Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Viagens, baladas, namoros sérios – outros nem tanto –, rolos, “ficadas”, festas, decepções, paixões platônicas, o primeiro beijo, saídas noturnas... O universo adolescente desperta nos pais uma série de preocupações, principalmente no que diz respeito à possível iniciação da vida sexual dos jovens. A conversa franca é sempre o caminho mais indicado para a formação responsável e a melhor maneira de garantir acesso às informações – e, não raro, ela termina com um “filho, filha, se cuide”. A resposta é também automática: “pode deixar, pai, fique sossegado; mãe, eu sei o que estou fazendo”. Mas será que eles sabem mesmo qual o significado e a amplitude desses cuidados desejados pelos pais e a importância de aprender a lidar com os impulsos, as inseguranças, os riscos e a própria sexualidade?
“Se a gente achasse que sim, que essa é uma questão resolvida, não haveria necessidade de discutirmos educação sexual nas escolas”, responde a educadora Maria Helena Vilela. Diretora do Instituto Kaplan - uma ONG com ações ligadas à sexualidade -, ela justifica a necessidade e a pertinência de os projetos de orientação sexual chegarem às salas de aula. “Embora a criança e o jovem de hoje tenham muitas informações e uma facilidade enorme de chegar a elas, esses dados são desconexos e descolados da realidade desses meninos e meninas”.
Mas se o beijo, o namoro e a relação sexual acontecem fora da escola, na festa que se freqüenta, por exemplo, qual o papel que resta às discussões travadas em sala de aula? Maria Helena acredita que a escola hoje é fundamentalmente o espaço onde algumas das principais relações sociais de jovens e crianças são estabelecidas. A turma do bairro, ou o grupo dos primos, deixou de existir nas grandes cidades. O lugar onde a socialização se dá é mesmo no colégio. “E pensando que a sexualidade, os afetos e as questões de gênero acontecem no âmbito das relações – seja com os amigos ou com o namoradinho –, nada mais natural do que recorrer ao ambiente em que essas relações se manifestam para tentar trabalhá-las de forma responsável e segura”, completa a diretora do Instituto Kaplan, que também é consultora sobre educação sexual de vários colégios em São Paulo.
E tem mais. Segundo a especialista, o aluno vê na escola um lugar para aprender, e já identifica que o que for dito ali tem valor educativo. Ela reforça a importância da orientação sexual escolar com uma doce sinfonia para o ouvido dos professores. A educadora garante que os mestres são, ainda hoje e apesar de toda a desvalorização da profissão, uma referência muito forte em termos de valores e de princípios para a vida das crianças e dos adolescentes. “Mesmo que eles digam que não, o que o professor fala é ouvido. Se for dito da maneira correta e na hora certa, vai fazer diferença na vida dos meninos”, comemora.
Informação de qualidade
A questão é: o que significa dizer a coisa certa na hora certa? A coisa certa, segundo Maria Helena, refere-se à informação confiável e de qualidade. Ou seja, aprender que o ser humano precisa se reproduzir para dar continuidade à espécie e, no nosso caso, essa reprodução se dá por meio das relações sexuais e, para isso, contamos com um aparelho reprodutor. Mas mais que uma máquina, a função sexual é cheia de meandros e sutilezas que merecem ser discutidos. Segundo a professora e coordenadora de Orientação Sexual do Colégio Bandeirantes, Maria Stella Zanini, “essa é a parte mais divertida, que eles mais gostam. A biologia é interessante, mas quando trabalhamos a resposta do prazer e do desejo sexual, eles adoram”. Maria Helena concorda com a professora do Bandeirantes. “Ensinar as funções corporais é fundamental, mas sexo é muito mais que isso, e todos os aspectos devem ser abordados”.
Quanto à hora certa, essa é a questão mais delicada. Maria Stella tem contato, desde 1997, com todos os alunos de 5a ao 1o colegial, mas seus vínculos mais estreitos são com os meninos da 7a e da 8a séries do ensino fundamental. O tempo de janela permite afirmar que há diferenças na recepção, em função da idade. Ela conta que, na 5a e na 6a séries, os alunos são super interessados. Adoram discutir todos os assuntos. São abertos e cheios de curiosidades. Na 7a, acontece um fenômeno curioso. “Eles se fecham, ficam retraídos e resistentes”. Stella acredita que essa reação se deve a uma certa defesa, um afastamento por segurança. Ela explica: “É que os assuntos que tratamos nessa série dizem respeito exatamente ao que eles estão passando. O primeiro beijo, os primeiros relacionamentos, os namoricos”, revela. Então mesmo que o professor lance mão de filmes, músicas, jogos, os meninos percebem que estão falando deles e se retraem. Quando chega a 8a série, tudo volta ao normal. “Em geral, eles já venceram as etapas mais difíceis, já conseguem ficar mais soltos em relação à própria sexualidade, já conseguem ficar mais à vontade de novo”.
A participação da família
Por falar em ficar à vontade, ainda não falamos no terceiro pé que forma esse tripé. Falamos do aluno, da escola, mas ainda não olhamos para a família. Será que eles ficam tranqüilos e à vontade sabendo que os filhos estão falando de sexo nas aulas? Será que isso não causa um conflito de visões? Maria Helena Vilela assegura que não. Aliás, pelo contrário, “atualmente os pais esperam que a escola os ajude nesse ponto, até porque muitas vezes eles sabem que não têm a capacitação, não têm todas as informações e têm um pouco de vergonha”. E, além disso, a educadora sexual duvida que os pais hoje não saibam que seus filhos já têm contato com sexo, já namoram, ou já “ficam”. Então, segundo ela, eles preferem que os jovens estejam bem orientados.
“A educação sexual só faz sentido se estiver conectada com a vida dos alunos e a vida moderna nas grandes cidades pede isso”, explica Maria Helena, referindo-se a novos hábitos, que antes não existiam como, por exemplo, os pais se separarem e a mãe se embelezar para arrumar um novo namorado, ou trazer o novo namorado para dormir em casa. Outra novidade que deve fazer parte dos assuntos abordados em aula é a possibilidade que algumas famílias abrem de os filhos(as) levarem seus(as) namorados(as) para dormir em casa, no mesmo quarto.
Mas se pais e professores concordam com a importância da educação sexual, ainda há algo que não se encaixa, porque, apesar de tudo isso, os meninos e meninas do Brasil continuam escorregando. A mais recente Síntese de Indicadores Sociais, publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados coletados em 2003 e divulgados em fevereiro deste ano, mostra que a taxa nacional de gravidez em garotas com idade entre 15 a 19 anos é de 20%. Ou seja, as meninas com menos de 20 anos representam um quinto de todas as gestações que acontecem no Brasil. E tem mais: o mais recente Boletim Epidemiológico de Aids, publicação trimestral do Ministério da Saúde, registrou, desde o início da década de 80 até dezembro de 2002, 257.780 casos da doença no Brasil. Deste total, 5.597 são de adolescentes na faixa etária dos 13 aos 19 anos. Daquelas que são classificadas como “causas identificadas”, 2.970 foram contaminadas por meio de relações sexuais. A pergunta que fica, portanto, é: para que serve a educação sexual se parece que ela não está sendo tão eficiente em tentar ajudar a evitar a gravidez precoce e a contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids?
A resposta das duas especialistas é unânime. Para Maria Stella, do Bandeirantes, a orientação sexual nas escolas está muito mais ligada às ansiedades e angústias do jovem, porque aquele é o momento que ele deve aproveitar para esclarecer dúvidas e questões nebulosas. Maria Helena completa: “Não se pode dizer que antes das aulas de educação sexual tantas meninas engravidavam e hoje só um percentual menor engravida. Não é esse o objetivo”. Se não é esse, então qual é? “É motivar os meninos a se cuidarem, a serem responsáveis por seus corpos e por suas relações afetivas. É ensinar sobre os métodos de contracepção e motivar a usá-los”, responde a diretora do Instituto Kaplan, levantando a bola para sua colega, Maria Stella, finalizar. “Conhecer o corpo e os processos sexuais e reprodutivos faz aumentar o conhecimento sobre eles mesmos e isso traz um ganho de auto-estima e ajuda a planejar o futuro com mais segurança e responsabilidade”.
Para se aprofundar
Instituto Kaplan
Site traz informações sobre os projetos educacionais desenvolvidos pelo instituto como “Vale a pena sonhar”, “Projeto Xingo”, “Vista esta camisa”, entre outros. Também oferece serviço de orientação sexual, agenda de eventos, cursos e palestras.
Educaids
Programa mantido pela Associação para Prevenção e Tratamento da Aids e Saúde Preventiva (APTA) que em 2005 chega a sua 9ª edição. Site fornece informações sobre o evento, como participar, programação, além dados sobre outros projetos desenvolvidos. Disponibiliza também “oficinas pedagógicas”, com dicas para serem aplicadas em sala de aula, sugestões de materiais, livros e filmes.
Adolesite
Desenvolvido pelo Ministério da Saúde para os adolescentes, site trata de sexualidade, drogas, Aids, doenças sexualmente transmissíveis e prevenção em uma linguagem simples, objetiva, fazendo uso de animações e desenhos.
Programa Nacional de DST e Aids
Site também mantido pelo Ministério da Saúde disponibiliza informações diversas sobre doenças sexualmente transmissíveis, formas de prevenção, diagnóstico, dados, pesquisas e notícias.