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Celso Favaretto fala sobre o movimento Tropicalista

Como há muitas e diferentes leituras e interpretações, começamos pelos conceitos... Como o senhor explica e define o Tropicalismo?
Esse termo tropicalismo especifica um movimento artístico que teve início com a apresentação de Caetano Veloso, com a música “Alegria Alegria”, e de Gilberto Gil, com “Domingo no Parque”, no Festival da Record, em 1967. A apresentação das músicas causou espanto, porque eram diferentes de tudo que já se tinha visto no Brasil. Elas eram de vanguarda, cheias de componentes novos. E esses mesmos componentes começaram a ser vistos também nas artes plásticas, no cinema, na literatura e na música que foi feita a partir dali. O nome Tropicalismo vem de uma obra do artista plástico Hélio Oiticica, um ambiente – naquele tempo chamavam de ambiente, hoje chamam de instalação – chamado Tropicália. Aí, os jornalistas e críticos de arte que escreviam nos jornais começaram a ver uma relação entre a obra de Oiticica, os elementos ali representados, e a música dos compositores baianos e aí começaram a chamar essa arte que trazia algo de parecido de tropicalista, de Tropicalismo. Logo em seguida, no final de 1967, o cineasta Luis Carlos Barreto batizou uma música de Caetano Veloso, aquela “sobre a cabeça, os aviões, sob os meus pés os caminhões, aponta contra os chapadões meu nariz”, de Tropicália, porque ele reconheceu que tanto o ambiente quanto a canção eram parecidos, indicavam uma visão das assincronias, diversidades e defeitos do Brasil. E mostravam isso de forma irônica e exaltada. Era uma caminhada do mais arcaico para o mais moderno, mas de uma maneira tão atual, com uma luz tão atual. Na época chamavam de luz ultramoderna. O que é ultramoderno? A arte de vanguarda mesmo, baseada no Dadaísmo, no Surrealismo, no Cubismo, na arte concreta. Os tropicalistas expunham as misérias brasileiras de forma muito forte, mostravam essas incongruências do país. Eu costumo dizer que o movimento foi uma alegoria de Brasil. Falava de tudo que o Brasil podia ser, mas não era. E sem nenhum projeto de futuro. Por isso alegoria.

O senhor disse que foram os jornalistas que cunharam o termo Tropicalismo. Se não foram os próprios artistas que fundaram e nomearam o movimento, foi uma coincidência as artes estarem naquele momento refletindo as mesmas idéias, ou o assunto estava mesmo no ar?
Não, não foi uma coincidência. E aliás isso é muito importante para se entender a história e a cultura do país. Desde o final de 1964, a classe artística e os intelectuais estavam muito indignados com as restrições às liberdades que estávamos passando no Brasil. Desde meados da década de 1960 o Brasil vinha passando por um processo de modernização. Nas comunicações, a TV estava a pleno vapor, e os outros meios de comunicação também estavam se modernizando. O mercado editorial estava crescendo e a vida intelectual e universitária vinha num amadurecimento importante. Ou seja, o Brasil estava deixando de ser um país separado para ter contato com as culturas de todo o mundo.

E nesse cenário as reflexões a respeito do Brasil crescem.
Exatamente. A Indignação que falei se torna relevante na vida intelectual e essa preocupação com o contraste entre arcaico e moderno ganha o cinema – com Glauber Rocha em “Terra em Transe”, Rogério Sganzerla e Júlio Bressane; no teatro – com Zé Celso Martinez Corrêa em “O Rei da Vela”; nas artes plásticas, na literatura – com José Agrippino de Paula em “Panamérica”; e na MPB, com Caetano, Gil, os baianos todos, depois Nara Leão, Rogério Duprat, Torquato Neto.

A questão do arcaísmo e da modernidade convivendo juntos pairava no ar?
Estava em circulação nacional. A realidade brasileira tentava entender esses diversos tempos simultâneos. A música de protesto também falava disso, mas de uma maneira até melancólica. O Tropicalismo não, eles falavam de forma produtiva, crítica sim, mas abrindo espaço para a produção que vinha a seguir.

Foi um momento único na história nacional?
Ah foi! Nunca antes e nunca mais aconteceu nada parecido. E costumo dizer que do jeito que foi, dificilmente acontecerá algo similar. Porque, veja, não é uma questão de modernidade nas artes apenas. É uma modernidade que soube explorar um momento ambíguo, dramático, tenso. Nunca mais vimos nada assim. Veja a política. Naquele momento a política era algo tenso, dialético, hoje não. Hoje a política deixou de ser uma tensão para virar a administração, uma gestão. A administração liberal tomou conta de tudo e não permite mais que se entenda a política como um embate. Agora, o Tropicalismo, embora não tenha tido novas experiências, deixou marcas profundas e presentes até hoje.

O forte do movimento durou um ano e meio ou pouco mais, mas foi o suficiente para propor muita coisa nova...
Eles fizeram uma intervenção rápida, precisa e violenta. Eu chamo isso de método de intervenção. No final de 1968, o AI5 calou a produção crítica violentamente. Mas na verdade, antes disso, Caetano e Gil já estavam pensando em sair do Brasil. Não só por causa da repressão, mas porque tinham a sensação de que o recado que tinham que passar já estava dado. Eles eram e são muito inteligentes para saber que a produção cultural média, no sentido de o que é transmitido pela mídia, pelos meios de comunicação, tem uma diluição rápida. Então tudo aquilo que elas queriam falar, eles falaram de forma rápida e violenta, antes que se diluísse. E foi o que aconteceu.

Mas a mídia que dilui é a mesma que divulga...
Exatamente e por isso as repercussões não foram apenas profundas, tiveram longo alcance também. O alcance se deve à mídia mesmo. Mas a profundidade se deve à inteligência e à ruptura que o movimento propunha. A música foi o vetor de tudo isso, porque tem mais visibilidade, mas era uma reflexão, como já disse, que estava em vários âmbitos.

O recado divulgado era apenas cultural? Ou a gente pode dizer que o Tropicalismo foi também um movimento político? Gil e Caetano foram exilados porque incomodavam a ditadura vigente.
O Tropicalismo não era um movimento político. Era artístico, mas com dimensões políticas por conta das críticas e das reflexões que fazia. Gil e Caetano saíram do país porque estavam sufocados, ficaram em prisão domiciliar em Salvador, tinham que se apresentar diariamente na delegacia. Eles estavam sem ar aqui. E eles causavam incômodo na ditadura, porque embora fosse uma música de massa, para ser transmitida pela mídia, não era nada inocente. Eles criticavam o sistema político, os militares e as elites de maneira radical, de um jeito que não foi feito antes e nem foi feito depois. Tinha claro uma inovação artística mesmo, na estética das músicas, mas também inovava – e aí todos os tropicalistas faziam muito bem – no jeito de representar o político nas artes. E, nesse ponto, os militares não se enganaram. Veja, a juventude que estava nas ruas, protestando, querendo derrubar o governo, aos poucos foi percebendo que o caminho proposto pelos tropicalistas era uma indicação de qual era o caminho a seguir.

Mas eles foram vaiados por essa mesma juventude.
A crítica oficial não gostava muito da música tropicalista, um pouco pelas guitarras e a estética violenta mesmo. E Caetano e Gil foram vaiados no Festival Internacional da Canção, no teatro Tuca, em São Paulo, em 1968. Foram vaiados e impedidos de se apresentar. E é aí que Caetano Veloso faz aquele discurso dizendo que se aquela juventude fosse na política como era na música, estaríamos todos fritos, porque aquela era uma juventude retrógrada, reacionária. Os tropicalistas entenderam que apenas a crítica política dos discursos não bastava para mudar uma situação, então eles propõem uma mudança na linguagem. A linguagem até então era imprópria, porque era retrógrada e eles propõem algo completamente novo, que eu chamo de intervenção.

Criticam tanto a esquerda, representada ali pela juventude do Tuca, quanto a direita, na figura dos militares, da ditadura.
Isso. O Tropicalismo entendia que tanto a esquerda quanto a direita eram retrógradas e que era preciso fazer uma nova crítica dos problemas do país em termos de arte. Mas depois das vaias do Tuca os estudantes começam a olhar para o Tropicalismo de um jeito diferente...

E a herança? Quarenta anos depois, quais artistas ou que formas de expressão são fruto do Tropicalismo?
Mais do que pessoas, ou formas de expressão, é preciso entender que o Tropicalismo abriu todas as portas para as experimentações artísticas na música e nas outras artes. Eles trazem os fundamentos para que, a partir daquele momento, todas as músicas sejam brasileiras, mesmo que tenham rompido com a tradição que vem desde Noel Rosa, mesmo que misturem o eletrônico, o erudito. E isso liberou os artistas para usar suas fantasias de um modo nunca antes visto. E essa liberdade se amalgamou na arte e na música brasileiras. Foi nossa libertação. E o melhor: os tropicalistas propuseram isso de maneira absolutamente consciente e competente.

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