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Entrevista com Rosana Baeninger, professora do Departamento de Demografia do IFCH/Unicamp

Quando surgiu a ideia de estudar os fluxos populacionais da virada do século XX para o XXI? Já havia a percepção de mudanças e da presença de novos grupos e atores nessas movimentações?
No final dos anos 1980 e nos anos 90, tínhamos alguns estudos iniciais que anunciavam que o Brasil havia se tornado um país de emigração, ou seja, onde a saída de habitantes para o exterior era intensa. Reportagens publicadas na época pela mídia reforçavam essa tendência, revelando que os brasileiros estavam buscando abrigo principalmente nos Estados Unidos e no Japão. Esse cenário nos motivou, na Unicamp, a estudar com mais profundidade esse fenômeno. Em 1996, estima-se que já havia um milhão e meio de brasileiros vivendo no Japão e nos EUA. Ao mesmo tempo, quando começamos as investigações, percebemos também que existia uma entrada significativa de imigrantes no Brasil. Mas era um movimento relacionado a novos contingentes populacionais, diferentes daqueles que vieram para cá na virada do século XIX para o XX.

Quais as razões que podem explicar essa saída de brasileiros, nos anos 80 e 90?
Os estudos mostram que esse movimento está diretamente ligado ao que a professora Teresa Salles chamou de “triênio da desilusão”, ou seja, os anos de 85, 86 e 87, quando a crise econômica foi intensa no Brasil. Durante os anos 80 a inflação, o desemprego, os planos econômicos fracassados, as políticas de renda insuficientes impediram o crescimento econômico do país. Nesse mesmo período, o Japão inicia políticas de atração para seus descendentes no Brasil, e os Estados Unidos representam um destino atraente para os latinos-americanos. Por isso, apesar da retomada do crescimento econômico, a emigração sugue seu fluxo, alimentada pelas redes sociais.

Por que, se a dimensão econômica já havia sido superada?
A migração tem estreita relação com as áreas de origem e as áreas de destino. A dimensão econômica explica apenas parte do movimento migratório. Possivelmente, os brasileiros buscavam lá fora a mobilidade social que não conseguiam alcançar no país, apesar da retomada do desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, o Brasil passa a atrair novos contingentes populacionais. Que características e diferenciais têm esses fluxos e qual a relação deles com o sistema produtivo?
Para entender essa nova realidade de atração, é preciso compreender a globalização e a reestruturação produtiva, o cenário econômico internacional. O Brasil passa a receber um grande número de imigrantes latino-americanos e asiáticos. Os bolivianos, por exemplo, estão presentes em Corumbá, no Mato Grosso, pelo menos desde a década de 50. Lá, há raízes históricas, é uma imigração mais de fronteira, mais ligada às atividades rurais. Também já temos coreanos em São Paulo a partir dos anos 60, principalmente no interior do estado. Ou seja, esses dois grupos, por exemplo, já se faziam presentes por aqui. Mas agora temos diferenças significativas: esse movimento está diretamente relacionado à globalização e aos novos fluxos produtivos. Não por acaso, os bolivianos vêm para a cidade de São Paulo, para trabalhar como mão-de-obra na indústria de confecção, que muitas vezes é controlada pelos coreanos. São Paulo não é escolhida por acaso: no Brasil, é a metrópole que concentra os bancos, os serviços, esses fluxos financeiros. Mais recentemente, estamos também identificando uma entrada crescente de paraguaios e peruanos, que se dedicam também majoritariamente à confecção.

De certa forma, São Paulo então continua a representar uma espécie de “eldorado”, uma terra de oportunidades?
São Paulo, por ter e manifestar essa mentalidade e vocação de metrópole, sempre vai representar esse papel de eldorado. A cidade sempre teve essa referência de oportunidades, de sonhos, por oferecer justamente os encantos e atrativos de uma metrópole internacional. Mas vale lembrar que esse papel cumpre uma função dupla: se recebe muita gente, São Paulo também te se constituído como uma das cidades do país que mais “expulsa” seus habitantes, justamente por conta dos problemas vividos por uma metrópole. É importante lembrar ainda que as pessoas que chegam aqui, bolivianos e coreanos, por exemplo, já encontram parentes e companheiros estabelecidos. São movimentos sustentados por fortes redes sociais.

A quem mais especificamente a senhora se refere quando pensa em redes sociais?
Penso justamente nos amigos, nos parentes, nas famílias que já estão estabelecidos por aqui, além das igrejas, das organizações não-governamentais, das lojas, das associações de classe. É uma rede muito viva e pujante.

Não há para esses novos fluxos incentivos e estímulos governamentais, como se via no início do século XX? Ou seja, são movimentos mais autônomos e independentes?
Esses movimentos apóiam-se essencialmente nas redes sociais. Não há incentivos ou subsídios governamentais. E bem diferente do início do século XX, quando havia políticas oficiais de atração de imigrantes. Volto a insistir: isso não significa que a pessoa que chega esteja abandonada. Ela vai ser recebida e acolhida por essas redes. Também não quer dizer que tenhamos uma diáspora – ou seja, o imigrante vem, mas tem a perspectiva de poder voltar, se não der certo.

Quais as razões que levam os imigrantes a deixar seus países e buscar abrigo no Brasil? É novamente o cenário econômico?
Os estudos têm mostrado que essa saída, esses movimentos, na origem, são motivados menos pela atração e mais por problemas internos. Na Bolívia, por exemplo, há ainda um cenário bastante complicado de êxodo rural, as cidades não são capazes de absorver essa mão-de-obra, há o desemprego, problemas estruturais de saúde, educação e moradia, os salários são mais baixos. Ou seja, esse cenário interno complexo serve como motivação para a saída, embora não exista uma política oficial brasileira para atraí-los.

Nesse contexto, como avaliar os motivos que levam os coreanos a deixar o país deles? Não estamos falando de uma nação desenvolvida, o que em tese conseguiria segurar essa população? E não temos também o fator distância?
Não sou exatamente especialista nessas razões, mas é possível sugerir novamente que a internacionalização do capital esteja motivando os coreanos. Esses fluxos asiáticos estabelecem em geral um diálogo histórico com a América Latina, ou seja, há que se avaliar aqui antecedentes e tradições. Há ainda um êxodo rural forte na Coreia, a dimensão da reestruturação produtiva vivida pelo país e a existência de uma rede social que se responsabiliza por recebê-los no Brasil, onde conseguem uma inserção consistente na indústria têxtil. E não há o estranhamento geográfico, pois o capital encurta essas distâncias.

Quero pensar também um pouco nos impactos e nos desdobramentos dessa nova imigração. Como vivem por exemplo esses imigrantes bolivianos que chegam a São Paulo? Não temos ali na região do Bom Retiro, centro da cidade, um cenário de quase escravidão?
É interessante perceber, a partir das entrevistas que são feitas, que eles relatam que estão vivendo em condições muito melhores do que em seu país de origem. O discurso deles é diferente da nossa percepção, eles não têm essa preocupação, embora exista um hiato enorme em termos de condições sociais e de trabalho. Para nós, essa condição de escravidão deles é quase um consenso. Para eles, ao menos na verbalização, é algo melhor do que aquilo que viviam e que os coloca em contato com suas comunidades, ou seja, estão perto de seus iguais. Há nesse cenário complexo dimensões culturais que ainda não conseguimos decifrar. Quem vem para cá, vem muitas vezes trazido pela figura de uma madrinha, de um padrinho, e passa a fazer parte de uma rede de solidariedade, de crédito, de respeito. Isso tudo é muito importante para eles.

Em seus estudos, a senhora identificou também um razoável fluxo de africanos para o Rio de Janeiro...
E para São Paulo também. Aqui, a dimensão histórica é a mais evidente e presente. Por conta da colonização portuguesa, do fato de ter sido capital, de ter abrigado a família real, o Rio de Janeiro obviamente desde sempre recebeu muitos negros africanos. Mais recentemente, a partir dos anos 1970, houve um incentivo muito grande para receber estudantes negros no Brasil, como parte desse processo de integração do hemisfério sul. E muitos estudantes que vêm para cá têm problemas em seus países de origem, são perseguidos, não encontram profissão. Acabam ficando por aqui como exilados, já que a lei brasileira que trata dessa questão é uma das mais democráticas do mundo.

Falamos em brasileiros que buscam oportunidades nos Estados Unidos e no Japão, de latinos, asiáticos e africanos que têm no Brasil referência de vida melhor. Os fluxos imigratórios continuam a reproduzir a ordem internacional, ou seja, o subdesenvolvido exporta para o em desenvolvimento, que vê sua população sair para os desenvolvidos?
À primeira vista, essa análise faz todo sentido. As imigrações de fato anunciam alguma vinculação com esses processos e o cenário econômico. Mas há também uma seletividade muito grande, fatores históricos, culturais, de identidades, de fronteiras que não podem ser esquecidos. Essa linha subdesenvolvido – em desenvolvimento – desenvolvido não é tão automática, tão linear, tão causa e consequência. Vamos tomar como exemplo a Nova Zelândia, que recentemente abriu suas fronteiras para estudantes brasileiros. Lá o que existe é uma delicada questão demográfica, um envelhecimento da população. Não tem só a ver com a questão do capital. O Canadá também oferece uma forte política de atração para brasileiros, mas abre espaço principalmente para mão-de-obra qualificada. A própria Europa quer imigração, mas é a imigração que ela quer escolher e selecionar – por isso, as fronteiras são fechadas para os turcos, os árabes e os africanos. Os Estados Unidos talvez ainda não estejam vivendo esse processo de envelhecimento de população por conta do baby boom do pós-Guerra e graças à imigração intensa da latinos vivida a partir dos anos 60. Como se vê, não apenas as questões econômicas devem ser consideradas. Há causas e motivações diversificadas.

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