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Entrevista com o jurista Dalmo Dallari

SINPRO-SP – Professor, vamos começar pelos fatos mais antigos. Em meados de outubro último, depois de passar 40 dias preso, o ex-prefeito Paulo Maluf foi solto. Seus advogados já haviam tentado vários habeas corpus e todos tinham sido negados. Mas, no dia 15, o ministro do STF, Carlos Velloso, alegando que era uma violência um pai estar preso ao lado de seu filho, determina que Maluf seja solto. Como o senhor vê a atuação da Justiça nesse caso?
Maluf e seu filho Flávio estavam presos porque o juiz entendeu que, caso estivessem em liberdade, poderiam atrapalhar o processo do qual são réus. Existem três razões para a prisão preventiva ser decretada: o acusado ser uma pessoa perigosa; risco de fuga – o que não era o caso, porque até o passaporte deles está em poder da Polícia Federal -; e a coação de testemunhas, impedindo a produção de provas. Esse último é que era o caso de Maluf e de seu filho. Bem, mas depois que as provas foram produzidas, as testemunhas foram ouvidas e o processo andou, realmente não há razão para os acusados continuarem presos, daí a soltura. Então, judicialmente, a decisão foi correta.

Exatamente como aconteceu no caso dos irmãos Cravinhos e de Suzanne von Richtoffen?
Exatamente. Mas, no caso deles, o que chama a atenção é a demora para se fazer cumprir a lei. Ela ficou presa pouco mais de dois anos, eles ficaram três anos. Esse tempo é mais do que razoável para a Justiça dar andamento ao processo. Devemos pensar assim: a prisão preventiva deve ter o tempo da tomada de depoimentos e da produção de provas. Deve ser um tempo razoável. Mais do que isso, a prisão se torna arbitrária.

Mas então porque as pessoas ficam indignadas com a liberação de Suzanne, dos Cravinhos e dos Maluf?
Porque aqui no Brasil tem-se a falsa sensação de que a prisão preventiva é igual à condenação e a soltura é como uma absolvição. E isso não está correto. Como eu já disse, a prisão temporária precisa ter um tempo limite, mais do que isso, ela está ferindo sua razão de ser.

Como esse imaginário é construído pela população, professor?
Basicamente, as pessoas se apóiam na imprensa para construir suas opiniões. E a imprensa brasileira é muito ignorante no que diz respeito às leis e ao Direito. Não há preocupação por parte dos jornais, das TVs e das rádios em dar um enfoque jurídico às notícias que dizem respeito à Justiça. Eu estive em Madri no ano passado num congresso exatamente sobre a relação do poder judiciário com a imprensa. E lá foi relatado que em vários países do mundo existe um assessor jurídico dentro das redações. Alguém que é consultado sempre que o assunto que vai ser tratado tem relação com o Direito. No Brasil, não existe nada disso. E a imprensa é também muito arrogante, pede pouca ajuda dos magistrados, dos juristas, dos advogados. Eu até sou bastante consultado, até porque vários de meus ex-alunos hoje são jornalistas, mas não sei se isso é regra. Também existe o outro lado. A Justiça, a meu ver, tem obrigação de colaborar, de dar informações, de ajudar o jornalista a fazer a análise correta do caso.

Voltando ao caso Maluf, professor, como a imprensa deveria se portar diante da afirmação do ministro Carlos Velloso, dizendo que assinou o habeas corpus porque teve pena do ex-prefeito?
É que esse argumento é mesmo um absurdo. Isso não é nem nunca foi um argumento jurídico. Foi uma declaração infeliz, totalmente emocional. Se fosse por aí, todos seriam dignos de pena, porque o preso até pode ser culpado, mas tem uma família do lado de fora, que passa dificuldades por ter um ente preso. Essa família também é digna de pena. Então todos deveriam ser soltos. Mas foi bom você ter perguntado, porque é exatamente esse tipo de argumentação que leva à contaminação da opinião. Por parte da justiça até que não é muito freqüente esse tipo de declaração emocional, mas quando isso sai na imprensa – na boca de um membro do poder judiciário, ou de um jornalista – leva as pessoas a fazerem associações erradas. Aí é que começam a ser tomados como absurdas as ações que estão totalmente previstas na Constituição. Ninguém está dizendo que o Maluf é inocente só porque saiu da prisão preventiva. O que está se fazendo é a aplicação da lei.

Mas é que no caso dele houve uma regra judicial quebrada, não é?
Sim, o STF não poderia apreciar – e dar o habeas corpus – num processo em que o Superior Tribunal de Justiça – que é uma instância inferior ao Supremo – tenha negado a liminar e ainda não tenha julgado o mérito da questão. Ou seja, o STF passou por cima de uma norma estabelecida por ele mesmo. Mas isso já aconteceu outras vezes, essa não foi a primeira. O que chama atenção no caso do ex-prefeito Paulo Maluf é que normalmente a Justiça dá uma ajudinha para ele. Há alguns anos ele foi intimado e seus advogados pediram um habeas corpus. O Tribunal de Justiça concedeu, afirmando que, como Maluf era um homem da sociedade, não poderia passar por essa vergonha, por um vexame como esse. O dado objetivo é que, como governador e como prefeito, ele nomeou vários desembargadores como secretários e, portanto, sempre contou com certa proteção do judiciário. Isso não vem mais acontecendo, porque muitos dos seus ex-secretários hoje estão aposentados.

Ou ele rompeu relações.
Ou ele brigou, como é o caso do Régis de Oliveira, vice-prefeito de Paulo Maluf.

E no caso das cassações de deputados federais? Como o senhor analisa a ação da Justiça e a opinião pública que vem se formando a esse respeito?
Esses casos eu estou acompanhando bem de perto e com grande interesse. O que eu posso dizer é que, com certeza, os deputados e senadores estão conduzindo mal o seu trabalho. Seja porque aplicam grande carga emocional, seja porque atuam de forma partidária, mas o fato é que eles não se atêm às formalidades.

Ou seja, não é que a Justiça esteja julgando os parlamentares como inocentes, ela está é pedindo atenção às formalidades. É isso?
Exatamente isso. Nenhuma das decisões da Justiça diz que os parlamentares são inocentes. O que a Justiça cobra é que haja um olhar para as formalidades, que são desrespeitadas por erro dos parlamentares. Então a Justiça não está interferindo no Legislativo. Isso é alegação de alguns parlamentares e, erroneamente, a imprensa compra essa versão. Nenhuma ameaça ou lesão – seja em qualquer poder – pode deixar de ser olhada pelo Judiciário. Ou seja, se há ofensa ao Direito, seja ela em qualquer área ou poder, ela deve ser apreciada pelo Judiciário. Isso é a base do Judiciário. Portanto, as decisões nunca foram sobre o mérito – ou seja, se tal deputado é culpado ou inocente -, mas sim o cumprimento das leis. O problema é que alguns parlamentares, só porque são parlamentares, acham que estão livres da lei. Mas nossa Constituição é bem clara e submete todos às regras da lei.

E a análise incorreta da atuação da Justiça leva os brasileiros a adotarem uma posição de descrença em relação à instituição... Exatamente. Lança dúvidas sobre a instituição, sobre sua eficiência. Em todos esses casos que a gente citou, a Justiça vem cumprindo seu papel, mas tudo isso é visto com desconfiança, o que acarreta em depreciação. A verdade é que aqui no Brasil a Justiça age. Tem lá seus escorregões, é verdade. Mas de um modo geral, ela está boa, está trabalhando. E bem. E é por isso que ela não sai das manchetes dos jornais.

A que o senhor atribui essa presença mais forte do Judiciário na mídia? A Constituição de 1988 tem muito a ver com isso, não é?
Além de todos os casos que já citamos, que são importantes e por isso mesmo têm que estar nos jornais, a Constituição de 88 fez do Ministério Público um advogado do povo. Ou seja, os casos de interesse geral da população, do coletivo, passariam a ser tocados pelo MP. Ele age em nome do povo. Além disso, a Constituição também dá poder às associações para entrarem na Justiça com ações populares, o que traz o judiciário para muito mais perto da população, aumentando seu destaque, sua aparição na imprensa.

Para encerrar, vamos falar sobre a sugestão presente na imprensa – no mais das vezes, na voz de parlamentares – sobre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, dizendo que estaria agindo como candidato à presidência da República.
Nesse caso, embora sejam opiniões e não fatos, a imprensa está correta. O ministro Jobim não é um juiz de carreira. Ele chegou ao STF exatamente como os outros ministros: indicado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado. Claro que, nesses casos, o presidente costuma indicar amigos. Jobim era deputado do PMDB e chegou ao STF indicado por Fernando Henrique Cardoso. Ele era um parlamentar e, ao ser indicado, deixa evidente o descrédito na instituição. As pessoas ficam desanimadas, entendendo que até na Justiça só os amigos são favorecidos, aí as pessoas acreditam que a corrupção também reina no Judiciário e perdem a fé na instituição, imaginando que é um poder mais corroído do que de fato o é. Isso também deve levar a outra reflexão: o método de escolha dos ministros do STF deve mudar. Embora o método adotado hoje esteja na Constituição e seja cumprido à risca, ele devia ser mudado. Precisava ser de algum jeito que o escolhido tivesse o respeito do povo e da comunidade. Eu defendo uma eleição em que todos os membros do judiciário – juízes, promotores, advogados e professores de direito – votem. Os três nomes mais votados seguiriam para a escolha do presidente.

Como a lista tríplice dos reitores de universidades públicas.
Isso, como a lista tríplice das universidades e fundações. Entre os três, o presidente escolheria um nome. Isso daria mais credibilidade ao Judiciário, o que, certamente, ajudaria a reverter o estado de descrédito que ele vive hoje.

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