Estudo mostra que sistema político e eleitoral brasileiro não precisa urgentemente de mudanças
Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo
Em tempos de CPIs, de denúncias de compra de votos e de escândalos de corrupção envolvendo governo, parlamentares e partidos políticos, uma proposta volta a ganhar força e transforma-se em discurso quase unânime. Neste momento, vozes das mais variadas correntes de pensamento se unem para apontar a reforma política como solução para a crise política enfrentada pelo país.
Entre as mudanças mais freqüentemente sugeridas, aparecem o financiamento público das campanhas (instrumento de combate ao “caixa 2”), a lista fechada (partidos definem a ordem dos candidatos), a cláusula de barreira (votação mínima que deve ser alcançada) e a fidelidade partidária (garantia de fortalecimento dos partidos). Ocupando os corredores do Congresso e do Senado, e já chegando à sociedade e ao debate público, os defensores de tais medidas acreditam que tais medidas seriam capazes de impedir a prática de velhos e questionáveis hábitos da democracia brasileira, atacando frontalmente a questão da corrupção, além de fortalecer os partidos.
Uma voz significativa, no entanto, discorda dessa tese e se apressa em quebrar o consenso. “É claro que o sistema eleitoral e partidário do Brasil não é perfeito, mas também não é tão imperfeito assim que precise de uma reforma urgente”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fernando Limongi. Especialista no tema, Limongi, em parceria com a professora da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Argelina Figueiredo, é autor de um estudo publicado recentemente, que coloca em cheque os pontos já sugeridos para uma reforma.
A democracia funciona bem - O pesquisador explica que há realmente tópicos, práticas e leis que podem ser aperfeiçoados. A proporcionalidade nas coligações seria um deles. Ele defende que as coligações de partidos existam, mas que a distribuição final das cadeiras seja proporcional ao número de votos alcançado por cada um dos partidos coligados, diferentemente do que acontece hoje, quando as coligações são entendidas como uma entidade indivisível, um único “grande partido”. Mas o que Limongi faz questão de ressaltar é que, embora muito se defenda a necessidade premente e inadiável da reforma, a estrutura político-partidária e eleitoral é satisfatória. “A democracia funciona bem e eu não tenho nenhum receio em afirmar isso”, sentencia. Ele explica o voto no Brasil dá um grande poder ao eleitor. Mesmo que a escolha, como é feita atualmente, personalize as opções, ou seja, o eleitor possa decidir votar em uma pessoa e não em um partido, o poder da escolha está nas mãos do cidadão. Ele é o sujeito principal do processo. Segundo o pesquisador, essa dinâmica não deveria ser motivo de vergonha, mas de orgulho.
Também outros tópicos, acusados de tornarem falha a democracia brasileira, são defendidos por Limongi. Ao contrário do que se prega, por exemplo, os parlamentares costumam ser fiéis às determinações de seus partidos. Na pesquisa, existem dados que revelam que, entre 1989 e 1999, 90% dos deputados federais votaram seguindo as deliberações de seus partidos. Ponto por ponto, o trabalho desenvolvido por Limongi e Argelina procura contestar os principais argumentos que sustentam o discurso da reforma política como o grande antibiótico para os males da política brasileira.
Então, por que querem mudar? - Então, a pergunta que permanece é: se os argumentos não são assim tão infalíveis, a quem eles interessam? Ou seja, se a democracia vai bem, a quem interessa que seus mecanismos de funcionamento sejam diferentes? Qual é o propósito desse discurso? Em entrevista recentemente publicada pelo site do SINPRO-SP, o diretor executivo da “Transparência Brasil”, Cláudio Weber Abramo, afirma que o discurso da reforma política, sacado indiscriminadamente nos últimos tempos, faria parte de uma operação de abafamento das matrizes verdadeiras da corrupção. Abramo diz ainda que a reforma, embora necessária, em nada minimizaria o problema da corrupção.
Limongi discorda dessa visão. Ele não acredita em “Operação Abafa”, mas entende que reforma política virou um termo vago, genérico. Ele explica que, toda vez que acontece algum problema na política, fala-se em reforma. “Virou solução para tudo. É como se, cada vez que alguém ficasse doente, as pessoas dissessem: manda para a mesa de operação. E a gente sabe que existem doenças e doenças”. A novidade, aponta o especialista, é que até bem pouco tempo a reforma política não estava diretamente associada ao problema da corrupção, e agora também para esse mal ela teria se transformado em remédio. No entanto, para combater a corrupção, o professor também concorda que o caminho não seria mudar o sistema político do país. “A corrupção não é um problema só do Brasil. Em qualquer lugar do mundo tem corrupção. Não há sistema político no planeta que tenha dado conta disso”, conta.
Voltamos então à pergunta anterior: quais as demandas deflagradas por esse debate? Limongi acredita em duas frentes. A primeira categoria de defensores da reforma política seria representada pelos perdedores de ontem. Ou seja, quem não ganhou a disputa eleitoral a que concorreu e acredita que, talvez mudando as regras, possa conquistar a vitória na eleição seguinte. A outra corrente seria encabeçada por aqueles que desconhecem o funcionamento da democracia, seja a brasileira ou a dos outros países, mesmo os chamados desenvolvidos. O pesquisador do Cebrap explica que qualquer sistema democrático é falho, “mas há uma tendência no Brasil de se pensar que o nosso é mais falho ainda e que o exemplo são os países ditos avançados”. Ele cita como exemplo a eleição norte-americana que elegeu George W. Bush para o primeiro mandato de Presidente, em 2000, quando não faltaram denúncias de fraudes. “Nada parecido aconteceu aqui. Perto da catástrofe americana, o que acontece por aqui é fichinha”, compara.
Importante exercício para a democracia - A vantagem de toda essa discussão sobre reformar ou não reformar a política brasileira é que ela abre espaço, primeiro, para o debate de idéias, que Limongi entende como o exercício mais importante da democracia. Depois, as conversas também ajudam a aprofundar o conhecimento sobre o sistema democrático. Nas escolas, por exemplo, o pesquisador acredita que é hora de aproveitar o contexto para conhecer e debater as opções de reforma propostas. Limongi também acredita que a reforma política é um ótimo gancho para os alunos e professores experimentarem debater a democracia e os conceitos que a sustentam. O interessante da situação, segundo o professor, é que o assunto é tão rico e cheio de variáveis e possibilidades que não dá para reduzir as discussões a “sou contra, ou sou a favor”. Há que se refletir e debater, constantemente, como ensina o sistema democrático – e exatamente como as escolas devem fazer.