Por Francisco Bicudo
O prazo para a apresentação de sugestões ao anteprojeto termina no próximo dia 31 de março – e a intenção do Ministro da Educação, Tarso Genro, é encaminhar a proposta de Reforma Universitária ao Congresso Nacional em junho ou, no máximo, em agosto, logo depois do recesso parlamentar do meio do ano. Em entrevista exibida no último dia 07 de março pelo programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Tarso disse acreditar na aprovação da Reforma, apesar da oposição declarada de segmentos representativos da iniciativa privada, organizados em lobbies poderosos. Para ele, a correlação de forças dependerá de um processo de diálogo e de engenharia política, que sejam capazes de estabelecer um consenso mínimo.
“Os interesses daqueles que vinculam o ensino ao lucro são minoritários”, garantiu o Ministro. “Boa parte do setor não estatal da educação superior quer dialogar e discutir”, completou. Esse debate, no entanto, não deverá afastar-se dos princípios filosóficos básicos estabelecidos pela Reforma: democratização do acesso e da gestão, garantia da qualidade de ensino e a premissa de que a mercantilização da educação deve ser impedida. “A idéia da universidade como um bem público está na Constituição e deve ser cumprida”.
O Ministro garantiu que, até 31 de março, todas as entidades que desejarem contribuir com o processo de discussão e aperfeiçoamento do anteprojeto serão ouvidas. Não há, segundo ele, preconceito de qualquer espécie ou exclusão de qualquer entidade ou instituição. “O Fórum Nacional da Livre Iniciativa da Educação (entidade criada pelo setor privado) não foi ouvido porque em sua primeira manifestação sobre o tema disse simplesmente que a reforma deveria ser jogada no lixo. Portanto, parece que não está disposto a dialogar. Se quiser contribuir, será muito bem-vindo. Mas essa relação deverá ser dialógica”, reforçou o Ministro.
Enquadrar as privadas
Tarso aproveitou a oportunidade para esclarecer, mais uma vez, que a reforma reconhece a relevância do setor privado e que não pretende desqualificar sua importância e o papel que cumpre. O que se deseja é enquadrar o segmento a um conjunto geral de normas e regulamentar a atuação dos empresários da educação, disciplinando a nova estrutura universitária que se pretende instalar no país. “A Constituição concede à iniciativa privada a prerrogativa de atuar no setor, mas exige, como contrapartida, que ela se subordine à gestão democrática e a um Plano Nacional de Educação”.
Questionado sobre uma possível discriminação contra as instituições de ensino superior privado e sobre a generalização a respeito do papel que cumpririam, fatos que não permitiriam “separar o joio do trigo”, Tarso não hesitou em responder que, como em qualquer outro segmento, há boas instituições, que dão conta de sua função social, e outras que atuam de maneira bastante questionável. “Não podemos olhar com os mesmos olhos as públicas, as empresariais, as filantrópicas, as sem fins lucrativos”. Para ele, essa generalização, se existir, pode ser explicada pela expansão selvagem e desenfreada vivida pelo setor nos últimos anos. “No Rio de Janeiro, uma kombi parou na frente de uma instituição fazendo propaganda de outra, chamando os alunos a pagar metade da mensalidade que estavam pagando. Trata-se de uma expansão que se dá fora dos limites aceitáveis”, sentenciou.
Segundo o Ministro, é preciso ter regras claras e um tratamento adequado para as entidades empresariais, que visam o lucro, estabelecendo exigências para que prestem um serviço com qualidade. Para Tarso, o que transita na imprensa – e que precisa ser combatida – é a idéia de universidades públicas que gastam dinheiro demais, enquanto as particulares são apresentadas como um modelo a ser seguido. “Não sou contra o setor privado, desde que as condições impostas pela Constituição sejam seguidas. No entanto, sou a favor da predominância da escola pública. O ideal seria que o estudante pudesse escolher e não fosse obrigado a se deslocar para a particular por falta de opção”.
Pontos polêmicos
A limitação para a participação do capital estrangeiro no segmento do ensino superior também foi discutida. De acordo com o anteprojeto da Reforma, essa participação não deve ultrapassar 30%. O Ministro explicou a restrição dizendo que a universidade guarda um grande compromisso com a cidadania, a pesquisa, o combate às desigualdades sociais, cumprindo, portanto, um papel estratégico no desenvolvimento do país. Para ele, o empresário brasileiro deve ter muito mais interesse nesse avanço da nação do que o estrangeiro. Tarso garante: não se trata de xenofobia, mas de vincular os interesses da cidadania brasileira a um projeto para o seu país.
Sobre o Conselho Comunitário Social, também previsto pelo anteprojeto, o Ministro destacou que o órgão, formado por diversos representantes da sociedade civil, deverá ter caráter consultivo e atuará como uma ponte orgânica entre a instituição e a sociedade. “A regra vale para todos, mas quem vai determinar a composição do conselho é o bom senso e a responsabilidade pública de cada universidade. Esperamos que seja respeitada a pluralidade de demandas da região onde a instituição está inserida”.
Durante a entrevista, Tarso falou ainda sobre o sistema de avaliação das universidades que, segundo ele, atualmente é muito mais global, eficiente e integrado do que os anteriores, já que envolve avaliação feita pelos pares, o processo interno e o acompanhamento do desempenho dos alunos, feito por amostragem, quando ingressam e quando saem da universidade. “A reorganização desse sistema precisava acontecer antes da Reforma”. Em um futuro breve, Tarso admite que a questão das mensalidades cobradas pelas instituições particulares também deverá ser discutida, talvez em um fórum específico, para tentar normatizar o sistema e torná-lo suportável para os alunos, sem perder de vista as necessidades das instituições. “É um debate amplo, que deve ser estabelecido também com o Ministério da Fazenda”, completou.
O Ministro admite, a partir da discussão com as diversas entidades, alterar o anteprojeto da Reforma Universitária, desde que seus pilares básicos sejam respeitados. Mas deixa claro que o texto que será encaminhado ao Congresso Nacional em junho ou agosto será uma proposta do governo. Sobre possíveis divergências e trombadas com a política econômica – o anteprojeto prevê o aumento de verbas e de investimentos nas universidades federais –, Tarso foi taxativo: “Tudo o que estou propondo tem o aval do Presidente da República. Ele é quem vai arbitrar”.