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Entrevista com Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Unesp

A revista Carta Capital publicou recentemente matéria de capa destacando que os três candidatos favoritos à disputa pela presidência dos Estados Unidos, incluindo John McCain, representam avanços em relação à política ultraconservadora do governo Bush. Você concorda com essa avaliação? O reinado dos falcões de fato está chegando ao fim?
É verdade que a proposta representada pelo senador McCain é diferente. Ele defende projetos e idéias que há alguns anos chamaríamos de conservadores moderados, com posição política mais localizada ao centro. O governo Bush trouxe para a linha de frente da administração norte-americana representantes das alas mais reacionárias do país, da direita religiosa. No entanto, não concordo com aqueles que afirmam que esse grupo mais conservador está excluído do jogo político. Talvez eles percam a hegemonia nacional, mas continuarão nas prefeituras, nos estados, no legislativo. É um movimento político forte. O próprio McCain tem consciência de que a disputa com os democratas será difícil e que precisará conquistar os votos dos republicanos alinhados com Bush. Nos estados do sul, por exemplo, mais pobres, os eleitores fundamentalistas têm de fato um peso muito grande. Não será possível desprezá-los ou descartá-los. Representam uma voz significativa no Partido Republicano. É, como disse, um cenário reconhecido pelo próprio McCain, que tem feito alguns movimentos de aproximação em relação a esse segmento.

Mas nesse movimento à direita, McCain não pode perder apoio justamente dos setores independentes e de centro, que têm sido até aqui os pilares básicos de sustentação da candidatura dele?
Esse movimento é um fato e já há inclusive conversas e negociações com as alas mais conservadoras do partido. Teremos uma resposta mais clara sobre isso quando a chapa estiver completa, com a definição do candidato a vice-presidente. O ideal para as pretensões do senador McCain seria escolher alguém não muito radical, não muito religioso, com um perfil do tipo do Mitt Romney, ex-governador de Massachusetts, evitando que a opção recaia sobre alguém como o Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas, que aí sim ampliaria o risco de a chapa perder os votos mais centristas e independentes. Mas é importante lembrar que a base republicana é mais pragmática que a democrata. Esse eleitor mais à direita pode até não concordar com a agenda do candidato do partido, mas acaba votando nele, para impedir a vitória dos democratas e o retorno de uma agenda que ele considera excessivamente liberal, no sentido americano da palavra. O McCain está procurando esses votos. Mas faz cálculos e movimentos políticos cuidadosos, exatamente para não se atrelar à direita religiosa e perder apoios na outra ponta.

Você concorda com quem afirma que o McCain representa um avanço em relação à administração Bush? Em linhas gerais, quais as diferenças principais entre os dois?
Eles se aproximam quando defendem uma postura firme no cenário internacional, em temas como hegemonia, defesa, combate ao terror e segurança. No entanto, enquanto Bush prega ações unilaterais, McCain defende um retorno à tradição multilateral, estando disposto a aproximar-se de parceiros e a buscar consensos, como Bush pai fez em 1990/91, na primeira invasão do Iraque. No campo interno, é também mais flexível que o Bush em relação à questão fiscal e aos impostos, defende que os cortes não sejam tão intensos, mas não tem feito esse debate tão abertamente para não ficar vulnerável. Com relação à imigração, McCain também defende posição mais tolerante, quando comparado com outros republicanos.

De acordo com o noticiário das últimas semanas, os republicanos parecem ensaiar a candidatura da Secretária de Estado Condoleezza Rice à vice-presidência. A inclusão dessa peça, uma mulher negra, no jogo de xadrez em que se transformou a disputa poderia representar um xeque-mate para as pretensões democratas?
Acho que a candidatura dela seria algo muito arriscado, assim como de qualquer outro membro com participação ou relação mais direta com a administração Bush, por conta das identificações com as ações e políticas do atual governo, que conta com baixos índices de popularidade.

E na outra metade do tabuleiro? Como analisar a disputa acirrada entre os senadores Barack Obama e Hillary Clinton e quais as conseqüências que esse confronto pode trazer para a campanha final?
Essa disputa é péssima para o Partido Democrata. Nos últimos dois anos, criou-se uma certa convicção entre os democratas de que ganhariam fácil as eleições de 2008, com a Hillary. O problema é que não só ela vem fazendo uma campanha interna atabalhoada como o Obama conquistou uma visibilidade inesperada. E a disputa torna-se então excessivamente acirrada, muito polarizada, recaindo em erros que o Partido comete há décadas, ou seja, tem linhas gerais de atuação, propostas genéricas, mas não consegue definir uma figura, uma liderança que conduza uma agenda política e programática mais complexa e precisa. Para os republicanos, esse cenário é ótimo.

Como a senhora explica a “Obamania”?
Acho que é isso mesmo, uma mania. Ele se beneficia essencialmente de duas coisas. Em primeiro lugar, ninguém o conhece verdadeiramente, é jovem em idade e em experiência política e administrativa, é um senador com pouco tempo de mandato. É dessa maneira que ele reforça a idéia do novo, da mudança, do “yes, we can”. Mas examinadas de perto suas propostas revelam falta de profundidade e consistência, tendo um estilo bastante populista. O segundo fator que o favorece é o fato de os EUA viverem atualmente uma crise de proporções significativas, com problemas econômicos sérios e a perda de identidade e de prestígio internacional. A população começa a buscar respostas para esse quadro, e o marketing político da campanha do Obama tem exatamente reforçado os slogans que apelam para a emoção. Acabam funcionando eleitoralmente, mas isso gera contradições na campanha, pois Obama faz discursos diferentes para os diferentes segmentos da população. Assim, diante de sindicatos, fala de protecionismo; entre universitários, defende o livre comércio.

Mas a grande virtude, o grande diferencial da candidatura dele não é justamente não ser comprometido com esquemas e arranjos anteriores, o fato de promover um certo arejamento da política norte-americana?
Acho que, apesar da imagem do novo, Obama não promoveria esse arejamento, porque sua coalizão na verdade cada vez mais se aproxima das divisões clássicas entre liberais e conservadores do país. Acho que o risco seria de um tensionamento de posições, por conta de um discurso que prega não só o novo, mas a conciliação, mas que quando examinado com mais detalhes indica exatamente o oposto, ou seja, o partidarismo das bases diversas que sustentam a candidatura. Isso se verifica a partir da postura de Obama no Senado. Na maioria das votações importantes das quais participou, suas decisões estiveram à esquerda do Partido Democrata, e sem consenso com os republicanos. Além disso, volta o problema do discurso diferente para público diferente. Como administrar todas as promessas de campanha se algumas envolvem caminhos contraditórios? Por sua vez, se observarmos a votação de Hillary, o consenso bipartidário e a moderação aparecem.

Outras candidaturas com esse viés simbólico já fracassaram. Será que pela primeira vez na história há chances concretas de um candidato negro ser eleito presidente dos Estados Unidos?
A questão da negritude apareceu subliminarmente no início da campanha dele, que não se identificava como um candidato negro, um candidato dos negros. Obama temia que isso pudesse afastar os votos dos brancos, da classe média, dos homens, do sul. Na prática, porém a identificação tornou-se inevitável e incontrolável, e ele cresceu justamente com voto maciçamente negro. A vantagem em relação a experiências semelhantes anteriores, como a do pastor Jessie Jackson, é que Obama faz a transição e consegue dialogar com outros segmentos, classes e etnias. O único grupo ainda não conquistado é o dos latinos, onde a Hillary tem forte apelo, pois em termos econômicos, de empregos, salários e distribuição de renda, a administração Bill Clinton foi muito boa para esse segmento. Além disso, nesse momento parece existir uma disputa interna entre as duas principais minorias dos EUA, os negros e os latinos, que se distribuem pelas duas candidaturas. É possível afirmar, portanto, que Obama conquistou um espectro muito grande de apoios e de eleitores. Nesse sentido, aparece como o candidato da inclusão, e não da exclusão, e as chances de vitória parecem ser reais.

As diferenças programáticas e ideológicas entre os dois candidatos democratas parecem ser mínimas. A disputa se concentraria mesmo em uma certa dimensão simbólica – o negro contra a mulher?
Programaticamente, acho mais difícil fazer essa análise em relação aos democratas do que quando falamos sobre os republicanos. Como o Obama não tem tradição na política, como os discursos dele variam muito, não temos muito com fazer essa avaliação. Em termos gerais, os dois concordam em relação aos grandes temas, têm objetivos comuns, querem recuperar o Estado norte-americano, a economia e a qualidade de vida da sociedade, pensando aí em temas como direitos sociais, previdência, assistência médica, empregos. Trata-se de uma agenda democrata clássica. O Obama, ao assumir uma postura mais à esquerda e dizer, por exemplo, que pretende conversar com Hugo Chavéz, busca cerrar fileiras mais à esquerda, enquanto a Hillary poderia ser vista como uma liberal de centro, mais realista e pragmática.

A presença do ex-presidente Bill Clinton ajuda ou atrapalha a campanha da Hillary?
Acredito que ajude em termos de carisma, mas não me parece que sua presença tenha sido aproveitada de uma maneira tão positiva quanto poderia. Diferentemente de seu marido, e mesmo de Obama, Hillary não é uma figura simpática ou carismática, surgindo até mesmo como muita agressiva para alguns eleitores. Esta diferença de estilo e personalidade fez com que estrategistas de sua campanha optassem por deixar Bill Clinton em segundo plano na maior parte do tempo. Só voltaram a utilizá-lo quando Obama começou a ganhar terreno, mas de uma forma errada. Ao invés de associá-lo a uma imagem positiva, relembrando seu governo, que foi altamente popular, colocou-se Bill Clinton para criticar Obama, o que gerou certa antipatia. Assim, Hillary abriu mão de uma importante possibilidade de lembrar aos eleitores de sua experiência, de sua força na Casa Branca. Foi, então, uma opção tática tardia, mas que foi usada de forma negativa e não positiva.

E a Michelle, esposa do Obama, que para muitos analistas é alguém também muito articulada e carismática?
Sem dúvidas é também uma figura carismática e que tenta desempenhar o papel da mulher jovem, moderna e bem-sucedida, sem perder os laços familiares. Mas tem trazido problemas à campanha devido a declarações polêmicas, como quando afirmou recentemente que essa era a primeira vez que ela se sentia orgulhosa de seu país, em sua idade adulta, o que gerou protestos dos dois lados. São falas que revelam certa falta de cuidado. Por enquanto isso não tem atrapalhado muito, mas na campanha nacional pode ser um risco grande.

O risco maior não seria chegar às vésperas das eleições, já que a convenção democrata está marcada para agosto, com o partido rachado em função dessa disputa tão acirrada?
Quando conquistaram a maioria no Congresso, em 2006, os democratas já deveriam ter se preparado para as eleições presidenciais. Mas não fizeram isso e deixaram a disputa interna correr solta, acreditando que Hillary conquistaria facilmente a vaga. Faltou pragmatismo, o que acaba passando para o público uma imagem de partido indeciso, sem identidade, que briga internamente e bate cabeça. Prolongar a disputa traz também o risco de jogar a escolha do candidato para os superdelegados, o que seria péssimo. Haveria ainda a possibilidade de a Hillary querer validar os delegados da Flórida e de Michigan, que foram impugnados pela direção do partido. Nesse momento, não vejo possibilidade de conciliação entre eles. Também não vejo ninguém que possa cumprir internamente esse papel pacificador. E, enquanto os democratas brigam, os republicanos, já definidos em torno de McCain, aproveitam esse tempo para aparar arestas e conquistar apoios. Agora, é claro que falamos de uma fotografia em constante mudança, o cenário político nos Estados Unidos é bastante oscilante. No ano passado, McCain não tinha qualquer chance de pleitear a candidatura. Os ventos mudaram. Em função dessa volatilidade, é preciso acompanhar o processo passo a passo e cotidianamente.

Depois de conquistar o Prêmio Nobel da Paz e destaque no cenário internacional, o Al Gore não poderia representar esse elemento conciliador, construindo pontes e diálogos entre Hillary e Obama?
Até poderia, mas Gore, assim como John Edwards, o outro democrata que saiu da disputa com um certo cacife, têm procurado se manter à margem do processo, pelo menos por enquanto, talvez esperando que as coisas se resolvam sozinhas até março. Além disso, Gore não é uma figura absolutamente popular nos Estados Unidos e seu discurso ambientalista possui uma base de apoio bastante restrita.

A mobilização e a significativa participação da população nas prévias partidárias chegam a surpreender?
A participação tem sido maior que nas eleições anteriores, mas mesmo assim acho que não é um número tão significativo. Se pensarmos no quadro mais amplo da população dos Estados Unidos, o nível ainda poderia ser maior, para representar uma efetiva mudança.

Pensando nas relações com o Brasil, quem é melhor: Obama, Hillary ou McCain?
O Brasil está preparado para qualquer um dos candidatos que for eleito. A tendência é que se mantenha o alto nível do relacionamento que temos observado com os Estados Unidos, no campo político. No campo econômico, porém, as barreiras comerciais e riscos de pressões e de protecionismo tendem a se manter, independentemente do vitorioso, ainda que, pelo perfil de sua candidatura, Obama tenda a ser mais protecionista que Hillary ou McCain.

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