O senhor acredita que o debate em torno da energia nuclear mudou e assumiu outros contornos depois do acidente de Fukushima?
Sem dúvida! Em relação ao Greenpeace, nunca deixamos de nos preocupar com a questão nuclear e de expor ao mundo os riscos embutidos na implantação e operação das usinas. Aliás, o Greenpeace nasceu para combater, questionar e chamar a atenção da população mundial para essa causa especificamente, depois foi abraçando outras. A existência de um reator nuclear para gerar energia elétrica não é perigosa apenas em caso de acidente, toda a cadeia é nociva ao ambiente, da instalação aos rejeitos radioativos. O acidente em Fukushima só fez reacender a discussão, que estava adormecida em alguns lugares. O que ele prova é que acidentes que envolvem radioatividade são profundamente traumáticos para o ambiente como um todo. E o que aparece agora é que os países se deram conta que pode ser mais difícil controlar acidentes do que se imaginava antes. A falha não foi de projeto, nem humana. Foi uma causa natural. Não se tinha previsto isso. Sobre a resposta dos países, tomamos conhecimento de que alguns estão revendo não só a questão da instalação, da operação e da segurança dos reatores, como também o próprio plano de gestão da energia nuclear. Na Alemanha, por exemplo, testes com reatores novos e antigos foram suspensos, a continuidade de funcionamento de alguns reatores vai ser revista – e certamente não será validada – e, até surpreendente, o avanço do Partido Verde alemão nas últimas eleições foi notável. Eles fazem oposição à [primeira-ministra, Angela] Merkel, que tomou essas medidas prontamente, mas não pôde deter esse fortalecimento dos verdes em seu país. A França também está passando por discussões, assim como a Itália e a Suíça – que passaram por plebiscitos populares para decidir pela continuidade do programa nuclear – e a China.
Essa discussão mundial tem, de fato, algum valor e alcance de mais longo prazo, ou é um curativo rápido até que os holofotes se voltem para outros debates?
Não, são medidas positivas sim. Não só por um certo freio nos avanços nucleares, mas também pela discussão pública, espalhada, com várias vozes sendo ouvidas. Agora, isso não basta, não é suficiente. Aqui no Brasil, por exemplo, o governo não se posicionou muito claramente sobre o que deve ser feito, quais medidas serão tomadas na prática. Mais do que isso, ninguém se pronunciou oficialmente sobre se as mudanças nos protocolos de segurança mundiais – que já começam a ser discutidos por especialistas do mundo todo – afetarão Angra 1, 2, a futura Angra 3 – que já está em projeto – e as outras usinas todas que devem ser construídas até 2030. É verdade que a participação da energia nuclear na nossa matriz energética é pequena. Mas ela existe e a gente tem o direito de saber como essa energia que requer cuidados tão especiais está sendo gerada, os riscos que estamos correndo, como o país se prepara para acidentes oriundos da operação dos reatores, etc. Junto com isso, a população tem o direito de perguntar ao governo e discutir se quer energia nuclear na matriz energética brasileira, sendo que temos um potencial enorme de geração de energia elétrica a partir de modelos mais limpos, mais baratos, mais seguros até.
O senhor e o Greenpeace acreditam que a utilização de outras formas de energia, como a eólica e a solar, são mesmo factíveis? O físico Aquilino Senre, da pós-graduação em energia da UFRJ, defende que a energia nuclear é mais eficiente e, por isso até mais barata, e sua produção emite menos carbono. Pensando em todos esses aspectos, ainda assim vale a pena pensar nas outras energias renováveis?
O processo industrial usado para construir as peças que captam e produzem energia a partir do sol e dos ventos realmente tem uma emissão de carbono [o gás mais associado ao efeito estufa e, portanto, ao aquecimento global] significativa. Mas se a gente pensar no processo todo, são duas formas de gerar energia que não deixam resíduos. Os painéis solares e as pás dos moinhos de energia eólica são recicláveis. Só nesse aspecto, as energias renováveis ganham de longe da energia nuclear, que deixa resíduos tóxicos e intocáveis por mais de 5 ou 10 mil anos. A construção de uma usina nuclear demora de 6 a 10 anos para ser concluída. Uma usina eólica fica pronta em 2 anos, então o consumo energético e de recursos do meio ambiente é bem menor. Além disso, se a eficiência da usina nuclear é maior, as formas renováveis são muito mais baratas. Tanto assim que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse na quarta-feira passada (30/03/2011) que era hora dos norte-americanos começarem a pensar na utilização de combustíveis renováveis e mais limpos, como o Brasil vem fazendo com o etanol de cana de açúcar. Imagine esse discurso num país como os Estados Unidos, que têm um consumo enorme de combustíveis fósseis e de energia elétrica proveniente da energia nuclear. O mundo vem notando que o caminho mais acertado é o das energias mais limpas e renováveis.
Qual é a posição do Greenpeace em relação ao programa nuclear brasileiro?
A gente defende a imediata paralisação do projeto de Angra 3 e das demais usinas que estão previstas até 2030. Porque além de todo o risco social e ambiental embutido que a gente já sabe que existe, ainda não conhecemos os novos parâmetros de segurança que o mundo irá adotar. Não sabemos, portanto, se Angra 3 e as demais vão adotar essas novas medidas e que custos essa adoção terá. Enquanto isso não for conhecido e discutido pela população, defendemos o congelamento desse projeto.
Quando o senhor se refere à sociedade discutir o projeto...
Não é democrático o jeito como as coisas são feitas no Brasil. O cidadão só pensa em energia elétrica da tomada para frente e não é instigado a perguntar sobre como a energia chegou até ali e se aquela maneira está de acordo com suas convicções. Ninguém pergunta nada, o debate não acontece, a imprensa pouco informa ou discute esse assunto de tamanha importância. A Suíça e a Itália realizaram plebiscitos para decidir se continuavam com seus programas nucleares. Aqui, as pessoas não param e não são provocadas a pensar no tamanho do problema ambiental caso um reator pare de funcionar e a radiação comece a se espalhar. Digamos que um dos muros de contenção de Itaipu se rompa e inunde uma cidade inteira, exatamente como acontece anualmente em várias cidades do Brasil por conta das chuvas de verão. Pessoas iriam morrer, famílias perderiam seus bens, a cidade precisaria ser reconstruída, mas o ambiente estaria apto a receber toda a população de volta, poderia haver movimentação urbana no local. Em Chernobyl, onde aquela usina nuclear russa parou de funcionar nos anos 1980, nunca mais ninguém poderá morar. Ninguém pode chegar nem perto, porque o risco de contaminação é gigante. São fatos como esse que a gente tem de pesar. E a Comissão de Energia Nuclear, o Ministério da Ciência e Tecnologia e demais autoridades no setor precisam se posicionar claramente. Vão rever o projeto de segurança de Angra 3? Vão rever o processo de instalação de Angra 3? Vão dar satisfação sobre os planos de evacuação das populações em caso de acidente em Angra 1 e Angra 2?
Um caminho possível para aprofundar a questão da matriz energética brasileira seria fomentar as pesquisas relacionadas à obtenção e uso das energias limpas e renováveis, não? Como o senhor avalia essa área?
O Brasil é um centro mundial de referência quando o assunto é energia. Inclusive quando pensamos em energia limpa, basta olhar para a pesquisa relacionada ao etanol e ao biodiesel. Mas ainda há um desequilíbrio. Há mais recursos, mais investimentos e mais interesse na área de combustíveis fósseis. Se usássemos essa mesma força para pesquisar e desenvolver tecnologias para produzir energia a partir de fontes renováveis daríamos mais um salto. Eu estava lendo sobre os cataventos dos moinhos de energia eólica. O Brasil importa essas pás, que são pensadas e produzidas para os ventos dos países de origem. O país conseguiria melhores respostas em termos de eficiência, custo e geração de conhecimento se pesquisasse e desenvolvesse essas peças aqui mesmo, com tecnologia e pensamento nacional.
Estamos falando, de alguma maneira, de educação. Como o senhor imagina que esse assunto possa ser tratado em sala de aula?
Pela experiência pessoal que tenho e pela experiência no Greenpeace, o que posso dizer é que temos um enorme trabalho pela frente. Os aspectos sociais e ambientais de qualquer medida tomada no país dificilmente entram em discussão nas escolas, nas salas de aula. A atualização e o aprofundamento de alunos e professores em assuntos do dia a dia, mas com impactos intensos na vida do planeta, podem e devem ser temas de aula. Quando eu cheguei à graduação, na Faculdade de Engenharia da USP, fui me dando conta que questões políticas e econômicas até são discutidas, mas e o resto todo? E não estou falando só do 3º grau não. Alunos de ensino fundamental e médio, se forem mediados por professores bem preparados, são totalmente capazes de compreender as implicações da instalação de uma usina hidrelétrica, de uma usina nuclear, da substituição das energias fósseis pelas renováveis e assim por diante. Só com muito discernimento e valorização da energia que chega às tomadas de casa é que dá para discutir mudança na matriz energética, transformação no padrão de consumo para não exaurir o ambiente e assim por diante.