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Visita do presidente dos EUA soa como estratégia de marketing

Elisa Marconi e Francisco Bicudo

Foram praticamente quatro dias de viagem pela América Latina – menos de 24 horas no Brasil, com direito a espaço aéreo fechado e um aparato de segurança de dar inveja a qualquer filme policial de Hollywood. Durante esse curto período, as negociações sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), desenvolvidas durante a IV Cúpula das Américas, realizada na cidade Argentina de Mar del Plata, não só não avançaram como praticamente foram enterradas; o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, não se manifestou a respeito do possível ingresso do Brasil no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU); a questão dos subsídios agrícolas acabou sendo tratada mais no nível da retórica do que das ações práticas; por fim, além das manifestações anti-EUA, comandadas na Argentina pelo craque Diego Maradona, Bush ainda viu sua presença ser ofuscada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chavez, que foi a verdadeira grande estrela da festa e assumiu o papel de porta-voz latino-americano de um crescente sentimento anti-americano. Mas, se os revezes foram tantos, e os ganhos concretos são no mínimo questionáveis, qual o sentido da viagem de George Bush à América Latina?

“Foi mais uma estratégia de marketing, na tentativa de mostrar que os EUA não se encontram isolados no continente”, responde Emir Sader, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da mesma universidade. Para ele, que é especialista em relações internacionais, com o fracasso do modelo neoliberal na América Latina, caíram vários governos alinhados automaticamente com os norte-americanos. A Venezuela seria, segundo Sader, a atual grande pedra no sapato do “gigante do norte”. Peru, Equador e Bolívia, os chamados países andinos, têm sido confrontados com cenários sociais gravíssimos e obrigados a dar conta das demandas indígenas. Com o presidente Nestor Kirschner, a Argentina trilha um caminho de desenvolvimento nacionalista, renegociando o pagamento de sua dívida externa em condições bastante favoráveis.

O Brasil também adotou uma política externa independente e soberana, ajudando a brecar a criação da Alca. “Dessa forma, os americanos acabaram ficando apenas com a Colômbia, que é mais um problema do que uma solução, em virtude da guerrilha, do narcotráfico e de seu quadro político complexo. Tentam agora também a instalação de bases militares no Paraguai. Mas, curiosamente, a comitiva do presidente Bush não passou por esses dois países, justamente para não reforçar a tese do isolamento”, continua.

Jogo de cena
Ainda antes do desembarque da comitiva norte-americana no Brasil, os jornais já publicavam declaração do presidente norte-americano afirmando que “ele e Lula têm vários objetivos em comum”. Para Sader, foi mais um movimento do jogo de cena. De acordo com o professor da UERJ, os Estados Unidos ficaram assustadíssimos com a eleição de Lula, em 2002, mas acabaram se tranqüilizando com a continuidade da política econômica idealizada por Fernando Henrique Cardoso.

No plano internacional, no entanto, o especialista lembra que os EUA jamais toleraram os movimentos feitos pelo Brasil. “O Brasil tem muito trânsito e liderança no exterior. Foi, por exemplo, um dos criadores do Grupo dos 20, que reúne nações emergentes que negociam o fim dos subsídios agrícolas na Organização Mundial do Comércio. É essa liberdade de atuação que os americanos não engolem”, explica. As contradições se acentuam quando o assunto é a Venezuela. Os Estados Unidos atuam para isolar o pequeno país e para demonizar o presidente Hugo Chavez.

Também nesse caso, o Brasil tem atuado com independência, assumindo a posição de um dos principais interlocutores do presidente Chavez. O governo Lula, por exemplo, foi um dos criadores do chamado “Grupo de Países Amigos da Venezuela”, responsável por intermediar várias das disputas entre governo e oposição venezuelanos – inclusive aquela que culminou com o referendo de agosto de 2004, quando a população venezuelana, com mais de 60% dos votos, disse “SIM” à continuidade do governo Chavez. “No plano internacional, a atual administração federal brasileira desenvolve política muito menos subserviente que a do governo anterior. Por isso é que os Estados Unidos trabalham contra a reeleição de Lula, por mais que as declarações sejam amistosas e que o presidente Bush diga ter objetivos iguais aos do Lula. É mais uma forma de dizer ‘não estou sozinho’”, diferencia.

”O fim da ALCA”
Obrigado a tolerar a Venezuela – “ela representa as posições do povo, enquanto os EUA significam o reino do dinheiro e das armas” –, o presidente Bush foi ainda obrigado a encarar o fato de o presidente Hugo Chavez ter conquistado a condição de principal estrela da Cúpula das Américas. Ao lado de Maradona, Chavez encerrou uma manifestação anti-EUA que reuniu, no estádio Mundialista de Mar Del Plata, cerca de 40 mil pessoas. O presidente da Venezuela, bem ao estilo de Fidel Castro, falou durante mais de duas horas e vociferou contra a globalização e o imperialismo norte-americano. Decretou o “fim da ALCA”. E disse que “aos povos americanos não toca apenas ser os enterradores da ALCA e, em uma dimensão muito maior, do modelo capitalista neoliberal que, desde Washington, arremete contra nossos povos. Queremos ser os construtores de uma outra integração. Temos que ser os parteiros de um novo tempo, de uma nova história”, afirmou.

Essa nova integração tem nome: ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), que, segundo Chavez, pretende promover a união dos países da América Latina a partir dos ideais de igualdade, soberania e de justiça social. É por conta dessa proposta que têm sido discutidos, entre os países latino-americanos, principalmente os do Mercosul, somados à Venezuela, propostas como a criação de uma emissora pública de televisão do Cone Sul; a criação de um banco ou agência latino-americana de fomento a projetos sociais; e até mesmo a integração entre as estatais petrolíferas da região. “Essa é a verdadeira e justa integração. Pensa em educação, saúde, distribuição de renda, esportes, e não apenas no capital, no comércio. No entanto, esse processo não avança como desejamos graças às economias privatizadas e internacionalizadas da América Latina. As empresas questionam o papel do Estado”, lamenta Sader.

Para ele, o mais importante é que, depois de Cuba, os Estados Unidos encontraram um novo foco de resistência. “O projeto venezuelano não só não está isolado como já se consolidou como alternativa viável para outras nações. Atualmente, a pequena Venezuela é capaz de polarizar com o gigante do norte”, acredita. Exagero de retórica? Talvez. Mas a verdade é que, na Cúpula das Américas, a ALCA de fato parece ter se transformado em um cadáver, pronto para ser sepultado.

A declaração final do encontro tentou contemplar duas posições opostas e inconciliáveis – e acabou se transformando em um frankstein. De um lado, como escreve Clovis Rossi na “Folha de São Paulo” de 07 de novembro, “ficaram 29 dos 34 países americanos -Cuba não participa do processo-, querendo um texto que anunciasse a retomada das negociações, "no mais tardar" em abril. Do outro, os países dos "mosqueteiros" (os quatro do Mercosul e a Venezuela de Chávez), jurando que não estão dadas as condições para um acordo.” Nesse quesito, embora a festa oficial tenha sido preparada para receber o presidente norte-americano, a vitória foi mesmo do Mercosul, que, além de resistências anteriormente já manifestadas, soube buscar o apoio de Chavez e compreendeu o significado das manifestações populares promovidas pela “anti-cúpula” para brecar o possível avanço da ALCA. “As manifestações contra a dominação e arrogância dos EUA não são novidade”, admite Sader. “A novidade é que temos agora um país com um projeto alternativo, forte e respeitado, que tem conquistado uma posição de protagonista e de referência no continente.

A Venezuela precisa ser ouvida. E ela tem muito a dizer”, finaliza.

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