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Movimentos sociais se articulam para impedir a criação da ALCA

Por Francisco Bicudo

A segunda edição do Fórum Social Mundial, realizada no início de fevereiro, em Porto Alegre, reafirmou a idéia de que um outro mundo é possível. Suas discussões, oficinas, seminários e debates ajudaram a construir e consolidar alternativas concretas à globalização neoliberal e seu pensamento único. É verdade que, em alguns momentos, houve mais divergências do que convergências – o que pode ser visto e encarado como um sinal positivo e saudável, representativo do espírito plural e eclético que procurou pautar o encontro. Mas, se foi assim na maior parte das vezes, em relação à pelo menos um dos temas discutidos as opiniões foram unânimes: é preciso dizer “não” à criação da ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas.

Com certeza, esse foi um dos temas que mais se destacaram durante o Fórum. No último dia do evento, os participantes e presentes realizaram uma grande marcha de protesto contra a ALCA; além disso, ficou definido um intenso calendário de mobilizações, que deverá nortear as ações previstas para este ano. Ele culminará com a realização de plebiscitos e consultas populares em todos os países do continente, com exceção dos Estados Unidos e do Canadá (apenas Quebéc participará), na tentativa de envolver as populações que até agora estiveram alijadas dos debates sobre o assunto – e na esperança de que elas sejam capazes de dizer esse “não” e barrar a instalação da ALCA. A intenção dos comitês organizadores é que esses plebiscitos aconteçam até outubro; no Brasil, trabalha-se com a idéia de que ele seja marcado para o final de setembro, pouco antes, portanto, do primeiro turno das eleições presidenciais.

As ONGs e movimentos sociais que pretendem mobilizar as populações e construir o movimento de oposição à ALCA fazem questão de deixar claro: não são contra a integração das Américas. O que elas rejeitam de maneira veemente é esse modelo que foi construído à imagem e semelhança dos interesses das grandes corporações e das empresas transnacionais norte-americanas – e que tem como objetivo principal fortalecer ainda mais a economia dos EUA e a supremacia do “Império do Norte”, reservando aos demais países do continente um papel submisso, marginal e ainda mais dependente.

“A ALCA é um acordo negociado entre as economias mais desiguais do planeta: enquanto os Estados Unidos e o Canadá detêm mais de 80% do PIB hemisférico, Jamaica, Costa Rica, Honduras, El Salvador, Paraguai, Panamá, Guatemala, Equador, Haiti e Nicarágua respondem, conjuntamente, por menos de 1%. (...) Regras ou disciplinas comerciais que venham a ser negociadas na ALCA devem levar em conta as imensas disparidades existentes entre os países da região, assumindo o compromisso de superá-las. Mas não é isso o que está em negociação. A ALCA não prevê nenhuma iniciativa de promoção ao desenvolvimento ou de superação das diferenças: é um acordo desigual que tende a perpetuar a condição periférica e subordinada da América Latina no mundo globalizado”, alertam Kjeld Jakobsen, secretário de relações internacionais da CUT, e Renato Martins, pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec), em livro recentemente lançado pela editora Fundação Perseu Abramo.

Artigo publicado pela edição de novembro e dezembro de 2001 da “Revista dos Sem-Terra”, publicada pelo MST, traz uma análise que caminha na mesma direção. Ele elenca dez motivos para que o Brasil diga “não” à ALCA, dentre eles o fato de que o acordo degradará ainda mais o meio ambiente e os direitos trabalhistas, aprofundará a privatização dos serviços sociais e da medicina, eliminará a soberania nacional, limitará os direitos democráticos e acelerará a dissolução da identidade cultural brasileira. “A luta contra a ALCA é a luta pelo nosso futuro comum. Lutemos todos juntos”, conclama o artigo.

Nascida em 1990, quando o então presidente dos EUA, George Bush (pai do atual), anunciou sua “Iniciativa para as Américas”, a ALCA começou a ganhar contornos concretos em 1994. Naquele ano, na cidade de Miami, a Cúpula de Chefes de Estado das Américas, que reuniu 34 países do continente (a única exceção foi Cuba, não convidada), aprovou um plano de ação que previa a criação de uma área de livre comércio que uniria o norte do Canadá e o Alasca ao sul da Argentina, passando pela América Central e Caribe. Estavam lançados os princípios que fundamentariam a criação da ALCA – e que, segundo o acordo, deverá entrar em vigor no ano de 2005.

Desde então, as negociações se intensificaram, reunindo sempre as elites, os empresários e os círculos restritos do poder de cada país. As populações e os movimentos sociais foram colocados à margem de qualquer discussão. Trata-se de um processo, portanto, autoritário e constituído de cima para baixo. A principal esfera de negociação da ALCA é formada pelos chefes de Estado e de governo; logo abaixo dela vem uma segunda instância, que agrega os ministros de comércio. Por fim, há nove grupos de negociação, que abrangem temas como acesso a mercados, investimentos, serviços, compras governamentais, soluções de controvérsias, agricultura, direitos de propriedade intelectual, subsídios e políticas de concorrência. Um rápido olhar pelos temas que agregam esses grupos nos dá a exata dimensão da filosofia e dos interesses que movem a criação da ALCA. Não há qualquer menção ou preocupação com as políticas públicas e sociais e com o ser humano. A ênfase exclusiva está na acumulação de capitais e nos lucros possíveis.

À medida que as negociações se intensificaram, cresceram também as manifestações de oposição à ALCA, hoje já articuladas em nível continental. “Com os questionamentos e contradições que cada vez mais se apresentam ao modelo neoliberal e o crescimento das mobilizações contrárias a ele, não é nenhuma utopia a possibilidade de a ALCA ser derrotada e de que os países americanos comecem a trabalhar por outros modelos de integração e comércio externo, ajustados a um processo de desenvolvimento que combine os interesses nacionais com a realidade de um mundo mais integrado devido ao progresso dos meios de comunicação, de informação e de transportes”, afirmam Jakobsen e Martins.

“Quem disse que a ALCA é o destino natural e irrevogável de todos os países americanos?”, desafia e pergunta Luis Fernando Novoa Garzon, sociólogo, professor universitário e membro da ATTAC-Brasil – Ação pela Taxação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos, uma das entidades organizadora do Fórum Social Mundial de Porto Alegre.

Não por acaso, portanto, Garzon é o nosso entrevistado desta quinzena. Crítico ácido e ferrenho da ALCA, ele não tem papas na língua e coloca o dedo em várias feridas. “A ALCA aprofunda a contradição entre o centro e a periferia e a recoloca em termos ainda mais hierárquicos”, diz. Suas análises procuram refletir sobre os papéis que países como o Brasil, a Argentina, o Chile, o México e a Venezuela podem cumprir diante desse processo assimétrico de integração. Além disso, ele avalia também o espaço ocupado pela União Européia e pela China e as relações que guardam com a ALCA. Apesar de traçar um quadro bastante complexo e muitas vezes sombrio, ele não perde as esperanças: “Não há o que temer. Carregamos conosco as melhores energias da humanidade, o melhor da memória e do imaginário coletivo para compormos uma outra história e um outro mundo”.

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