envie por email 

Entrevista com Fernando Antônio Azevedo, professor da UFSCar

Professor, é verdade que se trata de um lugar comum, mas talvez seja a maneira mais direta de perguntar.... Qual é o Brasil que sai das urnas?
Essa pergunta precisa ser dividida em duas para a gente entender direito o que acontece. Primeiro, é qual é o quadro partidário no plano local que sai? Bem, o PMDB ganhou posições e cresceu 3,5% em relação às eleições de 2004. É o partido que tem o maior número de prefeituras hoje no país, foi para 11 disputas de segundo turno e venceu seis. Em termos gerais é uma conquista importante. Já o PT, em termos isolados, teve um crescimento bem expressivo. Passou de 411 prefeituras para 557, o que representa um aumento de 35,5% no número de prefeitos. E mesmo que tenha perdido a jóia da coroa, que é São Paulo, e que tenha perdido em Salvador e Porto Alegre, ainda assim avançou visivelmente, principalmente no Nordeste e no Norte. Para a oposição, o quadro é um pouco diferente. Os Democratas perderam 39,1% das prefeituras e, em cidades importantes, só ganharam em São Paulo, com Gilberto Kassab. O PPS perdeu 57,14% dos prefeitos de 2004, e o PSDB reduziu em 9,5% o número de prefeituras em relação ao pleito anterior. Entre os mais conservadores, as maiores vitórias não são em números, mas sim em conquista de terreno.

E a segunda forma de responder a questão?
É olhar para os atores do jogo político. Quem saiu vencedor e quem saiu perdendo? O grande vencedor foi o governador de São Paulo, José Serra. Primeiro porque derrotou internamente o ex-governador Geraldo Alckmin. Depois, na vitória do Kassab, ele mostrou que compete de igual para igual com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que embora tenha sido vitorioso em Belo Horizonte, a aliança que ele construiu lá (PT e PSDB) certamente não deve se repetir. Ou seja, no plano nacional é uma derrota. Quem perdeu também foi a ex-ministra Marta Suplicy. Ela amarga a segunda derrota para a prefeitura e consolida a rejeição do PT em São Paulo e dela mesma, o que inviabiliza o nome para alguma disputa em 2010.

É possível afirmar que foi a base aliada que ganhou as eleições?
Exatamente. O PT e o PMDB, os maiores partidos da base do governo, foram os que mais cresceram, chegando a rivalizar em número de cidades onde o segundo turno (15 X 11) foi disputado e empatando em conquistas nessa etapa, já que foram seis prefeituras para cada partido. Contudo, não dá para dizer se esse resultado vai ou como vai influenciar as eleições de 2010, porque ela é de âmbito nacional e essa agora foi municipal. São lógicas diferentes para o eleitor e para os partidos. Essa história de o âmbito nacional influenciar o local é uma invenção da mídia, o eleitor não se pauta por isso, ele sabe que são agendas completamente diferentes.

E se compararmos em termos regionais, a gente pode falar que existem dois Brasis? Um do Norte e Nordeste, dito mais à esquerda, e outro do centro-sul, mais conservador e oposicionista?
Olha, a grande diferença dos resultados está mais calcada nas desigualdades de renda e escolaridade do que na região geográfica. O que acontece no Norte e no Nordeste é que ali está concentrada a maior parcela da população pobre do país e que, portanto, é mais suscetível às políticas orientadas para os pobres. As classes com formação e renda mais elevadas tendem a ser mais conservadoras e essa parcela da população está mais concentrada no centro-sul. Assim, o que se vê por aqui é a consolidação de um modo menos progressista de governar. Outra análise que sai daí é que o PT perdeu a classe média. Seja por causa do escândalo do mensalão, que deixou nas pessoas a sensação de que o partido é eticamente igual aos outros, seja porque a inclinação do PT é para os projetos sociais e esses projetos não atingem a classe média. O fato é que essa camada se distanciou do partido, e a agenda da classe média também se diferenciou da agenda das classes C e D.

Mas não é curioso que a classe média, ou pelo menos uma parcela da sociedade que passa a assumir essa condição, seja uma das beneficiárias das políticas do atual governo, mas ao mesmo tempo não vote no PT?
É, é um paradoxo. A classe média se beneficiou do crescimento econômico, com emprego, aumento da renda, mas não se sente objeto das políticas de governo e aí se sente órfã e o resultado é que, atualmente, essa camada vem sendo atraída por um discurso mais conservador.

É uma situação diferente do que acontece em relação aos menos favorecidos?
Isso mesmo. Aliás, a classe C, a D também, mas mais a C, precisa ser bem estudada, porque é um conjunto da população que tem agendas próprias e que nas eleições de 2006 emergiu como uma força nova, com vontade própria e sem muita influência da mídia, que estava totalmente contra o presidente Lula e, mesmo assim, ele venceu. Agora, em 2008, essa situação se repete, a classe C emerge como uma classe média baixa, independente da grande classe média. Hoje a vontade da classe média tradicional, de orientação mais conservadora, já não influencia obrigatoriamente a classe C, de orientação mais progressista. E isso é novo.

E foi essa chamada antiga classe média quem garantiu a votação expressiva de 60% dos votos para Gilberto Kassab?
Não estranha, portanto, que ele tenha sido eleito e com tanta vantagem. A classe média de São Paulo é muito grande, forte política e economicamente, e historicamente conservadora. Basta lembrar os grandes políticos que a cidade produziu: Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf. São conservadores e seu discurso atinge em cheio o coração dessa classe média tradicional. Soma-se a isso o que a gente chama de voto-base. Em São Paulo, o PT tem tradicionalmente 32 a 35% dos votos, o resto tem inclinações conservadoras. Na falta então de alguém de centro, como o Alckmin, os votos foram na sua maioria para o prefeito Kassab. O anti-petismo também é algo muito forte em São Paulo e a própria candidata Marta Suplicy tem uma das maiores rejeições, porque ela tem um modo de governar que os paulistanos não engolem e têm verdadeira repulsa a qualquer projeto mais progressista, que é o que a Marta representava.

Qual é o papel do PMDB agora? O partido foi o que mais cresceu. Faz parte da base governista, mas em Minas é oposição ao projeto PT-PSDB. No Rio, é novamente um PMDB lulista. Finalmente em SP é um PMDB serrista. O senhor poderia fazer uma análise desse quadro?
O PMDB de fato foi o partido que mais cresceu em 2008. Mas quando pensamos em sua influência em 2010 temos que levar em conta alguns dados. Primeiro, o partido cresceu, mas basicamente nas cidades pequenas, e não nas cidades de porte médio e grande. Nas capitais manteve praticamente sua posição anterior. A diferença que agregou peso político ficou restrita à vitória no Rio. Em segundo lugar, o PMDB continua sendo um partido sem liderança nacional, uma federação de lideranças regionais que não convergem para uma linha nacional única. Por exemplo, Orestes Quércia e Jarbas Vasconcelos fazem oposição a Lula e Sergio Cabral apóia o governo. Esta situação vai se manter até 2010. Em terceiro lugar, o PMDB é o que chamamos de partidos “pega-tudo”, uma agremiação pragmática sem um eixo programático que o defina a direita ou a esquerda e, por isso mesmo, capaz de atrair o eleitorado do centro, mas anódino demais para catalisar o processo político. Falta-lhe identidade, um perfil mais forte como o PT, o PSDB ou o DEM. Considerando tudo isso, é de se esperar que o PMDB em 2010 movimente-se em torno do PT ou do PSDB, sem força gravitacional para ocupar o centro do universo político brasileiro. Mas, por conta da sua penetração no interior do Brasil e da capilaridade organizacional, bem como por conta do tempo que terá no horário gratuito, terá o seu apoio disputado acirradamente pelo PT e PSDB.

E em relação à política de alianças, professor? O eleitor percebe, entende e se apega nisso para decidir o voto?
Olha, mesmo o mais desatento é capaz de perceber, se não as alianças, as vinculações. É como se ele não passasse por todos os estágios da percepção, mas fosse capaz de pular logo para o resultado, para o que aquelas alianças significam. E por mais que se critique o sistema partidário brasileiro, esse monte de partidos grandes e pequenos que temos, ele funciona. São seis ou sete grandes partidos disputando o poder. Os outros são sempre coadjuvantes. E entre os seis ou sete, chamam a atenção o PT e o PSDB, porque vêm brigando cabeça por cabeça pelas principais posições. Nos últimos 12 ou 15 anos esse é o quadro que vem se repetindo. E essa situação representa também o quadro geral político no Brasil. Temos, de um modo geral, 30 a 35% de eleitores de centro-esquerda, que preferem os projetos mais voltados ao social, ao fortalecimento do Estado; mais 30 a 35% de eleitores de centro-direita, que apóiam as idéias de Estado mínimo e de liberdade de mercado; e cerca de 30% independentes, que são os que decidem a eleição. Mas, de qualquer jeito, é um país de dimensões continentais, complexo, e a gente vê às vezes vitória de um lado, às vezes do outro, mas podemos dizer que é um país de centro.

E como, nesse processo todo, se encaixam a propaganda política e o horário eleitoral gratuito? Têm efetivamente alguma influência sobre o eleitor?
Embora o senso comum acredite que não, que ninguém assiste ao horário eleitoral, ele tem se mostrado muito eficiente em dois aspectos principais. O primeiro é de demarcar o início e o fim da temporada política. O cidadão sabe que, naquele tempo, deverá olhar para a política e escolher um candidato. Findo o horário, termina também o tempo de se preocupar com isso. A outra grande influência é que a propaganda faz uma síntese muito simples para o eleitor entre os nomes e as idéias, é através dela que o eleitor coloca as peças em seus devidos lugares no tabuleiro e aí fica mais fácil escolher. O horário eleitoral chega a 30 ou 40% dos domicílios, por isso não dá para dizer que ele não é assistido.

E vivemos mesmo um tempo de campanhas midiáticas, não?
Vivemos sim, hoje a disputa, a campanha está toda na televisão. E por estar na TV, tanto o marketing quanto a produção audiovisual se tornam peças fundamentais. Ganha importância a figura do marqueteiro, que determina uma estratégia, que são na verdade os temas que serão explorados. Essa escolha pode ser determinante par o sucesso ou fracasso de um candidato. Aqui mesmo em São Paulo temos um bom exemplo, que foi a candidatura de Gilberto Kassab.

O senhor acha que a propaganda eleitoral teve papel crucial na eleição do prefeito?
Com certeza. O marqueteiro da campanha decidiu colar o nome e a figura do Kassab, que era então um grande desconhecido da população, às realizações, que de fato não foram poucas, porque São Paulo tem uma grande receita. A estratégia foi perfeita. A campanha foi muito bem feita e o resultado foi que ele estourou de votos no segundo turno. A campanha do Alckmin, que poderia teoricamente representar uma ameaça, não foi, porque ficou perdida.

Mas o Alckmin não tinha com ele a força do governador?
Não, Alckmin não tinha muita saída. À esquerda ele batia na Marta, mas não podia bater demais porque essa é uma opção arriscada. À direita ele batia no Kassab, mas não podia bater demais porque, afinal, trata-se de um aliado do seu partido. E mais do que isso, ele não tinha discurso, não tinha o que mostrar, e o próprio PSDB não estava apoiando abertamente a candidatura de Alckmin. Assim, ele ficou solto, o paulistano percebeu e optou por uma candidatura mais refrescada.

E onde a campanha de Marta Suplicy errou?
Não errou, do ponto de vista da campanha ela é intocável, irrepreensível. A única coisa é que ela não foi eficiente para reduzir a rejeição da candidata e do partido na cidade. Mas acredito que isso não se faz por campanha política. Como eu já disse, a população paulistana é excessivamente conservadora e não topa o jeito afirmativo, assertivo e até freqüentemente polêmico da ex-prefeita. Some-se a isso o anti-petismo histórico da cidade, o resultado é que o candidato do PT bate no teto de 35% e não vence.

Não falta política também na campanha? Quando o debate fica reduzido à capacidade pessoal de gestão de cada candidato não se perde a dimensão política e ideológica da eleição?
Eu acredito que sim e essa falta de clareza no processo e nas posições políticas dos partidos e dos candidatos é um fator importante nas eleições e na democracia do Brasil. A gente pode comparar com os Estados Unidos. Lá existem dois partidos centenários e, ou as pessoas são alinhadas com um, ou com outro. Isso politiza a discussão. Aliás, essa história de dizerem que os americanos não têm ideologia, que os partidos são muito parecidos e que os cidadãos não se envolvem é um mito. Democratas e Republicanos são muito diferentes e nessa eleição isso ficou muito claro. É um pleito histórico, em que as diferenças saltaram muito mais aos olhos. A escolha por um ou outro candidato foi de ordem política, de projeto, de visão de Estado mesmo. Aqui no Brasil falta esse posicionamento claro sim. Afinal, qual é posição do PSDB? E do PT? E do PPS, é esquerda ou direita? Aqui no Brasil ninguém se declara de direita e mesmo os mais conservadores se dizem “de centro”. Embora essa classificação entre esquerda e direita seja muito relativa e muito própria de cada lugar – na Europa, por exemplo, a disputa é entre socialismo e capitalismo ainda—, nos Estados Unidos não é bem assim e aqui também não.

E para finalizar, professor, como o senhor analisa a radiografia política em nível local, municipal, diante dessa crise mundial da economia?
Agora a eleição já acabou e, me parece, o maior impacto da crise virá em 2009. Acredito que muitos prefeitos eleitos terão de tomar medidas diferentes de suas propostas, por mais que eles não queiram, se a arrecadação cair, eles vão ter que mexer nas promessas. Mas eu sou um otimista e acredito que aqui a crise vai rebater mais suave, nosso crescimento não será o esperado, mas ainda acontecerá, deve ser 50% menor, mas ainda assim é um crescimento. Mas acho mesmo que a crise toca mais a esfera federal do governo. Para Lula, se sair bem no enfrentamento da crise é vital para seu governo e até para fazer o sucessor. Quanto mais desarrumada estiver a economia, melhor para a oposição.

Leia também
Professor analisa o resultado das eleições municipais


ver todas as anteriores
| 03.02.12
De onde viemos

| 11.11.11
As violências na escola

| 18.10.11
Mini-Web

| 30.09.11
Outras Brasílias

 

Atualize seus dados no SinproSP
Logo Twitter Logo SoundCloud Logo YouTube Logo Facebook
Plano de saúde para professores
Cadastre-se e fique por dentro de tudo o que acontece no SINPRO-SP.
 
Sindicato dos Professores de São Paulo
Rua Borges Lagoa, 208, Vila Clementino, São Paulo, SP – CEP 04038-000
Tel.: (11) 5080-5988 - Fax: (11) 5080-5985
Websindical - Sistema de recolhimentos