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Entrevista com Lúcia Granja, professora da UNESP

Lúcia Granja é professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em São José do Rio Preto e uma das principais especialistas nas crônicas do escritor Machado de Assis. Neste ano do centenário de morte do escritor, organizou um grande encontro no interior de São Paulo para incentivar reflexões a respeito da obra do Bruxo do Cosme Velho. O SINPRO-SP conversou por e-mail com a professora, que estava em férias no exterior, para entender um pouco mais a respeito dos personagens e da criação literária de Machado de Assis.

Falando um pouco sobre os personagens, há quem veja Machado de Assis em Bentinho ou em Brás Cubas. E há também quem ache que isso é uma grande confusão. Como a senhora analisa essas relações?
Sinceramente, acho isso uma grande confusão. Um autor cria seus personagens. Nesse sentido, ele faz ficção segundo um interesse próprio, que pode ser consciente ou não, segundo uma finalidade artística ou de representação, ou, ainda, ambas as coisas juntas. Ainda mais Machado de Assis, um autor tão grandioso, não poderia fazer essa confusão entre a sua imagem e aquelas de suas criações. Se pensarmos a fundo, um outro argumento a favor da ficção é que personagens como Brás Cubas e Bentinho não parecem “reais”, ou seja, pertencentes “ao nosso mundo”. Dessa forma, como poderiam ser resultado de um “desdobramento” de Machado? Em palavras mais simples, há alguém tão cínico quanto Brás Cubas ou tão teimoso, inseguro, cético e seco, ao mesmo tempo, como Bentinho, que o foi ao longo de TODA sua vida? É preciso ver invenção nesses dois personagens-narradores. Daí, então, a gente pode se perguntar sobre os significados, o que não tem nada a ver com Machado estar ali representado como pessoa.

Como Machado construía personagens tão ricas em termos psicológicos?
Acho que Machado era extremamente inteligente e culto e o conhecimento lhe trazia maior capacidade de observação e abstração. Por outro lado, era ambicioso com sua produção e sabia que, para permanecer, precisava criar em quantidade e qualidade.

E a ironia exercida pelo autor? É ao mesmo tempo uma prova de inteligência e uma maneira de manter o leitor pregado naquelas páginas...
Sim, mas a ironia é também alguma coisa ao canto da boca, cochichada, se me cabe a metáfora, só para “bons entendedores”. Na época, não sei se ela servia a manter os leitores pregados nas suas páginas. Acho que não. Hoje em dia sim, como a consideramos grande, ficamos pregados nela. Na época, devia aborrecer muita gente, desabonar outras que não a entendiam. Eu acho que Machado tinha consciência plena de que, para permanecer, precisava escrever para um leitor futuro e não para o público que o compreenderia na época.

Afinal, o que faz de Machado um escritor tão grandioso?
A crítica, de uns trinta anos para cá (Roberto Schwarz, Raimundo Faoro, John Gledson, Sidney Chalhoub e eu - pelo estudo das crônicas -, entre outros), pode provar que a obra de Machado apresenta uma reflexão profunda sobre a sociedade brasileira de seu tempo, além de funcionar também em um registro de inventividade literária que tange ao universal e à criação da modernidade no romance. Vale a pena que as pessoas se questionem sobre o tipo de engajamento que esperavam de um funcionário público de alto escalão e sobre o tipo de engajamento que se praticava na época em relação às questões sociais. Se estivermos esperando que Machado tenha subido em um palanque e falado em altos brados em nome dos escravos, dos injustiçados, da política econômica inflacionária da República, da não discussão da “inclusão social” dos escravos depois da abolição, estaremos realmente achando que Machado foi injusto, despolitizado, etc. Ocorre que estaremos sendo também anacrônicos e, por nossa vez, injustos. Machado tinha, por exemplo, como “palanque”, a luta hebdomadária no jornalismo, como um cronista que, escrevendo quase ininterruptamente entre 1861 e 1897, não poupou as mais agudas críticas às injustiças sociais, desperdícios, inatividade do governo, entre outros, escritas sempre de modo muito irônico, o que invariavelmente “piorava” o tom com que se manifestava, se pensarmos do ponto de vista de seu leitor, da recepção de seu texto. O mesmo ocorreu com a ficção. Uma das questões para localizar a ação política machadiana é, em meu entendimento, perguntarmos-nos a respeito do público leitor desse escritor. Em uma sociedade pouco letrada, ele escrevia para as elites, as mesmas que fazia questão de “espetar” com suas farpas. No entanto, fazia-o por meio de um texto inteligente e que funcionasse esteticamente, politicamente e também pedagogicamente, de certa forma. Seu leitor deveria estar preparado para interagir com o texto e não auferiria facilmente a crítica sem refletir, inclusive, sobre a construção literária deles. É o caso da intertextualidade, por exemplo. Quando Machado compara um político ao burguês ridículo de Molière, que é uma das estratégias mais simples de construção da ironia, por exemplo, seu texto solicita que o leitor vá além da leitura em superfície e seja capaz de refletir e fazer associações. Não se pode negar, no entanto, que essa estratégia também fazia parte da inscrição de sua literatura em um tempo futuro. Além da função pedagógica da construção de seu texto, em relação aos leitores de seu tempo, Machado estava certamente pensando que seria lido pela posteridade e deixava em seu texto desafios também esse leitor extemporâneo.

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