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Entrevista com Sílvio Gallo, professor da Faculdade de Educação da UNICAMP

Começando pelas origens. Como surgiu a idéia de produzir e lançar o DVD?
Há muito tempo que se discute a inserção da Filosofia no ensino médio. Houve uma onda forte nesse sentido no início dos anos 1980, que acabou resultando em uma legislação que estabelecia a disciplina como optativa. Com esse novo cenário, o movimento acabou arrefecendo, e voltou a se intensificar com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB, em 1996. O debate que se colocou então foi se a disciplina deveria se tornar obrigatória ou se seu conteúdo poderia estar disperso e contemplado por outras matérias. No caso específico da Filosofia, procuramos nos organizar e realizamos uma série de eventos acadêmicos e de seminários. No final de 2000, na cidade de Piracicaba, no interior de São Paulo, realizamos o Congresso Brasileiro de Professores de Filosofia, que deliberou que cada região do país deveria aprofundar essa discussão. Há pouco tempo, tivemos finalmente o parecer do Conselho Nacional de Educação, que torna Filosofia e Sociologia disciplinas obrigatórias na grade curricular do ensino médio. E é justamente nesse sentido que todo esse debate teórico e metodológico nos auxilia. Não adianta apenas garantir legalmente, se não for possível de fato garantir um ensino de qualidade. O importante é ter uma boa produção. O DVD vem nessa direção e aparece como mais uma contribuição. A idéia original era produzir um programa, mas, quando terminamos o roteiro prévio, percebemos que estava muito amplo. A partir dele, fizemos as gravações, e acabaram sendo editados quatro programas, que estão no DVD.

E qual é, em linhas gerais, o conteúdo de cada um dos quatro programas?
Partimos da premissa que trabalha o ensino de Filosofia como uma experiência filosófica. Não nos importa tanto o conteúdo. Nossa intenção não era discutir o conteúdo mínimo e fechado das aulas, quais assuntos ou temas deveriam aparecer. Acreditamos que a disciplina se justifica se proporcionar ao estudante a oportunidade da experiência e de pensar filosoficamente. Claro que isso só é possível a partir de conteúdos, mas estes devem ser construídos a partir da experiência. Assim, no primeiro bloco ou programa, temos uma discussão geral sobre o ensino de Filosofia no país. Ou seja, começamos pelo que não deve ser, reagindo a alguns dogmas. Negamos também a referência de que a estrutura deveria se organizar a partir de temas. Essa organização deve acontecer a partir de problemas filosóficos. Temas e a história entram como apoio para esses problemas. No segundo bloco, trabalhamos uma proposta mais teórica e afirmativa em relação ao ensino. Nos dois programas finais, aparecem discussões sobre metodologia, didática e métodos pedagógicos. Portanto, podemos dizer que há dois programas mais teóricos e outros dois de natureza mais prática. No entanto, não devem ser encarados como compartimentos estanques. Eles estão interligados, a partir de um norte bem definido.

Pensando na realidade de sala de aula, qual a proposta didática que vocês apresentam para o ensino de Filosofia para estudantes do ensino médio?
Como disse, trabalhamos com a referência da experiência filosófica como suporte para a construção de conceitos. A partir dessa idéia, idealizamos quatro procedimentos didáticos. O primeiro diz respeito à sensibilização. É preciso chamar a atenção para um tema filosófico. Podemos usar filmes, poemas, trechos de matérias de jornais. Em seguida, estabelecemos a problematização, quando o tema escolhido se transforma em algumas questões cruciais, e o aluno deve pensar sobre elas e buscar encontrar soluções. O terceiro momento está relacionado à investigação. Vamos buscar nos textos e na história da Filosofia as ferramentas e o referencial para perseguir as soluções. Por fim, chegamos ao momento da conceituação, quando o estudante deve ser capaz de estabelecer relações e de criar conceitos.

Podemos usar um exemplo concreto para ilustrar como funciona esse passo a passo?
Vou usar um exemplo que aproveitei em uma conferência que fiz recentemente para professores da rede pública, onde discutimos como organizar um conteúdo sobre ética. A discussão mais específica dizia respeito aos fundamentos dos nossos valores, sobre como escolhemos o que vamos fazer. Eu propunha começar a sensibilização com um trecho de doze minutos do filme “Minority Report”, do Steven Spielberg, onde ele trabalha a idéia de que é possível prever e prevenir crimes, impedindo que eles aconteçam. Nesse trecho específico, a polícia aparece e chega antes de o assassino cometer sua ação criminosa. A partir disso, levantamos questões. Temos realmente condições de prever as ações? Há um determinismo associado a essa questão? O sujeito vai mesmo fazer o que se espera que ele faça? Há imprevistos? Levantamos então textos que trabalham a questão da construção dos nossos valores. Nesse caso, começamos com Aristóteles, quando fala da ética como a ciência da escolha; passamos por Kant, já no século XVIII, que afirma que a ação não é orientada para o bem, mas para o dever; e chegamos a Sartre, que diz que os valores não podem ser definidos a priore. Essas diferentes análises e perspectivas oferecem aos alunos a possibilidade de construir seus próprios conceitos.

E como fazer para qualificar o professor de Filosofia, para que ele possa cumprir com competência esse desafio de ensinar a partir de problemas?
A qualificação do professor é imprescindível. Para trabalhar dessa forma ele tem de ter uma boa formação inicial. E as universidades devem ter compromisso firmado com essa formação. Na tradição brasileira, os cursos de graduação nessas áreas são muito mais voltados para a pesquisa. São formados aqueles que dominam conhecimentos em áreas específicas do saber, mas que não necessariamente conseguem dar conta da segunda etapa, ou seja, trabalhar esses conhecimentos com alunos em sala de aula. Sim, temos bons cursos, mas não voltados para a formação do educador. Por isso, acreditamos que os cursos de graduação em Filosofia devem se reestruturar para viabilizar também essa prática docente. Na outra ponta, acreditamos em iniciativas como essa do DVD, que procura contemplar elementos de qualificação do professor.

Na outra ponta, como ensinar Filosofia para alunos que fazem parte de uma geração que faz da velocidade sua forma de vida, prefere as informações breves e que parece ter abdicado do direito de pensar?
Realmente não é fácil, mas precisamos forçar a experiência. Eu costumo dizer que a Filosofia em certo sentido é uma forma de resistência a essa cultura da fragmentação, da velocidade, do consumo, pois ele exige exercício de pensamento, rigor, tempo, paciência. Mas ela só estabelecerá essa resistência se permitirmos que o estudante trabalhe essa experiência filosófica. O mais importante é ele conseguir experimentar esse pensamento. E o espaço de sala de aula é um momento privilegiado para isso. E acredito que nós também só podemos estabelecer essa resistência se assimilarmos bem essa cultura. Não pode ser uma atitude exclusivista, apartada, que negue essa cultura. É preciso aproveitar de forma subversiva e contra-hegemônica os recursos dessa sociedade da imagem, não para virar refém dela, mas para partir de algo mais próximo dos estudantes e poder puxá-los para um outro tipo de experiência. Podemos e devemos dialogar criticamente com essa cultura imediatista, até para que seja possível desconstruí-la com mais competência.

E as escolas? Estão de fato preparadas e dispostas a abrir espaço para essas propostas pedagógicas?
Olha, esse desembarque da Filosofia ao ensino médio não está mesmo sendo muito tranqüilo. Temos uma situação complicada. Em meados do ano passado, o Conselho Nacional de Educação tornou a disciplina obrigatória na grade curricular e deu prazo de um ano para as escolas promoverem as devidas adaptações e incorporação. Mas é importante lembrar que essas escolas não se organizam semestralmente, mas sim organizam anualmente e, para que a mudança pudesse acontecer em agosto próximo, deveria já ter sido encaminhada no início deste ano letivo de 2007. Situações como essa deram argumentos para o Conselho Estadual de Educação dizer que não seria então necessário cumprir a determinação do CNE em 2007. Entramos então em uma boa disputa de interpretações, competências e sobre quem deve legislar. Na minha opinião, o prazo definido pelo CNE não foi o mais adequado, pois há mesmo algumas dificuldades para fazer essa implantação. E, se ela for feita de afogadilho, simplesmente para dar conta do aspecto legal, o tiro pode sair pela culatra, e os resultados não serão os desejados. A rede pública estadual, por exemplo, é muito ampla, são aproximadamente seis mil escolas, e a realidade é muito diversificada. Há os grandes centros e as instituições isoladas em pequenos municípios. É difícil conseguir uma unidade. Nas particulares, é preciso lembrar que muitas escolas já tinham a tradição do ensino de Filosofia, independentemente da legislação. Para elas, não é novidade alguma. No entanto, outras estão se deparando com algo absolutamente novo. Portanto, há disparidades e dificuldades nas duas instâncias, que precisam ser trabalhadas e superadas, para que a chegada da Filosofia ao ensino médio possa representar efetiva contribuição à formação crítica e cidadã dos alunos.

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