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Entrevista com Bia Rosenberg

A senhora tem mais de 20 anos de experiência à frente de programas para criança, além de produções consagradas por pais e filhos e premiadas pela crítica especializada. Esses foram o tempo e o percurso necessários para amadurecer e fazer chegar às prateleiras o livro A TV que seu filho vê?
Na verdade, o livro demorou um pouco. Nesses anos todos fiz muitas viagens a trabalho, conheci experiências de vários lugares do mundo e tive acesso à literatura internacional. E há tão pouca coisa publicada no Brasil e sobre o Brasil quando o assunto é TV para criança que eu percebia que havia um espaço a ser preenchido. Nesses anos também fiz muitas palestras, conversei com muitos jornalistas e sempre ouvia perguntas importantes relacionadas à relação das crianças com a televisão. Quando eu consegui organizar todas essas informações e compilar os conceitos, o livro estava quase pronto, e aí era hora de organizar tudo isso e compartilhar com todo mundo.

E qual é a realidade hoje dessa relação?
Para a maior parte das famílias, a TV passa batido. Quer dizer, os pais e as famílias raramente param para pensar na influência que a TV tem na vida das crianças, na força que os conteúdos televisivos têm para embutir, ou substituir, conceitos, comportamentos e valores familiares. E não só nos programas infantis, na programação adulta, ou dita familiar, existem muitos conteúdos que chegam até as crianças e que podem sim influenciar suas vidas. Por isso, pais e professores, os adultos têm sim que prestar atenção no que as crianças estão vendo na TV, como elas estão assistindo e como aquilo está tocando a vida delas. Outro ponto que merece atenção é: por que assistimos tanta TV no Brasil?

Há mesmo por aqui um excesso de televisão?
Ah, sim. A recomendação da Sociedade Americana de Pediatria é de, no máximo, duas horas diárias. Aqui, as crianças ficam em média de quatro a cinco horas na frente do aparelho. É mais que o dobro da recomendação. Por isso, o que o livro A TV que seu filho vê propõe é, antes de tudo, uma mudança de postura diante desse hábito que é assistir TV. Por que ela tem que estar ligada o dia todo? Que outras atividades ela está substituindo? Que resultados esse exagero vai trazer na vida do meu filho? E tudo isso fica mais delicado porque, em geral, as crianças assistem sozinhas aos programas, sem um adulto da família ao lado e, portanto, sem o filtro do responsável. E vê os programas próprios para a sua idade, mas também os impróprios. Precisamos pensar em tudo isso.

E então qual é a proposta de mudança de postura que o livro traz?
São muitas as propostas. Não dá para falar todas aqui, mas vou falar de algumas. E quem tiver acesso ao livro vai encontrar outras, e numa linguagem muito fácil. A primeira mudança é de consciência. Ou seja, que a gente não sente mais em frente à TV e fique ali zapeando aleatoriamente até encontrar algo que chame a atenção. Eu devo ligar a TV para assistir a um programa determinado que eu, a priori, já sei que passa naquele dia, naquele horário e naquele canal. Essa é uma postura consciente, quando você tem o controle sobre o hábito e não só simplesmente se entrega àquela programação. E não adianta achar que vai haver qualquer mudança nas crianças se não houver primeiro na gente. Porque educar não é só falar, é agir também. E a criança pesca todas essas incoerências nos adultos.

O que a senhora está propondo é que a pessoa lide com a TV como quem aproveita um livro: vai à estante e escolhe exatamente o que vai ler; quando acaba, fecha e guarda novamente na estante...
Isso mesmo. Esse exemplo do livro é bom porque ele serve também para a postura dos pais. Os pais não escolhem os livros que vão dar para os filhos? Ou não contam a história para a criança? Com a TV deveria ser a mesma coisa. Liga, assiste a uma programação determinada e negociada entre pais e filhos – de preferência na presença de um adulto da família – e depois desliga. Fim. Dessa forma, a idéia de educar as crianças o tempo todo, a partir das coisas do dia a dia fica possível. Essa postura crítica no hábito de assistir TV acaba ajudando os pais e os professores também a educar crianças mais conscientes de o que é a TV. No livro há várias informações e vários exercícios que ajudam a família e os educadores a lidar com essa questão da influência da TV sobre a vida.

Quais, por exemplo?
Bem, nas informações há ali uma série de dados sobre o fazer televisivo, desde o ponto de vista financeiro, até a influência mensurável na sociedade. Isso tudo é baseado naquelas pesquisas e naquela literatura com que venho tendo contato desde o início da minha carreira. Está tudo lá, organizado de forma muito simples. Sobre os exercícios, pais e professores podem, por exemplo, perguntar à criança por que ela gostou, ou não gostou, daquele programa.... Como ela acha que vai acabar o programa... Que outro jeito ela sugeriria para acabar o programa... Por que a criança acha que determinado personagem usa óculos? Ou por que um outro só resolve as coisas pela força física? E a partir das respostas que as crianças vão dando, tanto os adultos quanto os meninos e meninas vão percebendo em que lugar colocam a TV e os conteúdos tirados de seus programas. Dá para redimensionar os conceitos levantados, organizar, dar novos status aos pontos levantados ali. Outro exercício é o de ouvir, estar atento às questões espontâneas levantadas pelas próprias crianças. Nunca se deve ignorar esses questionamentos, esses comentários. Eles são uma fonte preciosa de aprendizado, podem ser a chave para uma discussão bem importante a respeito de um tema que está rondando a criança naquele momento.

O que a senhora sugere é que a pessoa ressignifique aspectos da vida, busque os sentidos de sua existência...
Se pensarmos que as propostas sugerem que a pessoa pense e repense o que está fazendo com seu tempo e, portanto, com sua vida, a resposta é sim. A gente tem sim que se preocupar em saber como está nossa vida, como está a vida dos nossos filhos. E, aqui no nosso caso, por que a TV é tão importante e por que esse excesso de televisão? É muito importante, contudo, destacar que o livro não é contra nem a favor à televisão. Ele é sim uma obra que deseja que as pessoas escolham conscientemente quais são seus valores e quais são os valores que desejam passar para seus filhos. Esses valores são pessoais e familiares e precedem a audiência televisiva. É a TV que deve se submeter a isso e não o contrário. E o que vemos hoje é um público que consome, engole, reproduz o que consumiu e nem se dá conta. A pessoa precisa saber antes para si o que é certo e o que é errado para ela, para sua família e para seus filhos, e a TV que ela assiste deve estar de acordo com isso.

E como essa nova postura poderia funcionar na prática?
Vamos pensar na cena de um casal gay, por exemplo. Se a criança perguntar sobre o beijo entre dois homens ou duas mulheres, por exemplo; ou se você mudar de canal bem nessa hora e ela notar. Os pais me perguntam o que fazer numa situação assim. O que eu digo e o que A TV que seu filho vê propõe é: se para você e sua família esse é um tema tranqüilo, diga para a criança que as pessoas escolhem com quem querem namorar, homens com mulheres, mulheres com mulheres, ou homens com homens. Simples assim. Não precisa ir além, só se a criança insistir. Já se para você e sua família for um absurdo aparecer um beijo assim, diga para a criança que você mudou de canal porque se trata de uma aberração. Homens devem namorar mulheres e o que a TV mostrou vai contra essa ordem natural das coisas. Você achou um desrespeito e por isso mudou. Pronto. Explicado, resolvido e muito claro que os valores da família estão em primeiro lugar. O pior nesses casos é ignorar, passar batido, fingir que não viu. Se transmitimos nossos valores e conceitos diariamente em diversas situações, por que não fazer isso com o conteúdo da TV? Aí a TV deixa de ser ela mesma positiva ou negativa, porque seja contrariando, seja reafirmando os valores da família ou da escola, a TV vira um instrumento para continuar educando.

Mas às vezes os pais ou os responsáveis não estão presentes, ou a discussão surge na escola, na sala de aula. E aí?
Primeiro sobre a casa. Deve existir em cada família um momento do dia em que as pessoas se encontram, conversam sobre como foi o dia. Toda família tem isso. Nessa hora os pais podem perguntar: o que você assistiu? Gostou? Não gostou? Por quê? E por aí vai. Aliás eu preciso lembrar que uma das coisas mais saudáveis é pais e filhos chegarem a um consenso sobre quanto os filhos podem assistir por dia, em quais horários e quais programas. Exatamente como fazemos quando alugamos um DVD na locadora. Os pais escolhem junto com os filhos o filme, ou os filmes, que vão levar e quando os filhos vão poder assistir. Antes do jornal, depois da novela, não importa. O fato é que há uma presença e uma anuência dos pais para aquele lazer audiovisual. Com a TV deve ser igualzinho.

Mas as crianças vão bater o pé, não vão? Ainda mais se pensarmos na classe média e alta, que tem TV a cabo, com mais alternativas de canais próprios para crianças. Nessas famílias, os filhos muitas vezes são os detentores do controle remoto, e os pais é que têm de pedir um espacinho para assistir ao jornal, ou à novela, não é assim?
Tudo isso que estamos discutindo serve tanto para a TV aberta quanto para a TV a cabo. É tudo televisão. É desse exagero, de casas que passam o dia com a TV ligada, que estamos falando. A TV não é, ou não deveria ser, para isso. Os pais devem conversar com os filhos, chegar a um consenso. Filhos que disputam o controle remoto com os pais são filhos que não foram educados para assistir televisão, que deve ter hora e programa certos. E se a criança é bem pequena, com dois ou três anos, os pais escolhem e determinam os programas e as horas na frente da TV. E, novamente, eu chamo a atenção dos pais e dos educadores para prestarem mais atenção nos filhos e nos alunos. Cabe aos adultos pensar e decidir o que é legal e o que não é legal para as crianças.

E o que é legal e o que não é legal na TV, na programação infantil?
Para ser um bom programa para criança, ele tem que ser divertido – se não a criança não pára na frente da TV – e adequado às faixas etárias. No Brasil, a questão da classificação etária definida por lei ainda é um pouco polêmica, mas aquilo que vem indicado já serve como um guia. De qualquer maneira, a decisão final é dos pais. Outro ponto é o ritmo. Para crianças menores, o ritmo do programa deve ser mais lento e isso é bem importante. Para as maiores, de quatro ou cinco anos, aí já dá para ser um pouco mais rápido. Além disso, um bom programa traz os ensinamentos positivos, dos valores positivos consensuais para a sociedade. Por fim, o bom programa é aquele que ajuda a criança a conhecer melhor o mundo que a cerca e a si mesmo.

A senhora falou em valores negativos, que não devem aparecer nos bons programas...
Os bons programas não devem trazer ensinamentos negativos que são aqueles que desrespeitam as pessoas ou a sociedade. Programas que trazem muitos estereótipos, que são preconceituosos, que não respeitam as boas regras da civilidade – como não usar a violência, ser solidário, cuidar de si e dos amigos, etc... – não são bons para crianças. Mas bom mesmo para as crianças é que a TV não seja a única opção, porque a criança que fica 16 horas na frente da TV, mesmo que só assistindo a bons programas, está sendo tolhida de experimentar coisas mais importantes. Os pais e a escola precisam, além de educar para o consumo midiático, oferecer opções de lazer, de brincadeira e de aprendizado. Esse apoio que a TV dá às brincadeiras na maioria das casas é absolutamente desnecessário. Qualquer criança consegue brincar, criar, fantasiar com a TV desligada, aliás ela deve ser capaz disso, se não for tem algo errado. Faça o teste, experimente desligar a TV. Em geral, as crianças nem notam.

E ainda dá tempo de educar essas crianças para o lidar com a televisão?
Em primeiro lugar, é preciso conversar e estabelecer o tempo e o lugar da TV na vida da criança. Depois dando respostas aos conteúdos que a criança traz a partir do que assistiu na televisão. Respostas claras e consoantes com os valores da família e da escola. Mesmo nos assuntos mais delicados, alguma explicação sempre é bom. Esse caso recente da Isabella foi uma barbaridade. As crianças ficaram sabendo e foram perguntar aos pais. Teve gente que desconversou, mudou de assunto, mas a angústia da criança aumenta nesses casos. Se a criança tem mais de seis anos já dá para dizer: olha, foi uma história muito triste, mas que é muito rara. Isso nunca acontece, porque os pais amam os filhos e cuidam deles. Eu amo você e, na nossa família, isso jamais acontecerá. Fique tranqüilo. Aliás, sobre esses casos excepcionais, é por isso que eu recomendo que os pais não deixem os filhos pequenos, de até 9 ou 10 anos, assistirem aos telejornais, porque os assuntos exibidos ali fazem parte do que não é comum, das novidades. E, em geral, são temas barra-pesada, que crianças não têm maturidade para entender. Muita violência, muita tragédia. A criança acaba ficando com medo que aconteça com ela e sabemos que a probabilidade de acontecer uma tragédia com a gente é muito pequena.

E na escola? Como a direção e os professores podem ajudar?
A TV é parte da vida das pessoas e isso não vai deixar de ser uma realidade. Assim, as escolas precisam assumir isso e entender que, eventualmente, as questões que um programa levanta numa criança são tão importantes quanto as que um livro provoca. Por isso, o segredo é trazer a televisão para a sala de aula. Não o aparelho só, mas o assunto. Os conteúdos da escola podem ter grande apoio na programação televisiva, desde que os professores deixem o assunto dos programas entrar. E também os conteúdos da TV podem dar ótimos ganchos para discussões e pesquisas na sala de aula. De novo, só dá certo se o professor assume a televisão como integrante da vida cotidiana das crianças, como os livrinhos e as conversas com os pais. E assim, com essa parceria entre a escola e a família, dá para alfabetizar as crianças para o consumo da televisão.

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