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Especialista analisa uso dos filmes em sala de aula

por Francisco Bicudo e Elisa Marconi

A pedido do professor, as luzes se apagam. O barulho e a agitação são substituídos por alguns sussurros. Logo vem o silêncio. As atenções se voltam para as imagens que começam a ser exibidas. Rapidamente a platéia é transportada para uma outra realidade. É verdade que o charme não é o mesmo – a telona e o som estéreo e digital cedem lugar a um aparelho de televisão e um DVD. Mas a vantagem é que o filme – seja ele qual for, ficção ou documentário, nacional ou estrangeiro – pode ser interrompido e comentado a qualquer momento. Essa “assistência planejada e orientada” é a grande tarefa a ser cumprida pelo professor, quando usa o cinema em sala de aula como instrumento pedagógico de formação de seus alunos. Ele deve assumir o papel de mediador, de alguém que incentiva as reflexões e indagações, evitando que a atividade se encerre junto com o “the end” e o letreiro que marcam o final da sessão.

Sim, os filmes podem ser utilizados como ilustração ou reforço do conteúdo expositivo já discutido pela disciplina. Mas é possível – e preciso – ir além, já que o potencial que carregam é muito mais significativo. “A partir do cinema, a escola ajuda a formar um espectador mais antenado, mais crítico, que entende com mais sofisticação e interpreta, a partir do seu próprio repertório, aquilo que está vendo”, afirma Marcos Napolitano, autor do livro Como usar o cinema na sala de aula, lançado pela editora Contexto. Na introdução da obra, ele reforça esse raciocínio e escreve que “o professor, ao atuar como mediador, deve propor leituras mais ambiciosas, além do puro lazer, fazendo a ponte entre emoção e razão de forma mais direcionada”.

Escolhas estratégicas
Antes de passar na locadora, de reservar o equipamento e acertar com a turma a próxima sessão, o professor deve tomar cuidado e escapar de uma primeira armadilha: os filmes devem sempre ser encarados como narrativas singulares e como representações, como obras que são criadas a partir das referências e do repertório dos diretores e roteiristas, em determinado tempo, espaço e contexto. Esse processo envolve, portanto, escolhas estéticas, técnicas, de linguagem e éticas, além da reprodução de fatos, cenários e personagens, de acordo com a visão dos autores. Dessa forma, nem a ficção é tão neutra ou descomprometida quanto às vezes se imagina – ela veicula ideologias –, nem o documentário representa a verdade absoluta e definitiva – ele é também uma versão, uma interpretação, ainda que trabalhe com dados da realidade. “O filme é um texto gerador de debates”, reforça Napolitano, que é também professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

Ele cita o exemplo de Carlota Joaquina, de Carla Camurati, grande sucesso de crítica e de público no Brasil na década de 90, considerado inclusive uma espécie de marco da retomada do cinema nacional. A escolha do gênero – a chanchada, a comédia – determina uma leitura do período, sujeita inclusive a erros históricos, e que não é única. Olga, produção de Jayme Monjardim que levou mais de três milhões de espectadores aos cinemas também no ano passado, foi bastante criticado por tratar temas explosivos – anti-semitismo, governo Getúlio Vargas, trajetória de Luiz Carlos Prestes e o nazismo – de uma forma que seria pouco precisa, superficial, fragmentada e até mesmo leviana. Críticas semelhantes foram feitas a uma outra super-produção, desta feita estrangeira – o filme Alexandre, o Grande, de Oliver Stone. Já Lutero, do canadense Eric Till, que reconstrói a biografia do monge alemão que rompeu com Igreja Católica e deu início ao movimento protestante na Europa medieval, foi elogiado por sua fidelidade histórica.

“Não cobro dos diretores que eles dêem aula de História, e entendo a liberdade de criação, os recursos utilizados para recriar a narrativa. Mas a absorção não deve ser feita sem filtros críticos. O professor é quem deve cumprir esse papel de mediador, levando o aluno a pensar sobre o que ele assistiu, apontando inclusive eventuais problemas e distorções”, completa o pesquisador.

Feitas as ressalvas, Napolitano sugere que se planeje o trabalho com o filme. Se a sessão não puder acontecer em sala de aula, é possível solicitar que os alunos assistam aos filmes como tarefa de casa. Em seguida, ele acredita que um primeiro trabalho a ser solicitado pode ser o fichamento do filme, para que o estudante tenha condições de explicitar as suas impressões, a sua leitura sobre a obra. "É um trabalho de alfabetização pela imagem, que não abre mão da palavra escrita, e que transforma a experiência cinematográfica em texto", destaca. A preocupação não se manifesta por acaso. Em uma sociedade onde a imagem é reificada e idolatrada, principalmente quando pensamos na televisão, é preciso oferecer aos estudantes a possibilidade de contato com outros documentos e linguagens. Não raro, o aluno achará muito mais sedutor assistir a filmes como O Gladiador do que procurar ler sobre o Império Romano. O professor deve insistir e criar espaços para que as duas perspectivas sejam integradas e contempladas, em um trabalho que se complementa, sem excluir.

Discussão coletiva em sala de aula
Os textos produzidos servirão de ponto de partida para uma terceira etapa do processo, também fundamental: a discussão coletiva em sala de aula. É hora de pensar sobre o filme, de trocar as idéias e avaliações, de buscar compreender as opções e escolhas narrativas. Por que tal personagem aparece daquela maneira? Onde se manifesta a liberdade de criação? Quais as contradições e imprecisões percebidas? Onde estão os exageros, os estereótipos? Há preconceitos? Qual a visão do diretor sobre aquele momento? "O trabalho se fecha entendendo o cinema como mais um documento de registro sobre uma época, e não como uma porta livre de acesso para o passado", define o pesquisador.

A experiência, garante Napolitano, não se restringe aos chamados filmes históricos. O cinema pode ser muito bem aproveitado nas aulas de Geografia – quando trata de etnias, culturas e regiões diferentes do planeta – ; de Língua Portuguesa e Literatura – quando aparecem, por exemplo, obras literárias adaptadas – ; de Inglês – tentar acompanhar os filmes sem legendas é um ótimo exercício – e até mesmo de Física e Química – a ficção científica, repleta de efeitos especiais, é sempre uma ótima opção de entretenimento e de aprendizado.

Além disso, há também o encontro dos filmes com os chamados temas transversais – ética, violência, direitos humanos, distribuição de renda, meio ambiente, sexualidade, movimentos sociais. Aqui, surge uma fonte inesgotável de debates. É preciso perceber quem é o herói e quem é o vilão do filme. Por que, por exemplo, os árabes são representados invariavelmente como pessoas carrancudas e perigosas? Por que a América Latina é não raro associada à miséria e ao crime? Como o cinema nacional idealiza a violência? Há representações e visões ideológicas que não podem passar despercebidas. "Pedagogicamente, o professor deve estimular o aluno a pensar por que ele se identificou com este ou com aquele personagem, contribuindo para quebrar mitos, estereótipos e preconceitos", diz Napolitano.

Segundo o especialista, a idade também não representa obstáculo. É possível iniciar a alfabetização cinematográfica ainda na educação infantil, analisando, por exemplo, as cores e a animação, a trilha sonora, as lendas e os mitos. A armadilha, segundo escreve Napolitano, está no olhar crédulo da criança, que tende a acreditar em tudo o que vê. “Portanto, o professor deve estar preparado para respeitar e valorizar a fantasia infantil, sem reforçar a assimilação das explicações pseudo-científicas, da ideologia”. Na pré-adolescência, os gêneros preferidos são aventura e ficção científica. O ensino médio pode se dedicar a explorar com mais complexidade a linguagem cinematográfica e a relação do filme com o contexto social e histórico. Por fim, a universidade representa a possibilidade de aprofundar a visão crítica e as reflexões.

No livro, Napolitano destaca que o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. Assim, segundo ele, dos mais comerciais e descomprometidos aos mais sofisticados e difíceis, os filmes têm sempre alguma possibilidade para o trabalho escolar. O autor conclui: “O importante é o professor que queira trabalhar sistematicamente com o cinema se perguntar: qual o uso possível deste filme?”.

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