada de Hitler foi dar vazão a esse sentimento difuso e colocar essas idéias em prática, com toda a força e todos os mecanismos do Estado”, explica a professora de História.

Quebrar o silêncio
Perguntada sobre como o Brasil poderia aproveitar os 60 anos da libertação de Auschwitz para refletir sobre a tragédia e impedir que o pensamento nazista continue se propagando, Maria Luiza vai direto ao ponto: “Ora, o que estamos fazendo aqui é exatamente isso. É preciso, em primeiro lugar, quebrar o silêncio sobre o assunto. Esse é um silêncio proposital”. Segundo a coordenadora do LEI, os livros de História praticamente não tratam de assuntos considerados tabus, porque, de alguma maneira, ameaçam instituições importantes e ferem a imagem de alguns países. Na Alemanha, até muito pouco tempo, não havia referência ao Holocausto, ou aos campos de concentração, nos livros escolares. No Brasil, ela garante, não é diferente. De acordo com a professora, raros são os livros que tratam com a necessária profundidade de análise assuntos complexos como a Inquisição, o Holocausto e a ditadura militar de 64. “Grande parte dos professores não trata disso nas aulas, justamente porque também não estudou esses assuntos na escola”, afirma.

A sugestão dela para mudar esse quadro é começar a falar no assunto com insistência, transformando esses temas em conteúdos obrigatórios das aulas, dos livros, das atividades escolares. Assim, paulatinamente, poderá ser criado um caldo de cultura que fornece bagagem e repertório para que todos, das crianças aos jovens, saibam o que aconteceu, e se posicionem frente aos crimes cometidos contra a humanidade. “Porque uma das razões da História é essa: conhecer para evitar que as tragédias se repitam”, reforça Maria Luiza.

“Em última instância, o Holocausto é a manifestação máxima do racismo, e esse é um tema bem pertinente ao Brasil e aos brasileiros”, completa a coordenadora do LEI. Ela sugere que o Ministro da Educação e os secretários estaduais e municipais de Educação empenhem-se em fazer dos 60 anos da entrada das tropas russas em Auschwitz um ponto de partida para o Brasil discutir e repudiar a intolerância racial, social, econômica, política, de gênero, cultural, ou religiosa. Poderia ser essa uma de nossas contribuições para que a história de Auschwitz jamais voltasse a se repetir.

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