A idéias de que o Brasil é um país mais corrupto que outros é válida?
Cláudio Weber Abramo – Não. Primeiro porque, não é muito correto dizer que um país é corrupto. Os habitantes desse país é que são corruptos ou não. O correto é dizer que um país tem mais ou menos problemas de corrupção. O que se pode dizer também é que a corrupção é uma prática presente em todos os países do mundo, em todos os níveis de governo. O que acontece é que a corrupção é inversamente proporcional à renda per capita. Ou seja, quanto mais pobre o lugar, maior é a tendência de um país apresentar corrupção. Então, como o Brasil é um país pobre, é maior a tendência de termos problemas com corrupção. E isso não acontece porque aqui é o Brasil, mas porque aqui não há recursos suficientes para se investir na modernização e no aperfeiçoamento do Estado. E são a ineficiência do Estado e a falta de aparelhamento institucional e administrativo as maiores causas da corrupção. O atraso provoca dificuldades de operação e é isso que abre espaço para práticas irregulares.
E por que, então, temos a sensação de que o Brasil é um país mais corrupto que os outros?
A pergunta que tem que ser feita é: a quem interessa vender o Brasil como um país não sério? A quem interessa saber se o Brasil é mais ou menos corrupto que a Tanzânia, ou a República do Togo? Essa informação só interessa a grupos de capitais internacionais que fazem uso desses dados para investimento, ou para evitar investimentos. Também tem outras questões. Essa sensação de corrupção é forte hoje porque estamos no meio de uma situação de escândalos ligados à corrupção e, no Brasil, a imprensa tomou para si o dever de denunciar casos de corrupção, de mau uso do dinheiro público, de subornos e propinas. Essa postura dos jornais não é recente, assim como os casos de corrupção também não são. Eles remetem à fundação do Brasil. Mas o que estou dizendo é que a sensação é maior ou menor de acordo com a época e com o estágio dos meios de comunicação.
É impossível pensar em atuar com taxa zero de corrupção?
Ah, sim. E esse raciocínio vale para o Brasil e para qualquer lugar do mundo. Se há governo, há corrupção. Veja, há dois tipos de crime. Um é como um assalto a um carro, no meio da rua. Esse todo mundo vê. Você sabe quem cometeu, o dia, a hora, a cor e a placa do carro assaltado. Esse é o tipo de crime que é fácil de denunciar. O outro tipo é a corrupção. Um crime que ninguém vê quando é feito, ninguém vê quem comete. Ninguém vê nada. A gente não fica sabendo, é um crime oculto. É um crime que “não tem autor”, mas tem vítima. E as vítimas somos todos nós. Porque a corrupção gera desperdício e inoperância. E é um crime tão sério, que é impossível determinar sua extensão. Tem um monte de entidades e pessoas por aí que afirmam que a corrupção consome não-sei-quantos reais, milhões de reais. Mas isso é chute. É impossível dar um número preciso, porque quem pratica corrupção não faz a contabilidade do quanto foi desviado. Então qualquer número que se diga será chute.
O brasileiro aceita essa situação de corrupção mais do que outras sociedades?
Não. Isso é uma grande inverdade que se tenta vender, mas que de jeito nenhum corresponde à realidade. Existe uma ficção que precisa ser desmentida firmemente que é: a corrupção, ou melhor, a aceitação da corrupção é cultural no Brasil. Isso não é verdade! E isso precisa ser desmentido porque qualquer pesquisa feita com brasileiros a respeito da corrupção mostra que o brasileiro condena totalmente a corrupção. Não aceita e condena.
Pesquisa realizada pelo Datafolha, publicada recentemente, revela que 83% dos brasileiros dizem que não trocariam os votos por dinheiro. Mas 73% acham que seus compatriotas não resistiriam à sedução. É isso? O brasileiro, embora se considere honesto, acha que os outros não são?
É exatamente isso. O que acontece aqui é uma descrença enorme. Nós deixamos de acreditar na honestidade e na correção do outro. E isso vai desde o guarda rodoviário até o colega de trabalho. Essa sensação tem muitas origens. A primeira, certamente, é que, no Brasil, as regras não costumam ser muito obedecidas. É aquela história de que, aqui, tem lei que “pega e lei que não pega”. E isso nasce também de uma outra característica nossa: a tremenda confusão, na verdade, a mistura entre o público e o privado.
Mas essa mistura, essa falta de limites entre o público e privado, isso está diretamente relacionado à educação, à formação, não?
É, mas há que se ter o cuidado para não cair naquele discurso vazio da formação ética, como se fosse possível ensinar ética na escola. Primeiro tem uma diferença que precisa ser feita: moral diz respeito a um código de conduta, a um código de comportamentos. E Ética é uma disciplina filosófica, que estuda a Moral. No Brasil, parece que ficou feio e politicamente incorreto usar a palavra moral. Quando alguém pergunta se algo é moralmente aceitável, todo mundo acha ruim. Enquanto quando se pergunta se algo é eticamente aceitável, aí todo mundo acha lindo. O comportamento moral, esse sim, pode ser ensinado. Evidentemente que não estou falando de educação formal e fim. Estou falando que o aluno não aprende a ser ético com aulas na escola. Ele pode aprender a ter um comportamento moral vendo se o professor é correto ao dar as notas, se faz distinção entre os alunos, se a mãe dos colegas param em fila dupla e aí por diante. Claro que é possível estudar ética na escola, mas não terceirizar o ensino dos comportamentos e das condutas para os professores.
Voltando para a crise atual. Há algo de diferente nela? Algo que seja singular em relação às outras crises?
Não. Nada. Quer dizer, embora nunca um empresário ou um parlamentar tenha aberto a caixa de Pandora deste jeito, a corrupção que se está enxergando agora é a mesma, mesmíssima de sempre. O fator novo é que o Roberto Jefferson, embora tenha uma conduta política das mais lastimáveis, revelou posturas e comportamentos de uma maneira nunca antes feita. E acaba prestando um serviço à sociedade. O que a Transparência Brasil deseja é que todos os esquemas que foram revelados não se encerrem nas punições, nas cassações e nas prisões. Tudo isso é necessário sim, claro, porque o que foi cometido é grave. Mas não basta.
Aí caímos de novo na questão da reforma política, não é?
Não! Aí é que os jornalistas costumam cair nessa operação abafa. Essa questão da reforma política é uma operação abafa, para que nada do que realmente tem que ser feito seja conhecido, seja feito. Todo mundo fica tentando responsabilizar o processo eleitoral, político e partidário como a fonte da corrupção. O que não é verdade. Digamos que uma reforma política seja feita. Qualquer uma das que pregam por aí. Seja a da falácia do financiamento público das campanhas, seja qualquer outra. Digamos que ela seja mesmo levada a cabo. O que o processo eleitoral teria a ver por exemplo com os processos de licitação, a leniência de contrato, o perdão de dívidas, a promulgação de leis que favorecem setores da economia, o desvio de recursos de fundos de pensão? Pergunto: o que cada uma dessas coisas tem a ver com o processo eleitoral? Nada. Zero. Absolutamente nada. Dá para entender? Atacar o processo político-partidário não abalaria nem de longe as causas da corrupção.
Então, quais são as soluções que a Transparência Brasil enxerga?
Sem dúvida, a reforma das instituições e a modernização dos mecanismos decisórios de Estado. Dentro dessas reformas, gostaria de destacar duas. A primeira diz respeito aos cargos de confiança. No Brasil – não dá para saber ao certo – mas estima-se que entre 20 e 25 mil cargos são preenchidos por indicação, são os chamados cargos de confiança. 25 mil é um número indecente. Na Inglaterra, o Tony Blair não indica mais de 120 cargos. O prefeito de São Paulo tem direito de indicar mais de 3 mil cargos, e o governador do estado, mais de 6 mil. É preciso, além de reduzir os cargos de confiança, criar mecanismos de controle de ingresso na carreira pública e também mecanismos de regulação de carreira. As promoções e os redirecionamentos precisam ser observados, precisam ser regulamentados. E não precisa inventar muito não. Todos os países desenvolvidos têm esses mecanismos e eles funcionam muito bem. O Brasil não precisaria criar nada próprio, novo, inédito. Pode copiar mesmo.
Entre os países de terceiro mundo há algum que já faça esse controle?
Não. Aliás, pelo contrário. No México, por exemplo, os concursos públicos foram abolidos há mais de 40 anos. Todo o funcionalismo público vem de indicações, são cargos de confiança. Um Estado com essas características não pode funcionar. Aqui no Brasil, apesar de tudo, as instituições ainda funcionam. Apesar de toda a crise, as instituições continuam operando, trabalhando, funcionando. Não dá para pensar que nossa situação é igual a do Peru ou da Bolívia. A gente ainda está bem melhor que eles.
E o segundo mecanismo de controle, qual é?
O segundo que destacamos é o direito de acesso às informações. Ter acesso aos números e às informações, diretamente na fonte, faz da população um censor e isso faz cair drasticamente os níveis de corrupção. É algo mais ou menos parecido com o que acontece em relação aos cartórios e aos impostos. As prefeituras e os cartórios colocam na internet as certidões, as informações, e usuário vai lá e busca as informações. Não precisa mais passar por toda a máquina burocrática. E ainda teria a regulamentação dos orçamentos e mais um monte de possibilidades. Mas pensar tudo isso num país com a segunda pior distribuição de renda do mundo é muito difícil. Visualizar essas realidades acontecendo ainda está, infelizmente, longe de nossa realidade.