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Ocupações e ocupações

O gesto intempestivo de Morales me lembrou outro. Que não foi intempestivo, mas cuidadosamente planejado. Em maio de 1995, Fernando Henrique Cardoso mandou o Exército ocupar 53 campos produtores, dutos e refinarias no país, diante da greve dos petroleiros.

Flávio Aguiar

Pañuelo de tres colores,
Bolivia en mi corazón!

Eduardo Falu, na canção “Rosa de Unduavi”.

Não, não, cara leitora, caro leitor, o assunto principal da abertura da semana não é o caso de Silvio Pereira, que deu entrevista e depois depredou o próprio apartamento, embora esta situação difícil mereça a nossa atenção e o nosso respeito, além de encaminhamento clínico. Mas como as oposições precisam de “fatos”, provavelmente a sua exposição indevida vai continuar.

O assunto principal continua a ser o tema do gás, que a imprensa conservadora tenta continuamente alimentar como crise entre a Bolívia e o Brasil, ou como crítica à política externa brasileira. Ou fica ainda cobrando o que seria, na prática, o esmagamento do país mais pobre da América do Sul.

Houve compreensivo artigo sobre a situação publicado pelo prof. Francisco Teixeira, colaborador assíduo da “Carta Maior”, na “Folha de S. Paulo” do sábado, 6 de maio de 2006, na pág. 3.

Ficam claras as motivações do presidente Evo Morales. Pressionado por uma esquerda ativíssima no altiplano, e por uma direita virulenta nas terras baixas de Santa Cruz, Evo optou por uma manifestação dramática, que acaudilhasse a primeira e neutralizasse a segunda, em função da próxima eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte.

Isso explica as atitudes militares de Morales; não as justifica. Ainda que a nacionalização das reservas petrolíferas e o gás conexo, com a revisão dos contratos que são contrários aos interesses do povo boliviano, seja plenamente justificável.

O correto seria chamar o embaixador brasileiro na manhã do dia da nacionalização e comunicar-lhe o fato que iria ocorrer, mencionando que tropas iriam para o local a fim de garantir tanto o cumprimento da determinação, quanto a segurança de todos. Ou ainda ligar para o presidente Lula, comunicando o que aconteceria. Afinal, não era uma declaração de guerra.

Mas enfim não foi isso que aconteceu. Para garantir os direitos de seu povo a um contrato justo sobre as reservas petrolíferas e derivados, Evo mandou as tropas para as refinarias, provocando a ira dos conservadores no Brasil e uma certa perplexidade generalizada.

Confesso que me senti orgulhoso com a reação do governo brasileiro. Não cedeu perante as investidas arrogantes dos jornalistas e políticos conservadores que, de joelhos perante a política neoliberal emanada dos países mais ricos, exigiram que o Brasil pusesse de joelhos o pobre e sofrido povo boliviano e seu primeiro governo independente em muitos e muitos anos.

Ao contrário, preferiu negociar de igual para igual. E ao contrário do que foi insistentemente alardeado na mesma imprensa, que quer ver fracasso em tudo o que Lula faz, o encontro dos quatro presidentes em Puerto Iguazú foi um sucesso. Imaginem: reclamaram porque da reunião não saiu um preço do gás! Isso é coisa de quem gostaria de ter “um gerente” na presidência! Da reunião saiu o fundamental: a garantia de que o abastecimento do Brasil e da Argentina seria mantido, de que, portanto, a Bolívia teria mercado, e de que a solução seria negociada.

O gesto intempestivo de Morales me lembrou outro. Que não foi intempestivo; foi cuidadosamente planejado. Em maio de 1995, em seu primeiro governo, Fernando Henrique Cardoso mandou o Exército ocupar 53 campos produtores, dutos e refinarias no país, diante da greve dos trabalhadores petroleiros. A greve durou 23 dias. O resultado da ocupação militar dura até hoje. FHC pôs a Petrobrás de joelhos diante da “necessária” globalização conservadora que seu governo defendia. E fez mais. Dizia o jornalista Marcelo Pontes, do JB:

“A verdadeira batalha por trás da greve é do monopólio da Petrobrás. Grevistas e governo agiram em função desta bandeira. O governo atuou de dois modos: enquanto sufocava a greve, com todos os seus recursos, inclusive com a ocupação das refinarias por tropas do Exército, fechava acordo com os parlamentares ruralistas, uma bancada de 140 votos no Congresso, para votar na próxima semana a quebra do monopólio da Petrobrás”.

Na seqüência, o governo de FHC usou sempre a ameaça de envio de tropas do Exército contra mobilizações de vulto dos trabalhadores. Ver detalhes em www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista, no artigo “Globalização e Forças Armadas”, de João Roberto Martins Filho.

E quem quiser saber em detalhe da verdadeira campanha movida por FHC em detrimento da capacidade de atuação da Petrobrás e em favor das distribuidoras estrangeiras no Brasil, deve consultar o sítio do jornalista gaúcho radicado no Rio, colaborador do grande Pasquim, Fausto Wolff: http://olobo.net/index.php, com informações de Hélio Fernandes.

Só gosto de ver tropa na rua no desfile do 7 de setembro, ou coisas parecidas. Não gosto de presidentes militarizados. Lembro, na época, em 1995, de uma capa de semanário, com FHC “vestido” de pára-quedista, com capacete e tudo. Era o herói do neoliberalismo nacional contra os trabalhadores, como Margareth Thatcher fora do europeu, contra os mineiros do carvão na Inglaterra.

A campanha militar contra os petroleiros foi a queda de braço simbólica entre o novo presidente e os trabalhadores, naquela época. FHC e sua direita venceram. Foi uma derrota histórica para a classe trabalhadora. E como soe acontecer, para onde se inclina o Brasil, se inclinam a América do Sul e a América Latina, de que ele é, respectivamente, metade e um terço. Como aconteceu em 1964, com o golpe militar.

Evo exagerou no estilo. O governo Lula acertou em cheio, não enveredando pela truculência xenófoba disfarçada de nacionalismo, reclamada pelos súbitos neófitos dos “interesses nacionais”, preferindo o caminho da negociação soberana.

Não aprovo ocupações militares intempestivas. Mas diante das duas, as de FHC e de Morales, fico com a do presidente boliviano, que foi a favor de seu povo, e não contra os trabalhadores.

Agora se alardeia uma possível crise de abastecimento no futuro. E espero que a solução se dê sem tropas nem novos desfiles militares, mesmo que povoem apenas os discursos. A Petrobrás comprou durante anos o gás boliviano por um preço abaixo dos praticados em outros mercados. É certo que deveria ter uma compensação pelo investimento e transferência de tecnologia. Mas, além disso, a porcentagem deixada para os bolivianos provou-se inadequada para satisfazer as necessidades do país, e deveria mesmo ser renegociada. Quem imaginou que jamais se chegaria a uma tal situação só pode pensar mesmo que “índio” não foi feito para levantar a cabeça. Pelo menos depois de 1492 da era, digamos, cristã.

Professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior. Artigo originalmente publicado na Agência Carta Maior

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