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Entrevista com Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da UNESP

Professora, olhando daqui, ao sul do equador, qual é o cenário que se anuncia para as eleições norte-americanas? Neste momento, qual a fotografia que enxergamos e o que é possível afirmar?
O que vemos é um país em crise econômica e crise externa, por causa das operações no Iraque e no Afeganistão. Vemos candidatos que defendem ajustes, no campo externo e no interno. E vemos eleitores ainda indecisos e, por isso mesmo, uma eleição ainda não definida. A sensação geral é que ainda não dá para se prever quem vai ganhar. Os grandes assuntos são a economia e a guerra do Iraque. Barack Obama fala mais e apostas mais fichas na questão econômica. Já John McCain defende mais abertamente as questões da segurança nacional e, portanto, o combate ao terrorismo. No meio disso tudo, temos um eleitor que ainda não conseguiu se decidir. Nos Estados Unidos há três tipos de eleitores. O que vota sempre no Partido Democrata, o que vota sempre no Partido Republicano e o que alterna seu apoio, em virtude de um claro pragmatismo. Ou seja, vota no candidato que oferecer mais propostas que melhorariam a vida pessoal desse terceiro tipo, independentemente do partido. Esse terceiro elemento é quem vai decidir a eleição e é difícil dizer se há uma tendência para um lado ou para o outro, porque esse eleitor se orienta apenas pela sua vida particular.

Esse eleitor portanto será o fiel da balança. E o que falta para ele decidir por Obama ou McCain?
Falta ele encontrar um candidato que fale diretamente para ele. Ou seja, um candidato que tenha propostas mais específicas e mais claras para a crise econômica, ou para a guerra do Iraque. Se esse eleitor indeciso estiver procurando mais respostas para a segurança nacional, votará Republicano. Se estiver mais interessado na crise econômica, aí irá de Democrata.

E se ele não se decidir?
Aí cresce a pressão para o apoio das bases, cenário que hoje aponta para um empate técnico, tornando impossível afirmar com segurança que um ou outro tem mais chance.

Outra novidade, talvez a maior de toda dessas eleições norte-americana, surge com a escolha do nome da candidata a vice na chapa republicana, a ultra-conservadora governadora do estado do Alasca, Sarah Palin. Ela apareceu como um furacão. A senhora pode explicar o fenômeno?
Palin é jovem, conservadora e surge como a novidade da campanha. Ela apareceu de maneira tão intensa que tirou de Barack Obama esse posto de a novidade da eleição. Palin chama a atenção porque representa uma parcela do eleitorado que até então não se via representada. Suas idéias conservadoras, que até nos assustam, são a mais pura tradução do pensamento de uma parcela significativa da população norte-americana que defende sim a caça, que duvida do aquecimento global, que desdenha da extinção dos ursos e das lutas dos ambientalistas. Ela é absolutamente coerente com esses ideais, por isso tem tanto eco o que ela diz. E tem o agravante da falta de visão do lado democrata. Eles não foram ousados como os republicanos.

A senhora está se referindo à escolha do vice, Joseph Biden?
Exatamente. Obama não teve a visão que McCain teve ao escolher Palin. É claro que é muito difícil trabalhar junto com a senadora e ex-primeira-dama Hillary Clinton, o candidato corria o risco de ficar encoberto pela figura dela, mas talvez tivesse sido uma opção mais pragmática, que atrairia mais eleitores. O candidato republicano não, ele e o partido tiveram mais visão, souberam ler melhor essas eleições tão cheias de significados. Ou seja, ao escolher Palin, McCain atinge aqueles eleitores que votariam útil nos republicanos, mas votariam desconfiados. Ao se reconhecerem na conservadora Palin, votam mais tranqüilos, por que se sentem mais representados. É essa visão mais prática que falta aos democratas e isso vem se repetindo nos últimos dez anos. Em nome de alguns valores – que nem sempre são muito claros para os eleitores – eles deixam de tomar atitudes que certamente trariam votos.

Por que Biden foi o escolhido?
Porque é novo, traz renovação e combina com postura relacionada à política externa que Barack Obama propõe. O problema está justamente aí. Os americanos, assim como os eleitores de qualquer lugar do mundo, estão muito mais preocupados com a vida doméstica do que com as questões mundiais. Ele quer saber se vai conseguir pagar as contas, se seu emprego vai ser mantido, se vai ter crédito para comprar e não, se há ou não aquecimento global, ou uma crise mundial econômica. Tem até os eleitores mais conservadores que pensam que se algo é bom para o mundo, não é bom para a América, portanto, melhor não votar em quem atende aos apelos mundiais. E é isso que os democratas não vêm conseguindo enxergar.

Essa será a maior dificuldade de Barack Obama para vencer John McCain?
A maior dificuldade que estamos enxergando e vários analistas apontam isso é a transição mais difícil do que deveria ser de uma eleição primária para uma eleição de verdade. Ele continua falando apenas para a própria base, sem apresentar propostas muito concretas. Já McCain não. Ele mudou de postura ao entender como seria o jogo, está indo para cima não só da própria base, mas tentando buscar os indecisos também. Mas ainda não apresentou propostas muito consistentes também, apesar de ter conseguido repercussão midiática bastante favorável por conta de ter escolhido Palin. A solução é Obama começar a bater de frente com seu real opositor. Em vez de criticar a vice, tem de confrontar o candidato propriamente dito.

Mas o cenário de crise econômica favorece os democratas, certo?
Certo. Embora, apesar da crise, o empate técnico permaneça. Parece que a falta de reação dos democratas deixa a população meio na defensiva, esperando ainda para ver como andam os pinos desse jogo de xadrez. De qualquer maneira, é mais fácil para o Partido Democrata defender a intervenção na economia.

Porque não combina nada com os republicanos, tradicionais defensores do liberalismo, ter de aceitar essa interferência do governo na economia, não é?
Não combina nada mesmo. Por isso é que por enquanto McCain não se manifestou abertamente sobre o assunto. Enquanto puder evitar, enquanto puder não falar sobre isso, não vai fazer. Agora, vai ser difícil ficar calado, certamente a crise econômica será a pedra de toque nos próximos atos das eleições. A vantagem pessoal de McCain é que ele nunca apoiou cegamente George W. Bush e nem o seu governo, assim pode se defender de uma das causas desse caos econômico, que foi o rio de dinheiro gasto até hoje – e com sucesso questionável – no Afeganistão e no Iraque. De qualquer modo, ele é um republicano e isso faz a crise ser mais favorável aos democratas, se eles souberem adaptar o discurso e começarem a fazer propostas. Porque, na verdade, o americano médio não gosta nada dessa história do governo se meter demais na economia, eles vêem isso com desconfiança. A grande virada se daria se os democratas pudessem colocar a culpa nos governos anteriores e propusessem saídas a curto prazo para sanar a crise, claro, mas principalmente a médio e logo prazo, para que as interferências não acontecessem mais.

E essa eleição parece que tem um forte traço internacional, como se as pressões por um candidato mais disposto a negociar ficassem ecoando.
É, Bush conseguiu construir uma série de inimizades e tomou atitudes bem polêmicas. Assim, Obama surge como uma real proposta de renovação, de caráter muito mais conciliador. Então se o mundo não parecia ser muito favorável a Bush em 2004, parece que hoje o mundo não quer mesmo Bush no poder e alternar para um democrata talvez atendesse a esse apelo. Mas como eu já disse, o eleitor médio não está preocupado com isso, está mais atento à política e à economia internas e não externas e isso pesa contra Barack Obama e seu vice, Biden.

Mas quem é, afinal, esse americano médio que pode decidir a eleição?
Ele é uma pessoa de classe média, que não está numa situação favorável, que não está conseguindo pagar suas contas e que vê o desemprego aumentar. Ele é branco e tem uma faixa etária de 35 anos para mais. As preocupações desse americano médio são com o conforto, com a segurança interna e com as garantias de emprego. O que ele quer, na verdade, é seguir levando sua vidinha comum, sem que o governo atrapalhe muito, quer ter sua arma na gaveta e não ser questionado por isso. Nos Estados Unidos eles costumam dizer que esse é o beer drinker, o bebedor de cerveja. O eleitor do Obama, para você ter uma idéia, seria o wine drinker, o bebedor de vinho.

E quais são os próximos passos da campanha?
Temos a impressão de que os debates e enfrentamentos que se aproximam serão olhados com mais atenção este ano do que foram em 2004. Os eleitores e a mídia inteira estão preocupados com os dois pontos centrais: a questão econômica e a guerra do Iraque. Então não são apenas os carismas que estarão em jogo, serão as propostas. Existe um real sentimento de renovação, de terceira via e os candidatos ainda estão polarizando muito. Quem puder responder às questões não só com ataques pessoais, mas com propostas mais positivas, sairá vencedor do debate.

E o Brasil diante de tudo isso, professora? Qual é a previsão no caso da vitória de um ou de outro?
Na verdade para o Brasil tanto faz, porque temos ótimas relações diplomáticas e políticas com os dois partidos. Então nesse ponto, realmente, é indiferente. Agora, o que temos em comum na área política, temos em desacordo na área econômica. O Brasil é um país que vem brigando por seu espaço na economia mundial e os Estados Unidos não parecem querer ceder nada nessa disputa. Pelo visto estamos seguindo num rumo econômico certo – para a decepção de alguns críticos – porque toda a crise norte-americana vem nos afetando muito pouco. Agora, a crise faz os EUA fecharem ainda mais o mercado, o que não é bom para a gente. Contudo, vamos precisar esperar que eles resolvam os problemas internos para saber como vamos ficar nesse cenário. Enquanto isso é seguir no rumo que já estamos, sem muitos solavancos.

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