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Entrevista com a educadora Marli de Oliveira

Por que ensinar História usando outros recursos, especialmente a música brasileira?
É possível sim ensinar história sem usar nenhuma outra linguagem, mas desde 1929, com a História Nova, os historiadores entenderam que tudo é documento histórico. Tudo é fonte. É possível estudar a história de um povo ou de um lugar sem se basear apenas na versão doa vencedores e das classes dominantes. E aí, para tornar a experiência mais agradável, a gente pode casar história e música, história e filme, história e quadrinhos e por aí vai. O importante é tornar o contato com a disciplina mais agradável, mais gostoso.

E por que música especificamente?
Primeiro porque eu gosto e sempre gostei de música. E trabalhar com algo que se gosta é sempre mais legal, mais gostoso. Segundo, porque o Brasil é um país muito musical. O povo brasileiro, que é o personagem principal da nossa história, é um povo cheio de musicalidade. E tem mais uma coisa. Ensinar com música, ou através da música, é uma coisa antiga. Os gregos já faziam isso. Os jesuítas, quando queriam atrair as crianças, usavam a música. E aí, de uma maneira ou de outra, eu acabo fazendo um resgate da Educação, das formas de educar.

A música causa mesmo essa fascinação, essa atração.
É. A música aproxima as pessoas, provoca de imediato uma sensação de pertencimento, de grupo. Isso é muito atraente. E, por isso mesmo, derruba possíveis barreiras para o aprendizado, defendendo o que Paulo Freire colocava que é a socialização do conhecimento aconteça. Uma outra razão é que o projeto contempla três linhas de aprendizagem. Ou seja, a educação precisa se dar no nível cognitivo, de acordo com Piaget (eu ouço e entendo o que está sendo cantado naquela música); no nível afetivo, para Whalum (eu sinto, me emociono, ou me identifico com o que está sendo cantado); e no nível social, como dizia Vygotsky (música remete a um tempo, a um grupo, a uma tribo) e só havendo a integração desses três níveis é que o aprendizado acontece e a música possibilita tudo isso.

A música se transforma num instrumento para aprender história.
Exatamente. Da maneira como eu faço com os alunos na sala de aula sim. Primeiro vem o conteúdo formal. Ou seja, a matéria curricular é dada normalmente. Aí, depois que eles já têm esse conhecimento, aí entra a música como uma ferramenta a mais para a fixação daquele conteúdo. E uma fixação agradável, lúdica.

Como é o trabalho em si com a música? Depois que eles já tiveram os conteúdos formais?
Bem, depois que eles estão craques no assunto, peço para pesquisarem, para perguntarem aos pais e aos avós sobre músicas que tenham a ver com aquele assunto. A MPB é muito rica e variada nesse sentido, então normalmente eles encontram referências. Aí os alunos trazem essas músicas para a sala de aula e aí a gente começa a estudar a letra, o vocabulário, cada palavra, cada expressão. Eu contextualizo a canção no tempo, falo sobre o autor, sobre a época, sobre os intuitos da música. E a ponte entre música e história, ou seja, os significados para o conteúdo histórico começam a aparecer.

São os alunos que levam as músicas?
Na primeira etapa sim. Veja, primeiro eu dou a matéria. Aí eles trazem as músicas deles e eu recebo e acolho essas referências. O que eu já ouvi de rap, de Rappa, de pagode romântico... Já vou explicar porque isso é importante. Aí vem a última etapa. Eu trago a minha música. E o processo de entender e interpretar a música é repetido, mas com a canção que eu trouxe. É aí que a gente ouve a música e todo mundo canta junto.

É animado, é divertido?
É muito divertido, é uma festa. Os meninos cantam mesmo, se emocionam. Essa semana foi o Dia do Índio, dia 19 de abril, e passamos mais de um mês inteiro estudando que essa terra tinha dono, eram três milhões de índios que foram solenemente ignorados e desrespeitados. Aí fechei o assunto, claro, com Jorge Ben Jor, “Todo dia era dia de índio”, bem conhecida na voz da Baby do Brasil. E foi uma farra. Eles se empolgam e cantam junto. Isso é envolvimento, é afetividade. Está na cara que aqueles meninos desenvolveram uma sensibilidade ao tema. E esse é o objetivo.

Chegamos então à etapa final...
Aí vem a fase final. Com os materiais cedidos pela escola, revistas, jornais, canetinha, cola, papel, cartolina, eles montam cartazes reescrevendo aquilo tudo que aprenderam através de imagens e textos. Aí chegamos ao final do processo, quando o aluno passa a ter para si, em todos os níveis de educação, um determinado conhecimento. Ele conhece o conteúdo, conhece a troca, conhece outras músicas, conhece o envolvimento e passa a ter para si aquele aprendizado. Agora ninguém tira isso dele.

Por que a senhora fala em troca? Tem a ver com o fato de os alunos levarem a música deles de casa?
Ah sim, isso é o importante que eu tinha falado antes. Eles trazerem a música deles e eu acolher isso, cantar junto, aprender a letra e vibrar junto com eles é uma maneira de eles se sentirem respeitados. E isso é muito motivador. Aí quando eu proponho a minha música, os alunos se sentem com vontade de acolher e respeitar também. Aí estamos todos exercitando o respeito às diferenças. E isso é muito importante. É importante para que tudo que é ensinado tenha sentido. É importante porque adquirir conhecimento passa a ser um exercício de tolerância e não de imposição.

Um dos pontos interessantes do seu curso é que a senhora consegue fugir das músicas de protesto, tão usadas para ensinar o período da ditadura. Por que essa escolha?
Então, as músicas engajadas, de protesto caíram numa espécie de lugar comum. Todo mundo fala e comenta, como se só as canções daquele tempo trouxessem mensagens, críticas, segredos a serem revelados. Não é verdade. A música brasileira é muito maior que os anos 1960, 1970 e 1980.

Mas o conceito de MPB remete diretamente aos anos 1960, não?
É e por isso mesmo é um termo muito polêmico. Eu questiono muito a palavra popular na expressão Música Popular Brasileira. A MPB é um patrimônio cultural e deve chegar ao conhecimento das novas gerações. O que normalmente se enxerga como uma música de elite, eu proponho que seja conhecida como verdadeiramente popular, para que o aluno se aproprie desse patrimônio que representa a Cultura brasileira. Paulo Freire, quando foi secretário de Educação do governo Luiza Erundina, falava que desejava uma escola pública e popular. Por isso a gente tem que tomar cuidado com essas expressões. O termo MPB surgiu na época dos festivais, para designar uma música muito elitizada. Naquele momento dividiam a música brasileira em música engajada, que era feita pela elite universitária, normalmente de classe média alta, e Jovem Guarda, que era tida como alienada, burguesa e feita por pessoas que falavam de amor, festa e carro. Eu entendo música popular brasileira como a música que é feita pelo povo do Brasil. Aí a gente chega ao tempo de Brasil Colônia e temos canções para todas as fases e acontecimentos da história do Brasil. Não tem um buraco.

É um trabalho de pesquisa e resgate.
É um resgate sim, claro. Eu procuro nesse trabalho resgatar o eixo entre História e Música, que já falei antes, resgatar a aproximação entre as gerações e resgatar a música mesmo, a música do negro, do índio, da mulher...

Como fica esse encontro de gerações? Os alunos reencontram histórias de família? Acabam resgatando o passado?
É um processo muito bonito que acontece. Eles quando chegam nas famílias para trazer as músicas que falam daquele assunto, se deparam com um universo musical às vezes desconhecido e acabam encontrando casos de família. E o mais engraçado é que meus alunos nasceram em 1994, 1995, então Cazuza, ou Legião Urbana – que faziam música para jovens, declaradamente – hoje são música dos pais. Essa noção de tempo é muito bonita de ser criada e de ser entendida pelo professor. A bagagem do professor é importante, mas não é a única. E isso é muito valoroso, essa troca em sala de aula e nas famílias também. E até os pais se envolvem, vêm comentar. É um resgate da história pessoal e da história de um país.

Os alunos também passam a ter vontade de compor?
Não é o objetivo, mas já aconteceu. Incentiva a criação, a pesquisa, a experimentação. Então às vezes aparece uma promessa de Pixinguinha, de Catulo da Paixão Cearense, de Adoniran Barbosa. (risos).

E o curso que a senhora vai ministrar no SINPRO-SP em agosto? Qual é a idéia?
Bem, eu desenvolvi uma metodologia, um método de trabalho e o que eu mais quero é que as pessoas conheçam esse método. Não para se tornarem Marlis de Oliveira, mas para que conheçam, apreciem ou não, e se sintam motivadas a criar suas estratégias também. Tem muitos professores que já usam música, ou que têm vontade de usar ferramentas diferentes. O curso é uma troca de experiências, uma socialização da metodologia, que mostra que outras formas de ensinar – interessantes e eficientes – podem existir.

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