Vista por outro prisma, a telinha pode, sim, se consagrar como importante meio de comunicação, educação e formação – e, justiça seja feita, há programação de qualidade chegando aos nossos lares cotidianamente. E o primeiro grande passo para possíveis transformações talvez resida exatamente no reconhecimento dessa realidade. “Há vida inteligente na televisão brasileira. Ela não é sinônimo de apocalipse”, afirmou Arlindo Machado, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), durante palestra exibida pelos “Grandes Cursos Cultura”, da TV Cultura de São Paulo – um dos bons exemplos, aliás, da vida inteligente televisiva que o especialista destaca.
A mudança de enfoque, diz o professor, permitiria enxergar uma crise que não é pontual ou específica e tem dimensões bem mais amplas. O processo de banalização não atinge apenas a programação de TV, mas todas as manifestações de linguagens, como o cinema e a literatura. A chamada sociedade pós-moderna enfrenta um processo geral de mercantilização da cultura, que passa a nos enxergar não mais como cidadãos, mas como consumidores, procurando colocar nas prateleiras dos shopping centers globais produtos palatáveis, pasteurizados, domesticados. Essa dinâmica, no entanto, é repleta de conflitos, e não se estabelece de maneira passiva. A diferença é que, quando se fala de livros e filmes, sempre se faz um esforço para encontrar a produção de qualidade. Quando se discute a TV, reforça Machado, o primeiro, e quase sempre o único, aspecto que aparece é o negativo. “Estamos invariavelmente analisando o que não presta”, diz. “No entanto, quase condenada ao ostracismo, há uma produção consistente, criativa, ousada e digna de menção”, rebate.
O não reconhecimento dessa programação de qualidade estaria ligada a uma ausência de reflexões sobre a televisão como meio de comunicação, e à falta de um repertório básico e referencial a respeito do veículo, que permitisse que ele fosse tratado de uma maneira menos simplista e banal. Falamos sobre a TV como sistema de poder, como instrumento de manipulação, como deturpadora da mente das crianças. Raramente lembramos de encará-la como forma de expressão. “O que vale a pena ver e o que não vale?”, pergunta Machado. Para ele, essa é a pergunta que deve ser feita. Mas, para que as respostas tenham validade e consistência, deveríamos, em um primeiro movimento, olhar para a história da TV e determinar seus momentos e marcos mais significativos. Em um segundo momento, com base em critérios mais definidos de avaliação, seria imperativo que se adotasse postura mais crítica. Segundo o professor da PUC, a televisão deveria ocupar muito mais de nosso tempo de reflexões. Não adianta sentar na frente do aparelho e ficar zapeando os canais, de maneira inerte, para em seguida resmungar e reclamar que “está tudo mesmo um lixo, não tem nada para assistir”. É preciso ir além. “Precisamos agir com ela da mesma maneira como fazemos quando vamos ao cinema e ficamos horas procurando no jornal até encontrar um programa de boa qualidade”, afirma.
A exposição de Machado permite concluir que, em grande parte, a responsabilidade pela criação e consolidação dos estereótipos e dos preconceitos que envolvem a televisão é dos próprios teóricos da comunicação. Hegemonicamente, diversas correntes de pensamento apresentaram, ao longo da história, a TV como um meio banal, popularesco, demoníaco e dominador das massas. Um primeiro grupo de pesquisadores, seguidores das teses de Theodor Adorno, filósofo alemão que fez parte da chamada Escola de Frankfurt, defende que, por princípio e em qualquer circunstância, a televisão é um mal para as sociedades. Na outra ponta, estudiosos que seguem as reflexões de Marshal Mac Luhan afirmam que se trata do mais importante meio e revolução do século XX, não importando o conteúdo da programação que ele veicula. Como ressalta o professor da PUC, a televisão é criticada pelas mesmas razões pelas quais é elogiada. “São suas características externas e gerais, abstratas”, defende. “O conceito de bom ou de mal independe do exame mais profundo e detalhado daquilo que está sendo exibido pela tela pequena”, completa.