Por Francisco Bicudo
Com ruas de terra e temperaturas que atingem facilmente os 40 graus, Anapu é uma cidadezinha perdida no interior do Pará, mas que bem poderia ser o cenário de um filme de faroeste, onde a lei vigente é a do revólver. A paupérrima população do município paraense vive quase sempre de atividades ligadas aos recursos naturais. Vive sem escolas de qualidade e sem um sistema de saúde organizado e eficiente. Mas vive principalmente com medo. Teme os pistoleiros e os capatazes contratados por madeireiros e empresários ligados ao agronegócio da região, que não medem esforços para ocupar pedaços de terra cada vez maiores. A lógica é simples – mas cruel: os capangas expulsam as famílias das terras e eliminam os que se opõe às determinações dos mandantes.
Na contramão da violência, e praticamente ilhados em uma terra sem lei, aparecem movimentos sociais de trabalhadores e das comunidades locais. Liderados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ou organizados em cooperativas e sindicatos, os camponeses de Anapu batem de frente com os interesses das elites locais – madeireiros, grandes agricultores e parlamentares - e por isso são constantemente ameaçados. O assassinato da líder religiosa e comunitária norte-americana, Dorothy Stang, de 73 anos, foi apenas mais uma demonstração selvagem de que Anapu é mesmo uma terra para poucos. A freira foi morta em 12 de fevereiro, em uma emboscada, com três tiros. As investigações policiais, ainda não concluídas, apontam para um possível assustador consórcio do crime – que pode ter sido encomendado não apenas por um, mas por vários mandantes.
Conflitos no campo
Em carta publicada no site da CPT, a coordenação nacional do movimento apresenta os motivos para o assassinato da religiosa. “Por causa de sua atuação, e pela denúncia da ação predatória de fazendeiros e grileiros, irmã Dorothy, desde 1999, vinha recebendo ameaças de morte. Na quarta-feira (09/02), durante audiência pública, em Belém, apresentou ao ministro, Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ao ouvidor Agrário Geral, Gercino Filho, e a autoridades do governo do Estado do Pará, as denúncias de ameaça de morte que estava sofrendo”.
O que intriga é que 90% do território de Anapu são terras públicas, mas o proprietário, o Estado, parece não estar muito interessado em suas posse e em seu uso racional e sustentável, com objetivos sociais. Não se vê a presença de órgãos públicos na região, o que facilita a situação de miséria, desproteção, abandono e violência.
Contudo, a informação mais chocante é que a situação de conflito no campo não se restringe à pequena e selvagem Anapu, no Pará. Ela se repete em diversas cidades do país e se espalha pelas regiões Nordeste, Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, sendo mais intensa em algumas, e menos em outras. A violência rural fez 73 vítimas em 2003, segundo a Secretaria Nacional da CPT.
Embora os dados de 2004 ainda não estejam fechados, esse número, avalia a entidade, deve ter aumentado. A hipótese se justifica, se analisarmos os dados dos últimos cinco anos: entre 1999 e 2000, foram assassinados 22 trabalhadores rurais; entre 2000 e 2001, esse número subiu para 39, saltando para 48 assassinados entre 2001 e 2002, e explodindo entre 2002 e 2003, quando foram registrados 70 homicídios.
Para entender melhor os conflitos no campo, o SINPRO-SP conversou com um dos coordenadores nacionais da Comissão Pastoral da Terra, Isidoro Revers. Os melhores trechos da entrevista você acompanha a seguir.