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Entrevista com o Prof. Rudá Ricci

Professor, no seu artigo “Os Falcões do PT”, o senhor defende que a política do país passa por uma situação muito singular. Por que o momento é assim tão especial?

O Brasil é sempre surpreendente na política. Imagine que a gente saiu de uma ditadura que durou 30 anos para um país governado por dois partidos social-democratas, o PSDB e o PT. Ainda que o PMDB eleitoralmente ainda seja o maior partido, em termos de projeto político o PT e o PSDB disputam a cena política nos últimos 20 anos. Foi principalmente depois do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso que essa polarização aumentou. Hoje, o que vemos é um menor espaço por essa competição partidária, situação que começou sob o governo Lula e se aprofundou no segundo mandato. Hoje, mesmo fora da presidência e do comando diário do PT, Lula tem um papel fundamental da desidratação do DEM e também influencia de certa maneira a situação complicada pela qual passa o PSDB.

O senhor poderia explicar o que é o PT hoje e como ele se relaciona com o lulismo?

Rui Falcão, eleito há alguns dias para ser presidente do partido, consolida esse projeto que chamamos de Lulismo e reforça esse sistema partidário presidindo um partido dominado. É fundamental explicar que o PT não é o Lulismo. O PT hoje é praticamente uma estrutura burocrática, sem projeto político para o país, sem nenhum diagnóstico sobre o país. É uma estrutura que detém uma lógica de construção da política de comando do país. Já o Lulismo é um projeto político, de longo prazo, com propostas claras e encabeçado pelo ex-presidente Lula. O PT contém alguns dos outros comandantes desse projeto: Dilma Rousseff, Antônio Palocci, Luiz Dulci e outros. Mas não só. Outros defensores do Lulismo não estão nem no PT, nem no governo. É o caso do ex-ministro Luiz Gonzaga Beluzzo, alguns economistas da PUC do Rio de Janeiro e da Fundação Getúlio Vargas também do Rio de Janeiro.

Respeitadas as devidas diferenças históricas, essa tentativa de construção de hegemonia não lembra um pouco a do Partido Republicano Institucional, o PRI, do México, que governou o país por 70 anos?

Lembra, mas tem diferenças significativas. O PRI foi baseado na revolução mexicana, que aconteceu em 1910 e foi a primeira das revoluções populares do século XX e estava ligada principalmente a questões étnicas dos indígenas e dos camponeses mais pobres. Como os líderes da revolução não tinham capacidade para administrar, firmou-se um pacto entre as forças políticas revolucionárias e não revolucionárias que rendeu um governo de 70 anos. No caso do Brasil, primeiro o PT não governa o país há tanto tempo. Segundo, que o projeto dominante nem é o do PT, é o Lulismo – que como eu já disse, não é um partido, é um projeto comandado por uma personalidade. A gente nota essas diferenças em situações como as da última eleição para governador no Paraná e no Maranhão, onde Lula colocou os candidatos do PT na berlinda. Por outro lado, empurrou goela abaixo o candidato em Minas Gerais, passando por cima das determinações do partido, o que não acontecia com o PRI mexicano.

O que mais é importante ressaltar sobre o Lulismo?

O Lulismo inova e traduz para o Brasil o chamado Fordismo, que funcionou nos Estados Unidos após a 2ª Guerra Mundial. Uma das concepções do Fordismo diz respeito à organização da fábrica, da produção mesmo. Mas a concepção que uso aqui é a francesa, somada às idéias Keynesianas, que entende o Fordismo como um pacto produtivo para recuperar a economia, com o Estado como orientador. Através dos impostos, o Estado subsidiaria a cesta básica dos operários, gerando excedente de renda. Com essa diferença, os trabalhadores poderiam comprar os produtos das indústrias de alta tecnologia em que trabalhavam, aumentando o ganho dessas empresas. O resultado imediato seria um aumento de salário (que passou de 11 dólares por semana para 5 dólares ao dia, em média). Salário mais alto somado aos subsídios do Estado (com saúde, aposentadoria, etc...) faria circular mais dinheiro no mercado interno, o que impulsionaria uma política econômica de exportação. Junto com isso, o aumento na compra de matéria prima faz cair o preço da produção, aumentando ainda mais os ganhos das empresas. O Lulismo faz exatamente isso, só que adaptado ao século XXI. Para o alto empresariado, libera recursos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Hoje o BNDES já é o 2º maior banco de fomento do mundo, o que deixa os empresários felicíssimos com Lula. E, para as classes mais baixas, entra o triunvirato: bolsa-família, crédito consignado e aumento do salário mínimo. Importa dizer que 70% das pessoas que emergiram para a Classe C subiram por conta do aumento real do salário mínimo. E isso derruba a tese de que é o assistencialismo que tira as pessoas da miséria. As classes D e E compram nos mercados de bairro porque o salário aumentou. E os pequenos comerciantes é que passam a ser Classe C, aquecendo os mercados locais. Tudo isso faz a economia interna rodar, crescer.

E enquanto isso, o Estado se fortalece...

E muito. Hoje, 60% dos recursos do país estão nas mãos no Governo Federal; 27%, nas mãos dos estados e só 13% nas mãos das prefeituras, o que coloca as cidades num grau de dependência enorme dos Ministérios, da Caixa Econômica Federal... assim como as ONGs. A gente tem chamado isso de Neo-Getulismo, ou Neo-Corporativismo. Primeiro pelo tamanho do Estado que o Lulismo pensou e produziu. Segundo, porque hoje os Sindicatos, por exemplo, não só indicam ministros, como definem a agenda, a pauta de discussões do Estado nessa área do trabalho. E mais recentemente, os líderes sindicais ainda fazem parte dos conselhos das estatais e ganham um jeton de 8 a 15 mil reais para participar de uma reunião por mês. Isso fecha o ciclo da produção proposto por essa coalizão que preside a base do governo federal.

Paralelamente, o Lulismo esvazia a oposição.

A ação de Lula na última etapa do governo e mesmo agora fora da presidência se volta para destruir o PSDB de Minas Gerais e de São Paulo. Lula promove o bloqueio da oposição com todo o aparato do Estado e com acordos políticos – como os que selaram a abertura do novo partido de direita – que desmontam qualquer força que faça oposição formal a ele. Trata-se de uma proposta política de longo prazo. E esse bloco que está no poder tem uma caracterização histórica porque começa a consolidar a política do país em direção à hegemonia. Eu posso dizer que Lula está a um passo de consolidar essa hegemonia, no que diz respeito à direção do país. Falando da oposição agora, José Serra sai da eleição por baixo. Eu entendo quando ele tentava dizer que não era contra o Lula. Não era apenas jogada de marketing. Na verdade, o discurso do Serra é muito parecido com o que se usou na Inglaterra e nos Estados Unidos nas últimas eleições. Dizer que não é contra o Lula, apenas melhor que ele para administrar o país, não é mentira. Pensando na trajetória de Serra, desde os tempos da Ação Popular, na ditadura militar, de fato ele é historicamente ligado à esquerda. Mas a campanha foi tão terrível que ele precisou ir guinando para a direita, de forma que se hoje quiser defender seus pontos de vista tradicionais, vai ficar muito mal com seu eleitorado. E essa confusão de identidade é bem ruim para ele.

O que dizer do PSDB hoje?

Desidratando lentamente. Para você ter ideia, já saiu o Ricardo Montoro, filho do ex-governador Franco Montoro, e logo sairá o Gustavo Fruet, que já foi um dos grandes nomes da oposição. Vão a caminho do partido coordenado por Kassab. Uma pesquisa feita no Paraná mostra que Fruet já é 1º lugar numa possível campanha eleitoral à prefeitura de Curitiba, com 15 pontos de vantagem sobre o 2º colocado. É pura especulação, mas alguns atores bem influentes do cenário político acreditam em duas possibilidades. A primeira é que Serra é o grande responsável pela situação difícil do PSDB. Não conseguem entender bem a razão, mas crêem que o ex-governador está apenas esperando o melhor momento para começar a negociar com o governador Geraldo Alckmin o preço para não terminar de destruir o partido. Serra ficaria numa situação favorável, com o partido na mão. A outra possibilidade é o PSDB esvaziar de vez. Os tucanos de Minas Gerais, em especial, estão muito receosos dessa possibilidade, porque o PSD ali está ganhando espaço. E tem mais uma coisa, Aécio Neves tinha sido escolhido por Lula no passado para ser o que o Kassab é hoje.

O que aconteceu, por que o mineiro perdeu o posto?

São várias razões. A primeira é que Aécio não entra no Nordeste. Kassab, via DEM, entra. E esse é um diferencial eleitoral grave. E mais uma coisa. Se Aécio já tinha uma imagem de playboy na mídia, o episódio do carro, da embriaguês e tal arranha ainda mais essa imagem. O governo Lula proibia ataque a Aécio – porque Lula defendia o papel de articulador da oposição de Aécio –, mas o governo mudou e hoje tanto o PT quanto oposicionistas do PMDB já podem se colocar contra o ex-governador. E, nesse ponto, destaca-se o nome do ator José de Abreu, que é um articulador importante do governo Dilma e se coloca contra Aécio Neves. Tem um último detalhe. Os mineiros não são conservadores da mesma maneira que os paulistas. Mas em Minas não se perdoa estripulia. Não é uma questão moral, é de comportamento. E os mineiros estão sentindo que o senador Aécio – que quer ser presidente – está humilhando a população do estado com esse comportamento irresponsável.

Aécio deveria desempenhar o papel de reconstrutor do PSDB?

Ah, sim! Ele achou que teria essa força. Para conseguir o feito, se alia a Alckmin. Mas no esquema do partido, embora Alckmin comande São Paulo, o estado mais rico do país, o governador está subordinado a Aécio. Ou seja, a dupla não tem muita força e, por isso, vem apanhando do Kassab e por isso também não brecam o Serra de vez. Aécio também contava com o apoio de Eduardo Campos, governador de Pernambuco, e de ACM Neto, deputado federal pela Bahia, para ter palanque na Bahia, mas com o esvaziamento do DEM, o crescimento do PSD – com o apoio de Lula – e a aproximação entre Campos e Dilma, temos um Nordeste blindado para Aécio.

Internamente também existem problemas, não?

O PSDB de Minas está rachado. Há duas forças polarizadas, encabeçadas por Danilo de Castro (ex-secretário de Governo) de um lado e Nárcio Rodrigues (atual secretário de Ciência e Tecnologia) de outro. Enquanto Aécio governou, a rixa ficou controlada, mas sob o governo de Antonio Anastasia, veio a público. Essa situação fica mais clara quando a gente olha a situação das principais cidades de Minas Gerais: o PSDB perdeu em todas. E em Belo Horizonte, só ganhou pela aliança de petistas com tucanos. A briga interna enfraqueceu muito o partido, que em São Paulo – o outro esteio tucano – também já não se sustenta. O governo Dilma liberou o PT mineiro a se opor ao grupo de Aécio. Resultado: o ex-governador enfrenta uma oposição que não teve notícias nos últimos 8 anos, o racha veio a público e PSDB está enfraquecido. Como ali ainda não apareceu nenhuma outra liderança, os tucanos ficam à mercê do Lulismo.

Resgatando o passado recente, a aliança entre o então PFL e o PSDB, no governo de Fernando Henrique Cardoso, já não representava uma tentativa de construir hegemonia? O ex-ministro Sergio Motta dizia que seriam 20 anos de poder.

Não. É bem diferente. A aliança entre tucanos e pefelistas tinha, primeiro, um perfil eleitoral, depois uma finalidade de governo mesmo. Essa ideia é típica de Fernando Henrique Cardoso, como antigo militante do partidão. É o que se chamava papismo. Um passo atrás (ou em direção à direita) para dois para frente e conseguir administrar o país. Kassab não tem essa força toda, mas diante da fragilidade da oposição, com o apoio de Lula e com dinheiro mesmo para investir no novo partido, ele ganha importância. Como eu já disse, entra no nordeste, faz uma sangria no DEM e no PSDB e organiza um partido de centro-direita comportado. Um detalhe sobre o PSDB é que o discurso deles é atrasado, não combina mais com os tempos atuais.

É possível afirma que o Lulismo fez do Brasil não mais um país de centro, mas de centro-esquerda?

Não. Aliás, pelo contrário. A população brasileira continua conservadora no discurso, nas ideias. Se você fizer plebiscitos, a população instalaria a pena de morte, reduziria a idade penal, não descriminalizaria drogas leves e assim por diante. Agora, estamos sob um projeto tocado por um líder de centro esquerda, extremamente pragmático e regido por uma forte intuição. Alguém que só pode ter o carisma e a veia desenvolvimentistas comparados ao de Getúlio Vargas. Mas é uma situação muito peculiar. Nossa população é conservadora no que diz respeito aos hábitos sociais. Mas se você olhar mais de perto, vai encontrar muitas famílias onde se fez aborto, onde há uniões homoafetivas e etc... Ou seja, o discurso é diferente do hábito.

Essa cisão é por um desejo enorme de negar o passado e romper com o ciclo da miséria?

Exatamente. A classe C defende esse discurso conservador porque acredita que ele é mais condizente com a nova posição que essa camada ocupa, seriam valores mais apropriados com esse novo sujeito que acreditam ser. Sentem-se merecedores desse avanço e não querem perder isso por nada. Aqui entra a religião, ou uma religiosidade mais instrumental que confirma o merecimento do avanço e cobra um retorno até fácil de cumprir. Por isso o discurso do sucesso, do vencedor, pega tanto. Por isso é que viajar de avião, ter carro, celular e TV de plasma virou questão de honra, são a senha para a saída da pobreza. A palavra de ordem do discurso que pega não é mais transformação como era nos anos 1980. Hoje o que toca o coração da população é a palavra sucesso.

E o ex-presidente Lula...

Fala exatamente isso para essa população. Numa linguagem e com os códigos que esse grupo entende e concorda. Dentro da classe C não tem para mais ninguém. E Dilma fala para as classes A e B. Ou seja, o projeto alcança todos os segmentos. E o PSDB, o DEM, o PSTU? Nenhum deles. O PMDB ainda fala, mas através de lideranças locais, ou seja sem muita força. Já o PT é o oposto. Atinge nacionalmente e não produz lideranças mais locais que falem essa língua. E esse bloco governista, que fala a língua da população, optou por jogar pesado contra a oposição, esvaziando as forças mais tradicionais e elegendo parceiros numa nova oposição. E esse projeto estará de fato consolidado e terá a senha para ser duradouro se o PT ganhar a prefeitura de São Paulo, aniquilando a resistência de Serra, Alckmin e até de Kassab.

Essa situação praticamente hegemônica, com uma oposição fraca e movimentos sociais não cooptados, mas na base do governo, retira um pouco o sabor do debate político?

São duas questões aí. A primeira está ligada à saúde da Democracia. Projeto hegemônico, de fato, nunca é saudável para a Democracia, porque toda vez que existe um partido dominante sem oposição à altura, a oposição acaba entrando no governo. E é exatamente o que você está vendo acontecer hoje. Quando Kátia Abreu, do DEM, fala bem do governo, certamente não é por afinidade, ou por convicção, mas porque será coordenadora do PSD e quer ganhar eleição. E quando a oposição se une ao governo, a população nunca sabe bem quais são os acordos que estão sendo feitos, porque todos só professam o discurso do governo. E esse discurso fica tão gelatinoso que não dá mais para reconhecer se é direita ou esquerda, desfigurando as posições políticas e ideológicas. As bandeiras se misturam e o eleitor fica meio sem saber de que lado está. A segunda questão é que política não se faz só com sistema partidário. Até aqui a gente só falou disso. Mas a sociedade civil organizada, esse nome que é difícil de explicar, tem um papel. Pode propor, pode cobrar, pode denunciar. É o caso do Ficha Limpa. A pauta veio da sociedade civil, de instituições, de fóruns civis. Nessa instância ainda se faz política, se discute ideologia e projeto.

Mas há espaço real para essas movimentações?

Tem sim. O Ficha Limpa é o exemplo mais recente. Mas é preciso achar brechas, não é fácil. Os movimentos se organizam, cobram, propõem. Alguns parlamentares podem adotar a bandeira e levar a questão para as casas legislativas e aí o assunto segue o caminho tradicional. As organizações, os fóruns, as associações têm esse papel. É só começar.
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