Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Estreou nesta sexta-feira, 05/10, nos cinemas de todo o país, Tropa de Elite. O filme do diretor José Padilha, baseado no livro Elite da Tropa, escrito por Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, deveria chegar às salas de exibição apenas em 12 de outubro, mas a data precisou ser antecipada por conta de um fato inusitado: no mês de agosto, logo depois das férias escolares, as ruas do centro do Rio de Janeiro foram tomadas por camelôs que vendiam por dez reais cópias piratas de Tropa de Elite, recém saídas da ilha de edição. Nesses últimos dois meses, as cópias se espalharam por todo o país como rastilho de pólvora, e foram inclusive organizadas sessões populares do filme, também nas calçadas cariocas, com ingressos a três reais.
De lá para cá, a narrativa tornou-se um dos assuntos mais debatidos nos meios de comunicação, nas rodas de amigos, entre especialistas e espectadores. A polícia carioca prometeu investigar a pirataria, mas não conseguiu ainda identificar os responsáveis pela façanha. Coincidência ou não, é essa mesma polícia o personagem principal do livro e do filme. Mais especificamente, um departamento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o Batalhão de Operações Especiais, mais conhecido como Bope. Na guerra instalada nos morros cariocas envolvendo traficantes e policiais, o Bope fica na linha de frente do combate e tem como missão desbaratar o tráfico, capturar os líderes criminosos e recuperar o espaço perdido pelo Estado e pelas autoridades públicas nas favelas da capital fluminense.
Nesse sentido, Tropa de Elite inova por ser o primeiro filme ficcional do Brasil a tratar da questão do tráfico a partir do ponto de vista dos policiais. O protagonista é o Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, um policial que tem família, dramas humanos e uma enorme obstinação para cumprir as ordens que lhe são dadas. A voz que narra o filme é quem traz a versão da polícia para esse cenário de guerra. Mas o fato é que Tropa de Elite tem causado acaloradas discussões não pelo seu pioneirismo, mas antes porque mostra sem nenhuma vergonha o que aquele capitão Nascimento e sua equipe fazem para cumprir as missões a eles confiadas: tratamento extremamente violento com os suspeitos, agressões e tortura, muita tortura, para arrancar confissões de quem vai preso. Mais ainda: aqueles policiais – teoricamente agentes da lei e da justiça – também têm as mãos sujas pelo dinheiro do tráfico de drogas e armas. Em outras palavras, são corrompíveis e podem ser comprados por algum dinheiro. Agora, o filme é polêmico mesmo porque suscita no público variadas respostas.
O articulista Plínio Fraga escreveu na Folha de S. Paulo que "Tropa de Elite herda do cinemão americano o roteiro esquemático, o moralismo mistificador, o cinismo utilitário, a hipocrisia social, o pensamento monolítico. Banaliza e glamouriza a tortura. Acha justificável os fins da assepsia social e seus meios aéticos. É um filme desumano e autoritário”. Em entrevista veiculada pelo portal UOL, Wagner Moura admite que “não fizemos um filme de heróis. Para mim, Tropa é uma tragédia. O capitão Nascimento é um homem dividido, cheio de conflitos. Mas tem muita gente que acha que a tolerância zero é a solução para o problema da violência e enxerga no personagem um representante dessa idéia. Essa não é a minha visão, mas pode ser a de alguém que assiste ao filme. Só que eu não sou responsável pela opinião desse cara. Nós apenas tentamos mostrar a realidade da violência pelo olhar do policial”.
Nesse debate, o consenso parece ser mesmo algo distante. “Há desde quem ache o filme fascista, porque dá voz e legitima atos ilegais praticados pela polícia como única forma de combater o tráfico”, explica a socióloga Julita Lemgruber, “até quem veja na obra um bom pretexto para uma discussão séria e apropriada, passando por aqueles que aplaudem de pé as cenas de tortura. Tem de tudo”, completa a especialista, também professora e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Ainda na véspera da estréia oficial do filme, ela – que obviamente já havia assistido à trama – conversou com o site do Sindicato dos Professores e analisou algumas das discussões suscitadas por Tropa de Elite.
Leia a entrevista.