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“O vestibular é a única maneira de as grandes universidades selecionarem seus alunos”

Todo final de ano é marcado pelos grandes vestibulares, como o da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o temido exame da Fuvest, o vestibular comandado pela Universidade de São Paulo (USP). No domingo passado, por exemplo, a Fuvest recebeu 170 mil candidatos para seu vestibular. Como o senhor analisa essa forma de avaliação?
O vestibular é sempre um tema polêmico, não há como dar respostas simples, porque, afinal, o tema é muito complexo. Mas a primeira coisa que preciso dizer é que sou totalmente a favor das avaliações. E ela deve acontecer antes da entrada na universidade, durante o curso e até mesmo depois que o percurso for concluído, como acontecia quando tínhamos o Provão. Eu nem sei se era a melhor forma de avaliar o curso, mas sei que é preciso avaliar, atribuir valores. E o vestibular, como o conhecemos hoje, é a única maneira possível para as grandes universidades selecionarem seus alunos. São, normalmente, dois momentos de avaliação, com uma nota atribuída às questões específicas, e outra para as questões de conhecimentos gerais, mais a redação. Isso é o tradicional e não vejo outra maneira dessas grandes universidades conseguirem escolher seus futuros estudantes. Já nas particulares a coisa é diferente. Por serem menores e terem um papel menos importante no cenário brasileiro, elas podem lançar mão de outros processos seletivos, como gostam de chamar. Mas aí caímos em outro nó desse problema. A verdade é que as particulares querem que todos os alunos entrem. Aí os processos são feitos para qualquer um passar e isso não pode ser comparado a um vestibular.

Por que essa diferença de tratamento com os candidatos?
As grandes universidades, públicas ou particulares, têm um problema real em mãos: mais candidatos que vagas. Então, o único jeito é selecionar os mais aptos. Precisa ficar muito claro que as faculdades trabalham na formação de intelectos. Claro que ninguém é mais que o outro só porque fez faculdade, mas em termos sociais, as grandes faculdades selecionam – dentre os que querem fazer graduação - os intelectos mais aptos. Para uma parcela considerável das particulares – e é claro que existem exceções honrosas a isso –, os cursos são muito ruins, e a maior preocupação da instituição não é ter um processo pedagógico e formar intelectos, mas sim ganhar dinheiro. Nesses casos, o vestibular é desnecessário, porque a verdadeira avaliação é sócio-econômica. O aluno que pode pagar entra. Quando a idéia da faculdade não é essa, aí o vestibular é indispensável.

E os exames que encontramos atualmente? São eficientes, de boa qualidade? De fato são selecionados os alunos mais preparados?
O ideal seria que o processo seletivo que vemos hoje fosse aprimorado. Não precisa acabar e não precisa de uma grande revolução. É preciso, apenas, aprimorar. Em todos esses anos dedicado ao vestibular, já dá para constatar que uma única avaliação anual não é o ideal.

O que o senhor propõe?
Vamos voltar lá para o começo. Primeiro, o ensino médio deveria ser aumentado em um ano. Nos três primeiros, o aluno teria uma formação técnica e também teórica. Aí, quem quisesse seguir para uma graduação, faria um quarto ano. A crítica é que esse quarto ano seria uma institucionalização do cursinho. Mas não é essa a proposta que defendo. O quarto ano seria sim uma espécie de pré-graduação, em que o aluno se prepararia para cursar, em melhor condição, a carreira pretendida. Ou seja, se quiser parar no nível técnico, faz três anos. Se quiser fazer faculdade, faz mais um. Agora, o buraco é bastante profundo, porque não estou falando dos cursos técnicos que vemos por aí. Seriam cursos técnicos de bom nível, para formar os profissionais de nível médio de qualidade. E se parece um sonho distante, saiba que já existe algo parecido na Espanha. A Espanha já adota esse modelo há bastante tempo e com bons resultados.

Digamos que esse modelo de ensino médio fosse implantado. Como seria o vestibular para esse estudante?
Aí é a parte mais legal. No final do primeiro ano, o aluno passaria por uma avaliação, no final do segundo e do terceiro também. Essas notas ficariam computadas e seriam parte da nota do grande exame, que aconteceria no final do quarto ano. Quais são as vantagens desse sistema? Primeiro, a divisão do exame de seleção em quatro etapas, ao longo de quatro anos. O que tiraria o peso de uma única prova, como o que acontece hoje. Segundo, o aluno seria obrigado a estudar mais e ao longo de todo o ensino médio. Esse aluno que foi obrigado a estudar constantemente e mais é, com certeza, um aluno mais bem preparado. Ele vai mais tranqüilo e confiante para a prova decisiva, a do quarto ano e, se está mais seguro, certamente vai mostrar melhor o que sabe, o que aprendeu ao longo de todo o colegial. Agora, a cereja desse sorvete, o meu grande sonho é que depois de tudo isso ainda houvesse um exame oral, uma entrevista, como fazia a OAB e como faz a Fundação Getúlio Vargas. E por que isso seria ótimo? Porque seria a prova irrefutável de que a escola está selecionando os mais habilitados. O contato pessoal, o poder da fala, a transformação do que se sabe em uma fala precisa e convincente é uma maneira muito justa de avaliar alguém, porque é muito difícil enganar o examinador numa prova assim.

Voltando ao sistema de avaliação que temos hoje. Há uma série de medidas que tangenciam o vestibular e que podem, ou não, torná-lo um processo mais justo e eficiente. A mais antiga delas é a isenção da taxa de inscrição para os alunos de classes mais baixas. O aluno comprova que tem um nível socioeconômico mais baixo, ou que fez escola pública, e não precisa pagar a inscrição do vestibular nas universidades públicas. Como o senhor avalia essa questão?
Sou a favor da isenção. Esse é um país com uma das maiores taxas de desigualdade social do mundo e, pode parecer absurdo falando assim, mas – de fato – tem alunos que deixam de prestar o exame porque não têm dinheiro para comprar o manual e fazer a inscrição. Ou seja, é mais uma forma de permitir o acesso. Agora, por trás dessa questão há outra mais delicada. Isentar a inscrição não garante que o candidato mais pobre concorra de igual para igual com os demais candidatos. Porque se ele é mais pobre, certamente estudou em escolas que não o preparam muito bem. E os grandes vestibulares só selecionam esses últimos. Vamos pensar na Fuvest que você citou. Dos 170 mil candidatos que estavam lá domingo, seguramente só 30 mil estavam verdadeiramente preparados e prestando o exame em condições de entrar na universidade. Embora eu não tenha em mãos nenhuma pesquisa que confirme o que eu estou dizendo, acho difícil que entre esses 30 mil estivesse uma parcela significativa dos que foram isentos da taxa. Mas, apesar de tudo isso, continuo defendendo a isenção. É uma maneira de garantir o acesso mais democrático à Educação.

O que o senhor está dizendo é que, além da seleção intelectual, o estudante também passa por uma seleção socioeconômica para chegar à faculdade, porque se ele tiver mais dinheiro vai ser mais bem preparado. Ou seja, o gargalo não está no vestibular, a seleção vem acontecendo desde muito antes. É isso?
Exatamente isso. Porque o erro é que as pessoas acham que na faculdade se pode arrumar a sociedade e isso não é verdade. Para arrumar a sociedade, o problema tem que ser resolvido muito mais lá atrás. As medidas ficam sendo tomadas para fazer da faculdade um lugar de acesso mais democrático, mas o problema do acesso à educação e ao conhecimento é infinitamente anterior, começa ainda na pré-escola. A briga pela igualdade no acesso à educação tem que começar lá atrás, no pré, porque uma educação de qualidade ao longo dos onze anos de escola colocariam todos os estudantes no mesmo pé de igualdade sempre, em qualquer ano, e a gente não teria que resolver a questão no vestibular.

O mesmo problema o senhor atribui ao ProUni, programa do governo federal que dá bolsas a alunos carentes nas universidades particulares?
Na base, o problema é o mesmo, mas junto com ele há mais algumas questões. A primeira é que, no Brasil, faculdade virou sinônimo de sucesso, de garantia de um futuro melhor. O que nem sempre é verdade e, pior, esses alunos, que já têm uma formação deficitária, vão para instituições que não prezam muito a qualidade no ensino. O resultado? Posso parecer pessimista, mas acredito que daqui a três ou quatro anos teremos uma sub-classe de profissionais. Gente que até tem terceiro grau completo, mas que vai estar muito pouco preparado para a carreira que escolheu. E tem mais, se você analisar os dados, o problema é mais grave, porque, seja nas particulares, seja nas públicas, o aluno carente, ou despreparado – porque estudou em escolas fracas – acaba escolhendo as carreiras menos glamurosas, digamos assim. Vá na Medicina, na Farmácia, na Física. Veja a procedência desses estudantes. Duvido que tenham vindo de uma formação precária. Não só porque não passam nesses cursos mais difíceis, mas porque a sociedade impõe a eles que façam um curso que apenas garanta o sustento. Esse é o caso da Letras, de História, de Pedagogia...

E o Enem? Neste ano, os alunos de escolas públicas tiveram desempenho extremamente próximo ao dos alunos das particulares. E também, outro fato inédito, a nota da redação foi superior à obtida na prova objetiva.
Eu sou favorável à aplicação da nota do Enem no vestibular. E não só porque é justo, já que é uma prova que analisa o desempenho do estudante ao longo de todo o ensino médio. Isso já ajuda a repartir a responsabilidade que é o vestibular. Agora, quanto à equivalência das notas, tenho certeza em afirmar que não é porque o ensino nas públicas melhorou. É, sem dúvida, porque o ensino das particulares caiu e vem caindo nos últimos anos. E a responsabilidade é toda dessa política que não valoriza o professor em nenhum aspecto. Nem econômico, nem socialmente. E eu diria que valorizar o educador é a medida número um para iniciar uma política de ensino de qualidade que, lá na frente, vai dar naquele vestibular em quatro fases que defendo. Um professor bem formado e preparado é garantia de um aluno – venha de que origem vier – apto e capaz de cursar o terceiro grau.

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