envie por email 

“É preciso valorizar o professor”

A presidente da Sociedade Brasileira de matemática, Suely Druck, afirma que o país precisa de docentes bem preparados, bem pagos, com condições motivantes de trabalho e orientações pedagógicas corretas para reverter o quadro de deficiências no ensino aprendizagem da disciplina no Brasil. Leia a seguir entrevista concedida por e-mail ao SINPRO-SP on-line.

Qual a importância do Brasil ter passado para o grupo IV do IMU?
A partir dos anos 80 a pesquisa em Matemática no Brasil já desfruta de excelente reputação internacional. Prova disso tem sido a presença de eminentes matemáticos brasileiros como convidados nos mais destacados congressos internacionais, como membros da Third World Academy, bem como em posições estratégicas na condução da matemática internacional, como é o caso do Prof. Jacob Palis do Instituto Nacional de Matemática Aplicada que presidiu a IMU de 1999 a 2002.
Em nível internacional, a inclusão no grupo IV representa a consolidação desta reputação bem como um reconhecimento importante do progresso que fizemos nesses anos. Estar no Grupo IV nos coloca num time muito seleto e significa que nossas atividades científicas como publicações, congressos, etc. foram consideradas de alto nível. Em termos de América Latina, representa a liderança absoluta da matemática brasileira. Os países da América Latina mais bem classificados depois do Brasil são Argentina, Chile e México que estão no Grupo II.
Em nível nacional, esta promoção reafirma a competência e dedicação da comunidade matemática brasileira em cumprir a sua missão para com o país. Representa um estímulo importante para que continuemos a avançar cada vez mais. A pesquisa em Matemática no Brasil é bastante recente, algo de aproximadamente 50 anos; é absolutamente admirável que tenhamos chegado a este ponto em tão pouco tempo. A promoção ao grupo IV foi uma conquista de toda a comunidade matemática brasileira e estou certa que será reconhecida e festejada por toda a comunidade científica nacional.
Só para se ter uma idéia: já pertenciam ao grupo IV a Holanda, Suécia, Suíça, e a partir de janeiro de 2005 foram incluídos Brasil, Índia e Espanha. Atualmente integram o Grupo V os seguintes países: Canadá, China, Estados Unidos, França, Alemanha, Israel, Itália, Japão, Rússia e Inglaterra. Estamos atrás somente desses países.

O ensino da Matemática no Brasil parece enfrentar dificuldades. Resultados do SAEB e do PISA indicam deficiências. Na sua opinião, por que isso acontece?
Infelizmente, a qualidade da nossa pesquisa em Matemática não se reflete no ensino. Atualmente no Brasil, pesquisa e ensino em matemática compõem mundos distintos e distanciados. O primeiro cumpre com competência o seu papel de produzir conhecimento e formar recursos humanos para pesquisa. Já o segundo vem cumprindo muito mal o seu papel de transferir conhecimento e formar cidadãos, e ainda se debate com questões primárias e até surrealistas que dizem respeito à sua missão, como por exemplo, se o professor de matemática precisa conhecer matemática em profundidade. Como Presidente da SBM tenho lidado com esses dois mundos, e a comparação é absolutamente dolorosa para o segmento do ensino.
A política de descaso com a educação no país afastou muitos profissionais com boa formação matemática das questões do ensino da disciplina. Parte importante deste espaço foi ocupada por grupos que, por falta de boa formação matemática, não se debruçaram sobre o ensino da matemática de forma consistente. O resultado foi que a definição de políticas sobre o ensino da matemática passou a ser feita com pouca (ou nenhuma) interferência de pesquisadores em matemática. Assim, as diretrizes que têm orientado o ensino da matemática nas últimas décadas vêm sendo formuladas sem o necessário suporte de conteúdo matemático. O afastamento dos pesquisadores das questões de ensino apressou o processo de deteriorização do ensino da matemática no país. Esta situação contrasta com a de países que oferecem excelente ensino aos seus jovens, contando para isso com a contribuição de seus pesquisadores na definição de diretrizes ou mesmo atuando em diversos projetos. Só para exemplificar, cito o projeto “Matemática em Ação” da Universidade de Moscou, que conta com a participação ativa de V.Arnold, um dos maiores matemáticos do século, e o projeto La main à la patê na França, coordenado por G.Charpak, Prêmio Nobel em Física em 1992 - ambos dirigidos a jovens na faixa de 15-18 anos.
A qualidade nos níveis médio, fundamental e de graduação atingiu, talvez, o seu mais baixo nível na história educacional do país. A comunidade matemática tem total percepção deste quadro, e indicadores nacionais - Provão, ENEM e SAEB - e internacionais – como o Pisa - confirmam o descalabro da situação em que se encontra o ensino da matemática, principalmente nas escolas públicas onde estuda a maioria dos brasileiros. Os motivos deste quadro são bem conhecidos, e concentram-se principalmente na situação dos professores: baixos salários, má formação acadêmica, orientações pedagógicas equivocadas e péssimas condições de trabalho – faltam bibliotecas, laboratórios, apoio acadêmico e tudo o mais. Obviamente não foram os professores que optaram por esta situação, esta é a única opção que nosso país tem oferecido àqueles que são responsáveis pela educação da maioria de nossos jovens e crianças.

Como essa situação pode ser revertida?
Considero que a gravidade deste quadro não admite paliativos. Acredito que somente uma ação nacional de forte impacto poderá resgatar a qualidade do ensino da matemática no país. Isso só será possível com a implementação de um projeto nacional para a matemática como já ocorreu com outras áreas e o engajamento da comunidade matemática que detém o conhecimento matemático que deve ser repassado aos professores e estudantes.

Qual o papel do professor nesse processo?
O professor é o ator principal da educação. Podemos ter idéias fantásticas para melhorar o ensino, porém somente eles serão capazes de implementá-las. É necessário atender as necessidades acadêmicas dos professores, valorizá-los e urgentemente aprimorar a formação daqueles que atuam em sala de aula e estancar a concessão de diplomas a professores mal formados. Tornar uma aula de matemática divertida e instigante não é difícil para o professor que ama a matemática e a conhece em profundidade.
A paixão pela matemática aliada a um sólido conhecimento é essencial na construção de perguntas certas no momento certo, de contextualizações inteligentes e conectadas com o desenvolvimento científico e a realidade nacional. Contagiar jovens e crianças com o entusiasmo e criatividade, fornecer-lhes os instrumentos lógicos e científicos para o entendimento e a crítica da realidade, é papel importante do professor de matemática. Para isso precisamos de um professor bem preparado, bem pago, com condições motivantes de trabalho e orientações pedagógicas corretas.

A SMB tem algum programa específico para professores?
Há várias iniciativas para tornar o aprendizado da matemática mais atrativo para professores e alunos. Para apoiar o trabalho em sala de aula de nossos professores, a SBM publica literatura de alta qualidade e baixíssimo preço como a Coleção do Professor de Matemática e a Revista do Professor de Matemática; oferece cursos de aprimoramento e realiza a Bienal da SBM que é um evento bianual dirigido exclusivamente ao ensino da matemática em seus vários níveis. A SBM publica também literatura dirigida aos estudantes, como a Coleção Iniciação Científica e a Coleção Textos Universitários. Outra iniciativa da SBM para os estudantes é a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) que tem despertado o interesse pela matemática em vários jovens.
Como as escolas públicas têm uma participação muito pequena na OBM, a SBM em parceria com o IMPA criou a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Este projeto foi aprovado pelo Presidente Lula, tornando-se um projeto do MEC e Ministério da Ciência e Tecnologia a ser implementado em todo o país em 2005. Durante o ano passado a SBM e o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) realizaram olimpíadas de matemática para escolas públicas em diversos Estados como projetos-piloto que servirão de base para a OBMEP. Os resultados foram espetaculares. Jovens e crianças dos mais longínquos municípios do país, oriundos de famílias de baixíssima ganharam medalhas, e o mais importante: mostraram uma disposição e um prazer enormes em passar horas a fio mergulhados em problemas de matemática. Isso ocorreu porque oferecemos a eles matemática instigante e divertida, como ela verdadeiramente é. Quem a torna desinteressante são aqueles que não a conhecem em profundidade.

Leia também
Pesquisa e ensino: dois mundos distintos e distanciados
Para saber mais
Fórum


ver todas as anteriores
| 03.02.12
De onde viemos

| 11.11.11
As violências na escola

| 18.10.11
Mini-Web

| 30.09.11
Outras Brasílias

 

Atualize seus dados no SinproSP
Logo Twitter Logo SoundCloud Logo YouTube Logo Facebook
Plano de saúde para professores
Cadastre-se e fique por dentro de tudo o que acontece no SINPRO-SP.
 
Sindicato dos Professores de São Paulo
Rua Borges Lagoa, 208, Vila Clementino, São Paulo, SP – CEP 04038-000
Tel.: (11) 5080-5988 - Fax: (11) 5080-5985
Websindical - Sistema de recolhimentos