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Brasil sitiado

Paulo Nogueira Batista Jr.

"Nosso mundo é dominado pelos idiotas", disse Nelson Rodrigues em entrevista concedida dois meses antes da sua morte. Lembrei-me da frase por causa da inacreditável sucessão de jogadas que temos visto no Brasil e no exterior nas últimas semanas. Um dos fatores que desencadearam a forte turbulência nos mercados financeiros foi o "terrorismo eleitoral" patrocinado pelo governo.

Era uma manobra perigosa, para não dizer irresponsável. O cálculo dos "marqueteiros" é provavelmente correto: o medo da "argentinização" ou algo parecido tende a intimidar o eleitor e pode muito bem levá-lo a votar na candidatura oficial. Por outro lado, a tentativa de assustar o eleitorado acaba assustando também os credores e investidores, em especial os estrangeiros. Como a nossa situação econômico-financeira é muito frágil, em razão do quadro internacional adverso e, sobretudo, da política econômica seguida pelo Brasil desde 1994, adotar esse tipo de tática eleitoral é brincar com fogo.

Agora o governo se assustou. O Ministério da Fazenda e o Banco Central estão correndo atrás do prejuízo. Mas a confusão já está armada.

O leitor imagina, talvez, que o investidor estrangeiro é um animal sofisticado e bem informado. Nem sempre, nem sempre. As suas decisões se baseiam frequentemente em notícias superficiais, pedaços de informação, impressões, modismos e preconceitos. Se ele, por exemplo, abre o "Financial Times" ou o "The Wall Street Journal" e lê: "Presidente do Brasil, ou presidente do Banco Central do Brasil, admite que o país corre o risco de enfrentar uma crise como a da Argentina", ele pode muito bem pegar o telefone e mandar o seu "broker" reduzir ou liquidar as suas aplicações em papéis brasileiros.

Era possível prever, claro, que o quadro político traria dúvidas e instabilidade aos mercados financeiros. Pela primeira vez em muito tempo o eleitor brasileiro ameaça eleger um candidato não tão alinhado com as doutrinas e preferências do eixo Wall Street-Washington e suas ramificações domésticas. O próprio candidato do governo desperta algumas suspeitas e incertezas no establishment financeiro nacional e estrangeiro.

De uma maneira geral, os brasileiros não prosperaram durante o período Fernando Henrique Cardoso. Por outro lado, os bancos, os mercados financeiros e os investidores estrangeiros, em sua maioria, viveram uma verdadeira época de ouro. Assim, é natural que eles encarem qualquer perspectiva de mudança como algo profundamente desagradável.

O que não é tão natural é que o Brasil inteiro, do Oiapoque ao Chuí, trema da cabeça aos sapatos diante das declarações bombásticas de figuras como o megainvestidor George Soros. "Continuidade ou caos", decretou Soros. Ele reconhece que isso não é muito democrático, mas assinala que, "no capitalismo global moderno, só votam os americanos, os brasileiros não votam".

Louvável franqueza. Mas um país que ouve calado e cabisbaixo esse tipo de coisa está literalmente liquidado. Segundo a Folha de ontem, um dos principais líderes do PT enviou mensagem a Soros pedindo uma audiência! Quer que ele receba uma comitiva do partido para conhecer as idéias atuais de Lula...

Num mundo comandado por idiotas tudo é possível. Em 1998, Soros contribuiu de forma importante para desencadear o colapso financeiro da Rússia, já fragilizada por anos e anos de políticas econômicas desastradas. Numa carta ao "Financial Times", esse gênio das finanças propôs que a Rússia adotasse um "currency board" (conselho da moeda) depois de uma desvalorização cambial de 15% a 25% ("Financial Times", 13 de agosto de 1998).

Sim, leitor, a sua proposta era que a Rússia adotasse o mesmo modelo monetário e cambial que acabaria levando a Argentina a uma crise monumental! Digamos que todo gênio tem o seu momento de idiota. A Rússia, felizmente, não adotou o "currency board", mas entrou em crise aberta poucos dias depois. A carta de Soros foi o golpe final.

A conclusão que se tira frequentemente de episódios desse tipo é que, com a "globalização", os países estão à mercê da especulação financeira. Não é bem assim. Só os países que adotam políticas econômicas temerárias -temerárias não, vamos usar o adjetivo correto: idiotas, como por exemplo a Rússia de Ieltsin e o Brasil de FHC- é que ficam submetidos aos caprichos, humores e interesses dos mercados financeiros internacionais e outras forças estrangeiras.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP.
Artigo originalmente publicado pelo jornal Folha de São Paulo, no dia 13 de junho. Sua reprodução foi autorizada pela “Agência Folha”.

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