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A lei já existe; é preciso atuar para garantir sua aplicação

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Eram povos atrasados e sem cultura, selvagens, dispersos em tribos que tinham como único objetivo fazer guerras. Essa é, não raro, a história dos negros africanos ensinada em nossas escolas. “Trata-se de uma visão estereotipada e preconceituosa”, contesta Leila Leite Hernandez, professora da Faculdade de História da Universidade de São Paulo (USP). Foi com o objetivo de combater essa perspectiva e abrir novos caminhos de ensino e de análise sobre o tema que o governo federal editou, em janeiro de 2003, a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras, nos níveis fundamental e médio, tanto nas escolas públicas quanto nas particulares.

Apesar do avanço – sem dúvida significativo – é preciso ainda percorrer um longo caminho até que a lei saia do papel e se transforme em realidade cotidiana de sala de aula. E uma das primeiras tarefas a ser cumprida diz respeito justamente à formação dos professores que trabalham diretamente com o tema. Segundo Leila, o professor é o grande agente transformador e é preciso oferecer aos educadores condições reais de sensibilização e de qualificação, a partir de novos parâmetros, conceitos e paradigmas. “A lei é certamente uma conquista, mas ainda estamos aquém do necessário”, diz.

Derrubar mitos - A especialista lembra que, nessa caminhada, a derrubada de mitos é inevitável. Ela afirma que a idéia secular de África muitas vezes trabalhada em sala de aula dá conta dos negros como não desenvolvidos, como peças e mercadorias, como povos que não formavam nações e que não tinham passado, incorporados pela História do Brasil apenas a partir do nosso colonialismo.

Para a pesquisadora, essas idéias, equivocadas e enviesadas, precisam ser desconstruídas, a partir de pesquisas e de trabalhos científicos consistentes. “Claro que a África já tinha uma história, diversa e heterogênea. Seus povos tinham organizações política e social, muitas vezes sofisticadas, mas não necessariamente iguais às ocidentais”, diz Leila. “Na verdade, podemos afirmar que, a partir de elementos comuns, havia várias áfricas reunidas em uma África. É a idéia da unidade na diversidade”, completa.

Leila admite que já há uma série de ações em andamento, que tentam concretizar essa necessidade de formação de professores com base em um outro repertório e conteúdo de informações. No entanto, alerta, essas ações ainda se manifestam de forma isolada, sem sistematização ou coordenação ampliadas. Ela dá exemplos: uma editora decide organizar um seminário sobre o tema, uma universidade oferece um curso, uma Organização Não-Governamental publica um caderno temático sobre o assunto.

A professora da USP não nega: são todas iniciativas válidas – mas que precisam ser mais bem conectadas. “Não existe um planejamento para conduzir esses estudos de forma mais consistente, para que a orientação do professor seja mais segura”, lamenta. “Nesse sentido, o Sindicato tem um papel político fundamental, pois pode ser um dos agentes organizadores desse projeto pedagógico articulado”, destaca. Para ela, não adianta tratar a história da África de forma isolada – é preciso trabalhar o tema com os alunos a partir das aulas de história do Brasil que eles já têm, justamente para que tenham condições de perceber o contexto, as lacunas e os preconceitos estabelecidos pelo nosso imaginário social e reforçados até mesmo por algumas supostas pesquisas científicas.

Cuidado na escolha da bibliografiaA produção bibliográfica sobre o tema é outra preocupação de Leila. Ela conta que de fato existe um aumento no número de títulos que procuram auxiliar o professor na tarefa de efetivação da lei 10.639 em sala de aula. Em geral, são obras cuidadosas e de qualidade, com relevância científica, que destacam a diversidade e a riqueza do continente africano e de seus povos. Ainda assim, ela faz um alerta: muitos livros ruins também têm sido publicados. “Não adianta atropelar e querer publicar simplesmente por publicar. A pressa não vai ajudar nesse trabalho. Se conseguirmos despertar a atenção dos educadores para a importância da lei e a exigência de quebrar preconceitos, já teremos dado um bom salto. O material deve ser encarado como uma conseqüência”, afirma a professora, que é autora do livro A África na sala de aula, lançado recentemente pela “Selo Negro Edições”.

Em relação aos protestos suscitados pela lei – “por que oferecer esse privilégio aos negros e não a outros segmentos sociais?” –, Leila garante estar absolutamente tranqüila para respondê-los. Segundo ela, o Brasil é herdeiro de uma escravidão intensa, que acabou tardiamente. Recebemos um número elevadíssimo de escravos – e entender esse Brasil significa também ser capaz de compreender com profundidade as origens e contribuições dos negros africanos.

Aos poucos, diz a professora, o interesse por essa história ainda pouco contada está aumentando, e os professores e a sociedade descobrem a relevância de perceber e valorizar nossas próprias origens. “Essa é a mensagem que precisa chegar aos nossos alunos, até para que se possa evitar movimentos contrários e o racismo invertido”, finaliza.

Acesse aqui o canal especial “História e Cultura Afro-Brasileira na Escola”

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