Para deixar a situação bem clara para o leitor, quantas são as horas de sono recomendadas para cada faixa de idade?
Essa é uma pergunta difícil, porque cada pessoa nasce com necessidades particulares, então não tem uma receita pessoal fechada. O que a gente pode afirmar com certeza é a média para cada idade e as variações esperadas para cada faixa. Um bebê recém-nascido dorme, em média, 16 horas. De seis meses a um ano, esse bebê dorme por volta de 14 horas por dia. Nesse primeiro ano de vida, a variação é de quatro horas, para mais ou para menos. Isso significa que um recém-nascido pode dormir e ficar satisfeito com 12 horas diárias de sono, ou com 20 horas de sono no dia. Varia mesmo. E cabe à mãe, ao pai e ao pediatra entender qual é o padrão, a necessidade daquela criança, para respeitar esse ritmo. Uma informação importante é que a quantidade de sono muda ao longo da vida, mas o padrão pessoal não. Um grande dormidor – em qualquer idade – precisa dormir mais que um dormidor regular. Isso é biológico e não varia muito ao longo da vida. A família precisa portanto aprender a entender e respeitar esses ciclos.
E crianças em outras faixas etárias?
A grande mudança é que, a partir do final do primeiro ano de vida, a variação de horas para mais ou para menos cai de quatro para duas horas e isso segue até a velhice. Ou seja, uma criança de 2 a 7 anos deve dormir, em média, 12 horas. Portanto, entre 10 e 14 horas é aceitável. Dos 8 até os 18 anos, a quantidade cai para 10 horas de sono por dia, variando de 8 a 12 horas. Um adulto, dos 18 aos 50 anos, dorme cerca de oito horas. E na maturidade essa quantidade cai de novo. Uma alteração significativa é a que acontece no estirão da adolescência. O grande desenvolvimento que se manifesta nessa etapa, que não tem data certa para acontecer, pode ser a qualquer momento entre os 12 e os 18 anos, pede maior quantidade de sono. Ou seja, adolescente precisa mesmo dormir.
Mas as famílias e a escola às vezes se queixam que o adolescente é preguiçoso, dorminhoco, dorme até meio-dia, uma da tarde. Tem pais que acordam e fazem o garoto, ou a garota, praticar atividades físicas para ficarem mais despertos...
É verdade, isso é bem comum. Mas os pais olham de fora, observam aquele molecão de 16 anos, 1 metro e noventa, barba no rosto, cara de adulto, e aí pensam que as necessidades de sono do filho são iguais às de um adulto já formado. Esse é um equívoco comum. A verdade é que o jovem, ainda mais no estirão, tem de dormir umas nove horas por dia. E isso não acontece.
Essa é a questão: geralmente, essas horas são respeitadas?
Não. O que eu vejo no consultório são crianças que dormem pouco e adolescentes que dormem pouco. E posso dizer que o problema é bem amplo, basta ver a quantidade de pesquisas que vêm sendo feitas nessa área do sono.
Quais são as razões para esse sono não adequado e as consequências e impactos dessa condição?
A insônia da criança e do adolescente dificilmente parece com a do adulto, que deita para dormir, rola para um lado, rola para o outro e não consegue pegar no sono, ou manter a qualidade dessa noite de sono. Com os pequenos, as poucas horas de sono se devem a uma rotina que não facilita. Eles vão deitar mais tarde do que deveriam e acordam mais cedo que o necessário para completar as horas de sono. Entre as crianças, é falta de limite mesmo. Desde que as mães entraram no mercado de trabalho, e à medida que o trabalho foi consumindo mais e mais a família, mais os limites para as crianças foram se alargando. A geração dos meus pais ainda teve pais muito rigorosos. As duas gerações seguintes ficaram excessivamente permissivas, inclusive em relação à rotina. As razões são variadas e não cabem aqui nessa entrevista, mas os pais precisam se conscientizar que o horário ideal para uma criança de até quatro ou cinco anos ir dormir é entre 19h e 21h, independentemente da rotina de trabalho dos pais.
Entre os adolescentes a causa é a mesma?
É parecido, mas somam-se outras questões. Primeiro, a quantidade de sono necessária para a saúde e o bem estar cai mesmo, como eu já disse. Segundo, biologicamente, nessa fase acontece a mudança do padrão matutino para o padrão vespertino. Trocando em miúdos: padrão matutino é o da roça. A pessoa acorda quando o sol nasce e vai dormir quando escurece. Padrão vespertino é o que vemos mais aqui na cidade: a pessoa acorda mais tarde e também tem sono mais tarde. Tudo isso é estimulado, claro, pela vida social. Na adolescência, a vida social e as relações crescem muito e aumentam junto com os estímulos. O menino ou a menina de 12, 14 ou até 16 anos vê TV, joga vídeo-game, usa o computador, ou fica no celular até de madrugada. E no final de semana sai nas baladas com os amigos. Nesse ritmo fica difícil garantir as 8 ou 10 horas de sono.
E diante desse cenário, como os pais devem agir?
Devem começar cedo, quando o filho ainda é um recém-nascido. Dormir é fundamental para a saúde. Dormir bem o tempo necessário precisa ser uma busca da família. Se desde novinha a criança é ensinada a reduzir as brincadeiras à noite, ter um ritual e ir dormir, esse hábito vai ficando. Isso é limite, que é uma coisa ótima para os filhos. Crianças gostam e pedem limites o tempo todo e cabe aos pais dar esses limites, organizando a rotina, criando rituais, respeitando as necessidades de sono dos filhos. O que não dá é para esperar a adolescência para tentar fazer essa mudança nos hábitos. O adolescente é irascível, em geral com péssimo humor, recebe mal as sugestões dos pais, muitas vezes até por falta de sono mesmo. E fica bem difícil conseguir mudar. Ao contrário, se o papel da boa noite de sono for explicada desde sempre e essa for uma regra da família, tudo fica mais fácil. Agora são escolhas da família e escolhas sempre significam perdas. Não dá para chegar todos os dias às 21h, querer que o filho esteja acordado e de ótimo humor e mandá-lo dormir logo depois. É preciso rever essa rotina, as prioridades da família, os horários e as atividades. Não é fácil num mundo e numa vida como a nossa, mas são escolhas que as famílias podem fazer.
O senhor disse que o humor alterado do adolescente pode até ser causado por falta de sono. Isso leva àquela pergunta das consequências da perda do sono. O que, mais especificamente, não dormir o suficiente provoca em crianças e adolescentes?
A primeira alteração notável é a de humor. Criança irritada e fazendo birra está com sono e certamente passou da hora de dormir. O contrário também e é muito importante deixar bem claro para os pais: criança agitada, hiperativa, que não desliga um minuto, certamente está sofrendo de privação de sono. Enquanto adultos e adolescentes tendem a um estado mais depressivo quando dormem pouco, tem muitas crianças que ficam irrequietas, agitadas, impossíveis. E você perguntou também sobre os mais velhos. Adolescente que não dorme muda de humor. Existe uma variação de humor própria dessa idade, mas se está demais, pode ter a ver com falta de horas de sono. O adolescente que dorme pouco também perde rendimento na escola, começa a dormir na aula, fica disperso, não memoriza a aula. É difícil, falando assim, diferenciar o que é próprio da fase, o que é falta de sono e o que pode chegar a ser algo mais sério, como hiperatividade e transtorno de atenção.
A quem cabe olhar isso tudo?
Aos adultos que criam e educam esse adolescente. Pai e mãe, parentes mais próximos, professores podem ajudar a desconfiar e o pediatra, esse sim, pode fazer um bom trabalho de triagem das razões daquele estado. Mas a dica é: está irritadiço demais, está indo mal na escola, está caindo a auto-estima, pode ser falta de sono sim.
E auto-estima é algo fundamental nessa fase, não? Qual a relação dela com as noites bem dormidas?
Como eu já disse, adultos e adolescentes tendem a ficar mais introspectivos, angustiados e até depressivos se estão dormindo pouco. Esse estado, no adolescente, é bem delicado porque pode sim levar a uma queda na auto-estima, que pode ser o gatilho para comportamentos pouco seguros, para o uso de drogas e outras substâncias que aumentem o bem estar. Por isso é que a gente diz que, às vezes, a família acha que o filho tem algo muito sério, procura mil especialistas, mas a origem do mal-estar pode ser apenas falta de sono.
O senhor lembrou que professores podem ajudar a desconfiar...
Eu acredito que a escola tem dois papéis importantes. O primeiro é informar. Falar sobre a necessidade de dormir, ensinar as crianças desde muito cedo que é importante dormir bastante e bem. Respeitar o sono de depois do almoço, porque é natural, faz parte do ciclo circadiano, que no meio do dia nosso estado de alerta caia e é importante respeitar para repor as energias, descansar a cabeça e se preparar para a segunda metade da jornada. Além disso, a escola também pode observar se está – ou não – exagerando no horário da entrada. Tem colégios em que os adolescentes entram sete horas da manhã e têm, portanto, de acordar às cinco, cinco e meia. Se eles foram dormir às dez da noite, ou à meia-noite, já estão em privação de sono. O professor, claro, não tem a obrigação de identificar, analisar e diagnosticar crianças com privação de sono. Mas pode ajudar desconfiando. O aluno que sempre chega com péssimo humor pela manhã, demora para entrar no ritmo, faz birra e tal, talvez esteja com sono. E se for um professor bem atento, talvez dê para sacar e para conversar com a família. Se o rendimento começa a cair, se o aluno cochila na aula, se fica disperso demais, enfim, aqueles comportamentos que já falamos, o professor pode suspeitar e aí tentar ajudar. Mas a função mesmo é ensinar sobre a importância de dormir. Todo o resto, que é a parte mais importante, é com a família e não adianta tentar terceirizar. É tarefa de pai e mãe ensinar a importância e o valor de uma boa noite de sono.