Além de constatar a dimensão do problema, os autores do livro acreditam que os dados do Inaf podem oferecer ainda outras duas importantes contribuições. A partir de informações confiáveis e aprofundadas sobre a habilidade de leitura e escrita dos brasileiros, é possível investir no planejamento de políticas educacionais, tarefa que deve ser cumprida pelos três níveis de governo, em parceria com organizações do terceiro setor. “Quando apresentamos a proposta ao Ministério da Educação, ainda em 2001, fomos taxados de loucos. Nunca ninguém tinha se aventurado a estudar não o desempenho escolar, mas o que fica da educação para o aluno”, conta Fábio Montenegro. “No desenvolvimento de políticas, o livro levanta a bandeira de que não se combate o analfabetismo com campanhas. É preciso uma inserção longa na escola e fazer da leitura um hábito”, completa Vera. Em última instância, o letramento aparece como fator de inclusão ou exclusão social. “A alfabetização não muda as pessoas e nem garante um aumento de capital cultural. O letramento funcional consegue cumprir essa função”, defende Vera. “Porque ele promove inserção na sociedade, no consumo e nas eleições”, conclui Fábio.
Outra contribuição interessa diretamente a todos os professores: repensar qual é a escola que temos e qual é a escola que queremos, para que todos os alunos alfabetizados superem a perspectiva do “assinar o nome” e façam da leitura e da escrita as ferramentas para se desenvolver socialmente e se expressar de forma eficiente. “De acordo com o Inaf, já dá para afirmar que a escola é fundamental na formação de letrados funcionais. Não é a única instituição responsável, mas tem grande destaque entre essas”, propõe a coordenadora da Ação Educativa. Ainda segundo a análise de Vera, para que o letramento faça definitivamente parte da vida das pessoas, é preciso ficar na escola até, pelo menos, a 4a série do ensino fundamental.
Questionamentos sobre qualidade de ensino
Além do Inaf, um outro alerta sobre as deficiências de formação dos estudantes brasileiros foi feito em junho último, quando foram divulgados os números referentes ao ano de 2003 do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), do Ministério da Educação (MEC). O Saeb avalia o desempenho escolar de alunos da 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio. Os estudantes do Brasil todo fazem provas de português e matemática, além de responder a um questionário sobre hábitos de estudo e características socioculturais. Professores e diretores também participam, respondendo sobre práticas de ensino e a gestão da escola. Na edição de 2003, foram ouvidos 300 mil alunos, 17 mil professores e 6 mil diretores de 6.270 escolas das 27 unidades da Federação. Para surpresa geral, os resultados obtidos por escolas públicas e particulares ficou muito próximo. Ou seja, alunos da rede oficial e privada têm praticamente as mesmas habilidades de leitura, escrita e cálculo.
Os dados levantam de novo questionamentos sobre a qualidade do ensino. Nesse ponto, o Inaf torna-se ainda mais importante, porque revela que a educação brasileira, de um modo geral, tem produzido analfabetos funcionais. Segundo os especialistas, talvez essa situação aconteça por conta da adoção de aulas, métodos ou currículos ineficazes. “A diferença não está em pagar ou não mensalidade, mas no conteúdo que o aluno absorve e o que ele realmente deveria absorver”, sugere Fábio Montenegro. “Porque, pública ou privada, a escola deve ter o papel de uma agência de letramento. Junto com o trabalho, as igrejas e a imprensa, o colégio é que deveria proporcionar essas habilidades”, conclui a coordenadora de programas da ONG Ação Educativa.
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