Para entender porque tais fenômenos estão acontecendo no universo do ensino particular, o SINPRO-SP conversou com Braga. É o que você acompanha agora:
SINPRO-SP – Podemos começar falando de um cenário que, aparentemente, é contraditório. De um lado, pipocam novos cursos, novas graduações, vestibulares ao longo de todo o ano. De outro, vemos classes vazias e instituições alegando supostas dificuldades financeiras. Qual é a situação atual do mercado do ensino superior privado no Brasil? E que futuro podemos prever?
Ryon Braga – Quando analisamos o mercado educacional, temos dois olhares bem distintos. O primeiro é que ele está, como nunca esteve, em franca expansão. Nunca a educação pública ou privada foi tão valorizada. E isso continuará exatamente assim. A demanda pela educação permanente cresce a cada ano. Alunos e profissionais já perceberam que as chances de uma carreira bem sucedida diminuem muito sem graduação, especializações, cursos etc. E, sob esse aspecto, a expansão do mercado foi muito benéfica. Colocou mais pessoas em contato com a educação, levou gente que tinha parado de estudar há tempos de volta aos bancos escolares. Isso é inquestionavelmente bom. Mas há um outro lado, um pouco mais complicado. O Brasil, até o governo Fernando Henrique, era um país fechado para o crescimento do mercado educacional. Na gestão do ex-ministro da educação, Paulo Renato, os empresários entenderam que educação podia ser um negócio rentável e passaram a investir pesadamente no setor. Resultado: passaram do limite. É impensável imaginar que um mercado agüenta uma expansão ilimitada. Uma hora a demanda fica menor que a oferta. E no caso do ensino superior, a oferta de cursos e vagas ultrapassou muito a demanda, gerando uma crise.
SINPRO-SP – Quais as razões que explicam os investimentos pesados feitos pelos empresários no setor educacional superior a partir do governo FHC?
RB – Uma espécie de ganância, mas essa não é uma boa palavra. Foi mais uma especulação do setor. Eles perceberam que muitos empresários estavam crescendo e ganhando muito dinheiro. Então decidiram aumentar seus domínios também. Aumentaram o número de vagas, pensando num aumento de alunos, que não aconteceu. Aí as instituições entraram em crise. A menor quantidade de estudantes significa um número menor de pagantes de mensalidades, o que acarreta diminuir o lucro.
SINPRO-SP – E as conseqüências...
RB – Ah sim! Gera uma série de conseqüências. Se os empresários tinham feito um planejamento para um valor médio de mensalidade e os alunos não vêm, eles são obrigados a rever esses valores e, via de regra, diminuí-lo, reduzindo também a arrecadação da instituição.
SINPRO-SP – Será que esses valores estão mesmo diminuindo ou esse é o discurso das instituições? E como fica o professor?
RB – A corda sempre arrebenta do lado mais fraco mesmo. A folha de pagamentos é, certamente, a despesa mais alta de qualquer instituição. Bem, quando a arrecadação diminui, às vezes o empresário tenta não repassar para a folha, tenta segurar. Mas em geral, ele revê a carga, diminui salário, diminui os casos de dedicação exclusiva. Reduz quadros e junta turmas para viabilizar a sustentação. Enfim, lançam mão desses expedientes para tentar reverter a crise.
SINPRO-SP – Recuperando a questão das causas para essa expansão sem controles. O que mais pode ter levado a essa situação contraditória de expansão por um lado e contração por outro?
RB – Parte da causa é, como já falamos, a ganância do empresariado. Uma busca incansável pelo lucro e pelos benefícios que ele traz. Os empresários do setor queriam crescer e não viram que esse inchaço não poderia durar para sempre. Bem, mas os investimentos aconteceram e não deram certo. Aí os cortes de pessoal, de salários e de turmas são inevitáveis. Aliás, algumas instituições estão se virando bem, sem precisar demitir, por exemplo, mas outras não.
SINPRO-SP – E há outras causas?
RB – Tem sim. A própria economia brasileira. O não-crescimento foi fatal para o mercado educacional. Para você ter uma idéia, caso a estagnação acabasse, o setor cresceria fortemente. As classes C e D só precisam de um pequeno impulso para cursar o ensino superior. Elas têm o desejo, mas não têm recursos para investir. Um pequeno crescimento já colocaria essas pessoas na faculdade. Outra razão é a própria instabilidade do governo. O Ministério da Educação, no governo Lula, com os dois ministros, tem uma postura e um perfil de intervenção totalmente instáveis. Aliás, essa instabilidade nunca foi vista, porque ela se limitava ao próprio governo. A política de autorização de funcionamento, ou de intervenção nos currículos, por exemplo, muda toda hora. O setor fica assustado, sem saber para onde vão as decisões dos Ministérios. Aí os empresários decidem esperar para voltar a investir. Na verdade, o Ministério acaba atrapalhando a estabilidade.
SINPRO-SP – Bem, vamos então às conseqüências do crescimento desenfreado do setor.
RB – Há boas conseqüências também, sabia? Para os professores, por exemplo, houve uma corrida às titulações. O que é extremamente salutar. Professores titulados são mais garantia de ensino de qualidade. Por outro lado, em termos de mercado, há um excedente de educadores titulados. Paradoxal isso, né? Em termos ideais, ainda faltam professores mestres e doutores, mas a quantidade que existe excede, e muito, as vagas necessárias para deixar as instituições em conformidade com a lei. O problema é que as instituições contratam o mínimo de titulados – porque são mais caros – e completam o quadro com não-titulados, que são mais baratos. Aí os titulados sobram.
SINPRO-SP – E para os estudantes?
RB – A realidade para os estudantes é típica de um país heterogêneo como o Brasil, de uma sociedade heterogênea como a nossa. Mas vamos já desmistificar essa idéia errada que a mídia insiste em colocar. Não é verdade que a expansão do setor só fez diminuir a qualidade do ensino e das escolas. Vem dessa mesma expansão o nascimento de instituições altamente qualificadas, que vêm para concorrer com as tradicionais. É claro que aparecem também as instituições com fins exclusivamente mercantilistas. Aos montes e de qualidade questionável, que literalmente vendem os diplomas à prestação. Isso é verdade, todo mundo sabe, não dá para esconder. Mas dizer que o crescimento do setor só trouxe queda não é verdade. Para dar um exemplo prático, a Facamp (Faculdade de Campinas), recém criada, já nasce com um grau de excelência lá em cima. Muitas vezes, com qualidade superior às faculdades tradicionais e com mensalidades mais baixas. Essa é outra conseqüência. A expansão obrigou os empresários mais antigos a rever suas mensalidades. Por vezes, foram até obrigados a baixá-la. Voltando aos estudantes. A expansão do mercado educacional particular no Brasil é um fenômeno muito recente, exatamente como a demanda pela educação continuada. Com o passar do tempo, os estudantes iriam perceber que um diploma só não basta, que a qualidade do que foi aprendido é o que tem valor. Aí, aos poucos iriam separando joio de trigo. O que presta do que não presta.
SINPRO-SP – Auto-regulamentação?
RB – É, uma espécie de auto-regulamentação. É nisso que eu acredito para o setor crescer e oferecer mais qualidade. Mas o governo atual tem uma visão totalmente estatista e estatizante, não acredita nesse equilíbrio do mercado. Resultado, percebendo os problemas da expansão, empurra uma regulamentação à força, de cima para baixo. É verdade que assim é mais rápido, mas é menos eficiente, porque mais estraga que conserta. Enquanto a regulamentação vinda do próprio meio demora mais, é verdade, mas é mais eficiente. Permanecem os melhores.
SINPRO-SP – E aí, diante de uma expansão desordenada, da ganância desmedida e do excesso de oferta de vagas, começamos a nos deparar com fusões e falências…
RB – E o surgimento de novos nichos, altamente especializados, o que é uma boa conseqüência. Mas é verdade, vemos processos de compra e venda que já estão acontecendo. Outra opção, que já vem acontecendo entre os empresários menores, são as parcerias. Uma espécie de joint ventures, como as cooperativas do setor agrário. É uma alternativa para as menores sobreviverem. Olha que número curioso, tenho dados que mostram que há, no Brasil, 72 instituições já autorizadas que já realizaram três processos seletivos, mas nunca conseguiram preencher as vagas. Ou seja, são legais, têm todas as autorizações, mas não têm alunos! As falências também chamam atenção. Já começam a acontecer, mas, ao contrário do que se observa no ensino básico, que as escolas fecham, no ensino superior as falidas são compradas por instituições maiores. A escola fecha, mas a carteira de clientes é repassada a outra instituição.