6ª Conferência das Cidades discute os rumos para a gestão dos municípios e de seus cidadãos
Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Olhar a cidade. Pensar a cidade. Planejar a cidade. Esse desafio é, ao mesmo tempo, a grande tarefa e o prazer maior dos urbanistas, cada vez mais preocupados com o futuro das grandes cidades, onde se acumulam problemas das mais diversas naturezas – do trânsito insuportável ao saneamento básico deficiente, da moradia precária à poluição do ar. Assim, aquilo que à primeira vista poderia parecer apenas um trabalho árduo e teórico representa, na verdade, um investimento concreto em bem-estar da cidadania e em qualidade de vida. “Se a gente não debater o direito à cidade e ao uso das terras urbanas, o futuro será muito mais caótico”, alerta Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).
Bonduki, que também foi vereador na cidade de São Paulo, participou, entre os dias 23 e 25 de agosto último, em Brasília, da 6a edição da Conferência das Cidades. O encontro, anual, nasceu por iniciativa da Câmara dos Deputados, com o intuito de debater e orientar os rumos da gestão dos municípios. Desde 1999, quando foi realizado pela primeira vez, o evento reúne parlamentares, governantes, urbanistas e entidades da sociedade civil, para discutir e apontar encaminhamentos para questões como plano diretor, saneamento básico, direito ao uso da terra urbana, dentre outras. Na Conferência deste ano, alguns temas ganharam mais destaque, como a regularização fundiária, o parcelamento do solo urbano e a política nacional de saneamento ambiental. A novidade da 6a edição foi o debate a respeito de soluções práticas sobre acesso a recursos financeiros e a maneira como os municípios reagem a eventuais inovações tecnológicas.
Buscar soluções - O ex-vereador paulistano participa das Conferências desde a primeira edição do evento. Ele explica que esses encontros servem para que os especialistas tentem se antecipar ao crescimento desenfreado e desorganizado dos municípios e procurem viabilizar soluções e projetos de lei capazes de garantir o que ele chama de “uso democrático da cidade”. Não por acaso, foi já na primeira Conferência que foram construídas as bases do chamado Estatuto da Cidade. Aprovado em 2001, o documento apresenta propostas e metas reais para as cidades brasileiras, como a implantação efetiva dos planos diretores em, no máximo, cinco anos.
O Estatuto, no mesmo ano de sua aprovação, serviu ainda como referência para a regulamentação do capítulo que trata de política urbana, na Constituição Brasileira. Segundo Bonduki, a grande inovação está no fato de o Estatuto compreender a reforma urbana como um meio de promover a inclusão social e territorial nas cidades brasileiras. Ele lembra que as cinco Conferências seguintes, entre 2000 e 2005, ajudaram a regulamentar, por exemplo, questões relacionadas à habitação, violência urbana e lixo.
“A discussão cada vez mais ampliada provoca maior mobilização da sociedade e desperta a conscientização aprofundada sobre o tema”, completa Bonduki. Até o início dos anos 90, o debate a respeito de temas especificamente ligados às cidades, como os planos diretores, era muito desacreditado nos grandes municípios brasileiros. “A verdade é que as pessoas não vislumbravam que os planos diretores seriam realmente implantados”, destaca. Essa descrença diz respeito à relação que o brasileiro muitas vezes estabelece com suas leis, separando-a em “leis que pegam e leis que não pegam”. No caso das políticas urbanas, no entanto, Bonduki chama a atenção para uma outra razão importante. “Até os anos 70, os planos diretores eram instrumentos determinados autoritariamente, sem participação da sociedade e totalmente desarticulados da gestão global das cidades”, afirma o ex-vereador.
Plano Diretor Participativo - Nos anos 90, em grande parte graças às Conferências, a discussão ganhou outros contornos, e abriu espaço para o surgimento de uma outra figura: o Plano Diretor Participativo. “Também são planos diretores, mas contam com a participação da sociedade organizada, além das autoridades que cuidam das políticas públicas”, diferencia. O que significa que a confiança na implementação do Plano deveria ter aumentado, certo? Bonduki concorda e lembra que essa nova dinâmica “dá à sociedade um sentimento de responsabilidade e de fiscalização sobre o bem comum”.
Outra percepção que mudou de rumo a partir dos anos 90 e que começa a ter reflexos nas discussões travadas durante as Conferências da Cidade e nas políticas urbanas é a questão da diferenciação entre cidade e campo. Até muito recentemente, entendia-se que havia uma separação muito clara entre o que era zona rural e zona urbana. Os avanços tecnológicos, destacadamente, contribuíram imensamente para que esses parâmetros fossem alterados. Segundo Bonduki, há algum tempo o campo vem tendo acesso àquilo que estávamos acostumados a entender como elementos da cidade. “A internet é o mais visível desses elementos e, nesse sentido, ela coloca a zona rural em condição de igualdade com a zona urbana, pelo menos em termos de circulação de informação”.
Novo olhar para a cidade - Temos então um novo conceito de cidade? O professor da FAU não se arrisca a tanto, mas garante que a atualização de conceitos tradicionais ajuda a mudar nosso olhar para a cidade e, conseqüentemente, ao que entendemos como direitos do cidadão. O acesso irrestrito às informações do mundo, que agora também pode ser feito a partir do campo, talvez leve, em um futuro próximo, os habitantes dessa ainda chamada zona rural a começar a exigir outras conquistas, que atualmente ainda não fazem parte da vida no campo, como o direito ao saneamento básico, a energia elétrica, ao calçamento de ruas e estradas e o acesso aos bens e serviços que já existem na zona urbana.
Também o fluxo de pessoas entre a metrópole e as cidades anteriormente classificadas como rurais contribui para a mudança de status. Não é recente a fuga dos cidadãos metropolitanos para municípios vizinhos aos grandes centros urbanos, em busca de uma suposta qualidade de vida superior. Bons exemplos em São Paulo são condomínios localizados em Santana do Parnaíba, Cotia, Itapecerica da Serra, dentre outras. Bonduki alerta que esses pequenos municípios já não são considerados parte do campo há muito tempo. “Elas são quase as cidades-jardins, um conceito que surgiu na Europa, nos anos 70”, conta o professor da FAU/USP. Embora estejam mais próximas da natureza e até possuam um pouco de economia agrícola, têm todos os aparelhos urbanos clássicos, como a economia de serviço, ruas e edifícios.
Nabil Bonduki não vacila ao apontar que é esse o intuito da Conferência das Cidades: mudar conceitos e estabelecer discussões sobre as cidades. “E acho que ela vem cumprindo bem esse papel. O resto é com a gente, com a sociedade, cobrar a implantação das medidas acordadas com a sociedade civil e fiscalizar se está tudo saindo conforme o combinado”, comemora. Mas, como educador, o urbanista dá uma dica para que isso funcione: “Vou até ser óbvio. Temos que começar com a Educação. Exatamente como já vem acontecendo com a Educação Ambiental, o ideal seria que tivéssemos nas escolas também a Educação Urbanística”, sugere.
Leia mais
Conheça o “Estatuto das Cidades”
Saiba o que é Plano Diretor Participativo
Mais sobre a 6ª Conferência das Cidades
Livro recém-lançado aborda os problemas urbanos e estruturais da cidade de São Paulo