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Especialista analisa a questão

Francisco Bicudo e Elisa Marconi

No início do ano, logo após a libertação de duas reféns pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o presidente venezuelano Hugo Chávez, que intermediou as negociações, sugeriu que a guerrilha colombiana deixasse de ser internacionalmente classificada como um grupo terrorista e passasse a ser considerada um movimento de emancipação. Se, por um lado, o pedido provocou contundentes e imediatas reações contrárias da maior parte da comunidade internacional, que rechaçou a idéia, trouxe também novamente à tona o debate a respeito de uma questão crucial para os tempos modernos e sobre a qual ainda não há consenso: afinal, o que é o terrorismo e quais suas manifestações e características contemporâneas?

Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e estudioso do tema há quase vinte anos, Héctor Luis Saint-Pierre afirma que se trata de um ato de violência que atua fundamentalmente sobre o universo psicológico, pois tem como principal objetivo disseminar a destruição e, mais do que isso, a sensação de medo e de pânico. Mas o especialista adverte: não é nada fácil trabalhar com esses conceitos. As águas são muito mais tormentosas do que se imagina. Não raro, grupos que são agredidos e agem em legítima defesa são criminalizados e genericamente chamados de ‘terroristas’, e a expressão acaba sendo banalizada e distorcida. “As definições em geral são cunhadas por aqueles que têm o poder e que portanto estabelecem essas construções em função de seus próprios interesses. Na década de 1960, os movimentos revolucionários que se levantaram contra as ditaduras militares latino-americanas eram chamados de terroristas. Foi uma forma inclusive de tentar justificar práticas inaceitáveis como a tortura”, explica.

Preocupado com o rigor conceitual e caminhando nesse terreno pantanoso, Saint-Pierre tem o cuidado de diferenciar ato terrorista de grupo terrorista – mesmo sabendo das polêmicas que essa distinção pode suscitar. “Ato terrorista é aquele cometido por qualquer grupo armado e que na essência pretende espalhar o medo entre o inimigo e diminuir sua capacidade de reação”, reforça. No entanto, ele avalia que há situações em que tais atos representam a defesa possível e são patrocinados por organizações que lutam por causas legítimas e que encontram na resistência a única forma de reagir contra arbitrariedades e imposições autoritárias. “São grupos combatentes que empregam o terror”, diz. Segundo o professor, esse é o caso do Iraque, invadido pelos Estados Unidos sem a autorização do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), e onde proliferam as manifestações armadas que rejeitam essa ocupação. “São grupos guerrilheiros chamados de terroristas, mas que na verdade procuram resistir e fazer oposição à invasão. Considero essa uma guerra insurrecional, de libertação e de dissuasão pela resistência, patrocinada por um povo que não aceita aquela situação”, completa o pesquisador, que também é coordenador da área de Paz, Defesa e Segurança Internacional do curso de pós-graduação em Relações Internacionais mantido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), além da Unesp. É amparado por essas reflexões que ele não aceita a inclusão das Farc no rol dos grupos terroristas. “Vale lembrar que o próprio governo brasileiro, mesmo antes do presidente Lula, também se nega a assumir essa classificação. Essa atitude já gerou inclusive atritos com os Estados Unidos”, diz.

Sempre antenados com o rigor conceitual, e com intuito de atualizar o debate, é comum ouvir especialistas no tema se referirem ao fenômeno como neoterrorismo. Faz sentido: apesar de manter-se fiel a alguns de seus elementos originais e fundadores, a prática se renova e agora articula outras tantas facetas novas, ultrapassando as fronteiras nacionais e ganhando dimensão global. Seu alvo não é mais um governo ou uma estrutura de poder estatal, mas a própria ordem mundial. Torna-se dessa maneira mais incisivo, destrutivo e ameaçador. As diferenças não terminam por aí: enquanto o chamado terrorismo clássico, patrocinado por organizações como o Exército Republicano Irlandês (IRA) ou pelo grupo Pátria Basca e Liberdade (ETA, da Espanha), tinha militares e funcionários de governo como alvos metódicos e sistemáticos, já que estes eram vistos como representantes do Estado e entendidos como inimigos definidos, o neoterrorismo é indiscriminado e aleatório – e não poupa os civis. “O propósito é atingir o maior número de pessoas para mostrar que ninguém está livre do terror. Não existe mais a idéia do grupo de risco. Todos somos alvos potenciais”, explica Saint-Pierre. “É um cenário apavorante, pois gera uma sensação de desamparo, de não proteção e de vulnerabilidade absoluta”, completa. Além disso, lembra o especialista, como faltam uma lógica e um projeto políticos mais claros, estratégias que defendam ideais como auto-determinação ou independência, perde-se também a possibilidade de interlocução e de negociação. “O que grupos como a Al-Qaeda querem negociar? Qual a proposta política deles? Um mundo islâmico? É impossível”, define o professor da Unesp.

Outra faceta imprescindível para a compreensão do neoterrorismo diz respeito à sua relação com a mídia e à compreensão que os novos agentes do terror têm acerca dos significados e dos impactos de um espetáculo. O efeito midiático, principalmente televisivo, não apenas amplifica planetária e instantaneamente a sensação de terror, mas anestesia e entorpece comportamentos, em função da repetição exaustiva das imagens. Financiado por fontes diversas (organizações extremistas, dinheiro do narcotráfico e do crime organizado e verbas de Estados falidos, apenas para citar alguns exemplos), o neoterrorismo caracteriza-se ainda por sua atuação descentralizada, baseada em células que operam em diferentes territórios, simultaneamente. “Foi assim com o 11 de setembro de 2001. Os militantes da Al-Qaeda passaram anos escondidos na Europa e nos Estados Unidos, treinando para os atentados. Quando vem a ordem, eles operam”, lembra Saint-Pierre. E, apesar de o neoterrorismo ter conquistado avanços expressivos a partir de suas conexões explícitas com grupos fundamentalistas islâmicos e de ter se tornado mais conhecido a partir dos ataques patrocinados pela organização liderada por Osama Bin Laden, o pesquisador chama a atenção para o perigo de estabelecer uma associação direta e imediata entre o Islã e atos de destruição em massa, como se muçulmano fosse sinônimo de terrorista. “Não é verdade. Não podemos condenar o islamismo como uma religião terrorista”, destaca. Vale lembrar que há grupos terroristas em países não muçulmanos, como o Aum Shinrikyo, no Japão (também conhecida como Verdade Suprema, usou gás sarin para matar doze pessoas no metrô de Tóquio, em atentado cometido em 1995).

Cenário nacional
Ao trazer esse debate para o cenário nacional, o especialista reflete sobre a atuação de organizações como o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro e o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo e preocupa-se em identificar pontos de encontro e de afastamento entre práticas terroristas e crime organizado. O professor da Unesp classifica o PCC e o CV como agentes do que chama de terrorismo criminal. Trata-se de um movimento que pretende acuar o poder legal para garantir o lucro fácil e imediato. O pesquisador recorda os acontecimentos de maio de 2006, quando o PCC conseguiu, a partir de explosões em bancos e postos de gasolina e dos ataques a ônibus, disseminar o pânico e literalmente parar a cidade de São Paulo. “Foi uma ação planificada e organizada, com intuito de pressionar o Estado e facilitar a lógica do crime. A mensagem que estavam mandando era: ‘não atrapalhem nosso negócio’”.

Para Saint-Pierre, o combate a inimigos tão poderosos deve contemplar essencialmente estratégias de inteligência. Isso significa, no plano internacional, controlar movimentações financeiras e fiscalizar severamente mecanismos como a lavagem de dinheiro, para secar as fontes de financiamento dos grupos terroristas. Internamente, o enfrentamento às ações de grupos como o CV e o PCC deve combinar uma forte atuação social, o combate à corrupção e a melhoria nas condições de atuação da polícia. “É preciso aumentar a presença do Estado para diminuir o espaço das estruturas corruptas e criminosas”, sugere, ciente de que as soluções mágicas não são possíveis – nem desejáveis. “É um trabalho que inclui vontade política, persistência e paciência. Leva tempo”.

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