Estudo mostra a relação entre homicídios, violência policial e precariedade socioeconômica
Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Seria mais uma pesquisa que comprova a íntima ligação entre condições precárias de vida causadas principalmente pela ausência do Estado e os níveis elevados de violência, não fosse pelo acréscimo de uma variável substancial. A pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) Maria Fernanda Tourinho Peres cruzou números de taxas de mortalidade por homicídios com dados de violência policial e com indicadores socioeconômicos e demográficos dos distritos mais e menos violentos da cidade de São Paulo, todos relacionados ao ano 2000. E o resultado que chegou aponta para uma correlação perversa: onde o Estado se ausenta, as condições de vida têm uma série de desvantagens. É também nesses locais onde mais pessoas morrem assassinadas, vítimas de policiais e de outros autores.
Maria Fernanda – que é médica, especialista em saúde pública – explica que a publicação recente desse estudo na Revista Panamericana de Salud Pública é importante por duas razões. A primeira é reforçar uma constatação já bem divulgada e que mostra que, onde falta Estado, sobra violência. Mas atenção: sobre essa relação, a especialista pede cautela e rigor para que não haja uma simplificação preconceituosa. “Não é a pobreza a causa mais significativa da violência. Os números mostram que ela é muito menos importante que a ausência das instâncias estatais mediadoras de conflitos”. A segunda razão é aprofundar o olhar sobre os homicídios praticados por policiais. Ou, nas palavras da pesquisadora, entender por que a polícia mata mais nesses distritos onde há mais violência e mais carência socioeconômica.
A pesquisa se baseou no banco de dados do NEV, que vem sendo alimentado e atualizado desde o final da década de 1980. E como, segundo a pesquisadora, não existe um número oficial paulistano sobre os casos de violência, o banco é composto por relatos dos casos de execuções sumárias, linchamentos e violência policial noticiados nos principais veículos impressos do estado de São Paulo. O estudo constatou que no ano de 2000 houve uma grande desigualdade na distribuição de mortes por homicídio entre os 96 distritos censitários do município de São Paulo. Para ilustrar a situação, eis alguns dos dados levantados pela pesquisa: o coeficiente de mortalidade por homicídio variou de 3,34 por 100 mil habitantes no bairro do Jardim Paulista, bairro da Zona Oeste, a 94,8 por 100 mil habitantes no periférico Guaianazes, na Zona Leste. No mesmo ano, a taxa de mortalidade por homicídio para a capital paulista foi de 52,8 por 100 mil habitantes. Já em relação especificamente à violência policial, o artigo assinado pelos pesquisadores mostra que existe uma “associação positiva e significativa entre coeficiente de mortalidade por homicídio e número de vítimas fatais da ação policial. Isso indica que os coeficientes de mortalidade por homicídio são maiores nas regiões com maior número de vítimas fatais”.
O SINPRO-SP conversou com Maria Fernanda pouco depois de o artigo ter sido publicado. Na entrevista, ela vai além dos números e dados e analisa as três variáveis envolvidas no estudo: condição de vida a partir da oferta e qualidade dos serviços estatais; taxa de mortalidade; e homicídios policiais. Confira a entrevista aqui.