Estudantes de Paris lideram série de manifestações contra a Lei do Primeiro Emprego
Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Cruzando a rua Fauborg du Temple, um dos principais acessos para a Place de la Republique, em Paris, na França, um milhão e meio de franceses, segundo dados oficiais da polícia francesa, carregam bandeiras e gritam palavras de ordem contra a política econômica e social do primeiro-ministro Dominique de Villepin. Os estudantes lideram o movimento, que se opõe especificamente à implantação da Lei do Primeiro Emprego – instrumento que flexibiliza os contratos de trabalho para jovens até 26 anos, retirando deles uma série de direitos e permitindo inclusive que sejam demitidos sem justa causa. Sindicalistas, trabalhadores e militantes de partidos políticos e de organizações não-governamentais também participam dos protestos, engrossando o coro dos insatisfeitos. É verdade que as primeiras passeatas, ainda tímidas, juntaram apenas algumas dezenas de milhares de pessoas. Mas rapidamente a indignação, estimulada pela intransigência do governo francês, não disposto a negociar, espalhou-se como rastilho de pólvora, e as marchas começaram a reunir um número cada vez maior de cidadãos. Com o acirramento dos ânimos, junto com o crescimento no número de manifestantes começaram a aparecer também carros destruídos, vitrines quebradas, bens públicos depredados. A polícia passa a reprimir o movimento. E, quanto mais reação policial havia, maior era a força do protesto seguinte.
O argumento apresentado pelo governo para defender a nova lei não convence os manifestantes: o presidente Jaques Chirac afirma que está respondendo ao desemprego crescente e se apóia nas revoltas acontecidas no final do ano passado, na periferia de Paris, quando os jovens descendentes de imigrantes reclamavam da falta de acesso ao mercado de trabalho, para tentar resolver um dos principais problemas sociais da França. O que os jovens franceses temem é que essa flexibilização signifique a precarização das relações de trabalho – e acabe gerando ainda mais desemprego. Suspeitam ainda que poderá ser apenas a primeira medida de um verdadeiro desmanche da legislação de proteção social. A resposta foi imediata. E, com as barricadas e as marchas diárias de protesto, acabam sendo inevitáveis as comparações com o famoso Maio de 1968, quando a capital francesa também foi tomada de assalto pelos estudantes.
É verdade que, mesmo com os 38 anos de distância, ainda é possível traçar alguns paralelos entre os dois movimentos. O Maio Francês também começou com um levante estudantil e acabou por agregar – espontaneamente – outros grupos sociais. Não havia uma liderança formal costurando as alianças. Hoje, como há quase 40 anos, jovens organizados saíram às ruas e, aos poucos, foram ganhando adesões. Em 1968, a França aparecia como uma vitrine política potencializada do que acontecia em diversas partes do mundo. Enquanto os franceses exigiam mais liberdade, lutavam contra o rígido sistema universitário do país e se colocavam contra a Guerra da Argélia, nos Estados Unidos os jovens se opunham à Guerra do Vietnã e ao racismo e passavam a ouvir com atenção os sonhos de Martin Luther King. Por toda a Europa também pipocam outros levantes, como na antiga Tchecoslováquia, onde acontece a Primavera de Praga, um grande levante popular contra a invasão de tropas soviéticas. O Brasil também fez parte do “ano que não terminou” --, como mais tarde o jornalista e escritor Zuenir Ventura definiria 1968: estudantes resistem à ditadura militar e protestam contra a reforma universitária defendida pelo Ministério da Educação e Cultura, que privilegiava o modelo norte-americano de educação e sua concepção privatista e tecnicista.
Nesse sentido, o Maio de 68 francês seria algo muito parecido com o que acontece hoje, segundo alguns especialistas. Para a escritora Viviane Forrester – autora de O Horror Econômico (Editora da Unesp) –, “as manifestações que reuniram milhões de pessoas contra o Contrato do Primeiro Emprego representam uma reação enérgica dos jovens, e também dos menos jovens, contra a ideologia política do liberalismo como um fato consumado (...) Determinaram que até os 26 anos você pode ser demitido sem motivo, pode ser tratado como cachorro. Isso não deu para suportar”.
Por outro lado, não há como negar que há algumas diferenças importantes entre os dois movimentos. Para Daniel Cohn-Bendit, o Dany, le Rouge, líder dos protestos franceses em 1968, os estudantes daquele tempo não estavam protestando contra nada. As manifestações e ações eram de cunho propositivo, eles eram a favor de um mundo mais livre, menos conservador. Ainda segundo Bendit, os revoltosos de 2006 – ao contrário – são conservadores, ou seja, estão lutando contra as mudanças e pela manutenção do que a foi a França em um passado recente.
Para compreender com mais detalhes o que se passa na França e suas possíveis repercussões em outros países, o SINPRO-SP conversou com o professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Dario Ribeiro. Segundo o especialista, o que os franceses estão fazendo é reagir ao desmonte do Estado de Bem-Estar Social e resistir à implantação das políticas neoliberais. Para ele, esse descontentamento parece estar se manifestando em outras regiões do planeta, mesmo que ainda de maneira mais sutil. Os melhores trechos dessa entrevista você pode ler clicando no link abaixo.