envie por email 

Entrevista com coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra, Isidoro Revers

Quando falamos sobre violência no campo no Brasil, estamos falando sobre qual realidade?
A situação dos conflitos no campo no Brasil se divide em três eixos distintos. O primeiro, vamos encontrar no norte do Mato Grosso e no sul e oeste do Pará, e foi o responsável direto pelo assassinato da irmã Dorothy. Ele é causado pela expansão da fronteira agrícola do país.

Essa expansão se deve principalmente à lavoura de soja?
Na ponta final, é assim que acontece. O governo incentiva a ocupação de uma região como essa, aí chegam os madeireiros e vão abrindo a floresta, que é rica em mogno, principalmente. Os madeireiros ganham com a extração e a exportação da madeira, e abrir a floresta ainda facilita o acesso ao leito dos rios, por onde essa madeira é escoada. Depois chega o capim e a pata do boi. Eles transformam a floresta devastada em pasto e aí, só depois, chega a soja. E a gente está falando em grandes interessados, como a Cargil e a Monsanto, por exemplo.

O senhor falou em incentivo do governo...
É verdade. Fatores diversos estimularam a ocupação de lugares como Anapu, onde 90% das terras é pública, é do governo. Muitos têm interesse de chegar lá, ocupar a terra para depois vender para o agronegócio. A gente não esquece que o ministro Roberto Rodrigues disse, ao assumir, que a agricultura deveria incorporar mais 30 milhões de hectares para poder se tornar competitiva mundialmente. Então é verdade quando a gente diz que parte da responsabilidade por essa situação no campo é do governo mesmo. E a população fica à mercê desses grandes interessados, enquanto o governo não reconhece as áreas reivindicadas, as reservas extrativistas.

Mas essa situação de expansão das fronteiras agrícolas e de estímulo ao povoamento já é antiga, não?
Na ditadura militar, na década de 70, o Estado doou terras para empresas e para pessoas, com o intuito de que fizessem assentamentos. Mas as empresas se apropriaram das terras, o prazo para a criação dos assentamentos venceu, e o governo não fez nada. É uma situação que se arrasta há muito tempo, e a violência só vai crescendo. A única solução seria uma ação local do governo, não resolveria em 100%, mas é impossível ficar como está.

O senhor falou em três situações de violência no campo. Explicamos a primeira, que é o que acontece no norte do país. E as outras duas formas?
A segunda é a mostrada com todo o trabalho e a atuação da Comissão Pastoral da Terra e diz respeito ao trabalho escravo nas regiões Norte e Nordeste. Estamos denunciando isso há muito tempo já. Claro que o trabalho escravo também está presente nas outras regiões do país, mas o Nordeste e um pedaço do Norte são as regiões de maior concentração ou deslocamento do trabalho escravo. Nesse caso, os trabalhadores não sofrem violência física, nem são mortos, como no Pará, mas é a violência da própria escravidão. E o terceiro eixo de violência no campo se deve à crise do açúcar e do álcool. Toda a crise que teve início nos anos 80, o fim do Pró-Álcool e as outras crises internacionais desempregaram mais de 150 mil camponeses. Qual a única saída para essa massa? Ocupar os engenhos. Em Alagoas e na Paraíba, há muitos conflitos por causa disso. Vale lembrar a morte dos dois fiscais em Minas Gerais, região onde se planta feijão.

Nessas regiões onde há conflitos, como é o trabalho da Comissão Pastoral da Terra? Há diferenças na atuação da CPT em cada um dos eixos da violência?
Bem, primeiro é preciso dizer que nas regiões de conflito não age apenas a CPT. Há uma série de ONGs, de movimentos populares, tem todo o movimento sindical de trabalhadores e camponeses. A Pastoral da Terra tem sua atuação própria e serve principalmente como apoio aos movimentos locais. A gente estimula que as comunidades encontrem soluções para a falta de escolas formais, para que eles mesmos sejam capazes de ensinas as crianças, e o mesmo espírito seguimos na área da saúde. A gente fala para eles usarem as técnicas da medicina alternativa que eles já utilizam há séculos. A gente estimula a educação e a capacitação dos jovens e dos trabalhadores, a gente também estimula participação das pessoas, a criação de cooperativas e de caminhos para a produção de valores e renda. Os latifundiários sabem da importância desse trabalho político com os camponeses e é por isso que há tanta perseguição e ameaça aos líderes.

E mesmo com as ameaças, o trabalho não pára. Como os membros da Pastoral da Terra e dos outros movimentos se defendem?
O trabalho da CPT é mais que um emprego. É uma opção de vida pelos excluídos. Então não dá para parar. Mas a maioria dos ameaçados não são da CPT. Entregamos ao governo uma lista com o nome das 161 pessoas ameaçadas de morte, das quais só 15 são da Pastoral. Essa sensação de que a Pastoral é a maior ameaçada não é verdade. O que acontece é que a morte da irmã Dorothy repercutiu muito mais do que as outras mortes na região – e teve duas antes da dela, em Paraopebas, na mesma região -, porque ela pertencia a uma instituição forte e popular no mundo todo, que é a Igreja Católica.

O Senhor acha então que a repercussão da morte da irmã Dorothy foi benéfica?
A morte dela pode ser vista assim: se eles queriam, com o assassinato, calar a voz dela, então se enganaram, porque o grito foi maior ainda. Sua denúncia profética ultrapassou todas as fronteiras regionais e nacionais, chegando ao exterior. Além disso a sociedade brasileira se sentiu envolvida na discussão da violência no campo, sobre o que se passa na Amazônia, na questão dos madeireiros, a reforma agrária e o trabalho escravo. Então teve sim um efeito positivo. E tudo isso serviu também para mostrar que aquela é uma terra sem lei, onde tudo vale. Todo mundo viu nos jornais que até o nome do deputado federal pelo Pará, Jader Barbalho, está envolvido no assassinato da Dorothy. Ali, quem tem terras quer ampliar ainda mais suas propriedades.

E quando a Comissão Pastoral da Terra cobra a responsabilidade do Estado, a que ações você se referem?
O governo deu estímulo para a abertura das fronteiras agrícolas antes mesmo de qualquer órgão do governo estar instalado lá, antes do Incra consegui se instalar naquelas terras. O que a gente cobra é uma extensão de uma base do governo nos locais de conflito. O Ibama, o Incra e os outros órgãos de controle têm que estar presentes onde os conflitos existem, se não a terra continuará sem dono e sem lei. Em relação ao desflorestamento, a gente pede a suspensão imediata e por completo do corte da madeira.

O que diz a lei em relação ao corte da madeira?
Hoje é permitido cortar e há muita facilidade para obter a guia de permissão para cortar, porque existe a corrupção e a pressão política pela liberação. Como o Estado tem pouca ou nenhuma força nessas regiões para impedir essa prática, o corte continua.

Na sua avaliação, o governo é omisso, ou sabe que para enfrentar as elites do campo é preciso ter muita coragem e vontade política, já que a concentração de terra e as grandes propriedades são duas das marcas mais arraigadas da história do Brasil?
O governo tem consciência que enfrentar a situação é mexer num vespeiro, e o Ministério Público, por exemplo, já sabe da grilagem de terras há muito tempo, há muitos anos, pelo menos desde quando a CPT foi fundada, em 1975. A situação, na verdade, é mais complicada do que se imagina, porque no Pará, por exemplo, quem financia as campanhas políticas dos governadores, prefeitos e outros parlamentares são os madeireiros. Então o governo local não tem o menor interesse em colocar um ponto final na exploração da madeira.

E a política em relação à posse da terra?
Exigimos a suspensão de qualquer registro de terra enquanto não se resolver a questão política, ou seja, a instalação de uma base do governo nos locais, e enquanto não se der andamento aos processos.

Vocês também falam em reforma agrária.
Sim, e esse é outro fator de reivindicação. A postura do Judiciário frente à divisão da terra tem sido sempre extremamente favorável aos madeireiros e aos empresários. Todas essas questões hoje são decididas no âmbito da justiça estadual. A gente pede que todo crime agrário, posse ilegal da terra, venda ilegal, derrubada de árvores e assassinatos decorrentes desses conflitos, seja julgado pela justiça federal. Isso impediria as pressões locais contra os juízes e promotores, e a imprensa nacional daria maior destaque aos casos de morte, porque estariam em julgamento na esfera nacional.

E como a Comissão Pastoral avalia a proposta do governo de transformar uma das áreas de maior conflito, a chamada região da “terra do meio”, no Pará, em parque e estação ecológica?
Essas ações do governo são importantes, mas não impedem que o agronegócio avance cada vez mais. Porque o parque, ou a estação, sozinhos, não fazem nada. O governo é que tem que estar lá. Não para educar as comunidades, por que elas já vivem em harmonia com a natureza, têm um sistema de sustentabilidade que respeita a mata. Quem destrói a floresta é quem vem de fora. O trabalho vai ser com os criminosos. Quando o governo chegar, vai ter um trabalho longo por lá.

Leia também
Conflito no campo se espalha pelo Brasil


ver todas as anteriores
| 03.02.12
De onde viemos

| 11.11.11
As violências na escola

| 18.10.11
Mini-Web

| 30.09.11
Outras Brasílias

 

Atualize seus dados no SinproSP
Logo Twitter Logo SoundCloud Logo YouTube Logo Facebook
Plano de saúde para professores
Cadastre-se e fique por dentro de tudo o que acontece no SINPRO-SP.
 
Sindicato dos Professores de São Paulo
Rua Borges Lagoa, 208, Vila Clementino, São Paulo, SP – CEP 04038-000
Tel.: (11) 5080-5988 - Fax: (11) 5080-5985
Websindical - Sistema de recolhimentos