Paul Singer
A desprofissionalização do PT e de suas campanhas, abrindo espaço, em todas as instâncias, para os militantes, pode trazer perda de votos, mas recuperará a identidade e a efetividade política do partido. O papel mais importante que desempenhamos neste quarto de século foi o de educar politicamente parte dos cidadãos. A crise que engolfou o nosso partido, desde maio, foi lentamente gestada, tendo sido desencadeada por acaso. Quando flagraram o diretor Marinho dos Correios, ninguém poderia saber que em seqüência viriam as denúncias de Jefferson e sua parcial confirmação. Ela revelou a existência duma bem azeitada máquina de corrupção política, que funcionava em Minas Gerais, desde 1998, para os tucanos e que dirigentes petistas herdaram e estenderam, ao que parece, ao Brasil inteiro.
O fato de isso ter acontecido teve precedentes, que não podem ser ignorados. Desde o início dos anos 1990, campanhas eleitorais do nosso partido têm sido cada vez mais profissionalizadas. Os programas de televisão ganham em capricho e luxo, a direção das campanhas é entregue a marqueteiros profissionais, a propaganda de rua é feita por gente contratada, o que afugenta a militância e nossos comícios se tornam cada vez showmícios. As campanhas se tornaram caríssimas e indistinguíveis das de nossos adversários.
A cata de votos, que antes dependia da devoção e entusiasmo de militantes e dos próprios candidatos, passou a depender do montante de recursos gastos. O dinheiro passou a falar mais alto, inclusive nas campanhas aos legislativos. É claro que isso implicou em crescente despolitização das campanhas petistas. As mensagens do partido passaram a se pautar pelos resultados das discussões em grupo , perdendo quase todo conteúdo ideológico.
Ao mesmo tempo, nossa política de alianças mudou na mesma direção. Durante a primeira década de sua existência, o PT só se aliava a partidos de esquerda. Depois o arco de alianças foi se ampliando até perder qualquer contorno político-ideológico. Esta evolução (ou involução?) culminou nas campanhas a partir da de 2002, quando o PTB, o PL e o PP se tornaram nossos principais aliados. A mudança radical de direção da política econômica do governo federal, apesar de muito surpreendente, pode ser considerado outro elemento do mesmo processo de mudanças.
A atual crise não é mais que a culminação deste processo. Cujas causas o debate terá de aprofundar. Sem dúvida, o crescimento eleitoral do partido contribuiu para ele. O que atraiu grande número de aderentes, sem perfil ideológico, mas com ambições políticas. É possível que tenhamos mantido o eleitorado de esquerda em virtude de nosso passado, somando a ele o de centro (de direita e de esquerda) pela atenuação de nossa posições tradicionais. Esta fórmula nos trouxe vitórias eleitorais e grande expansão do aparelho e dos cofres partidários, obtida (confessadamente) por métodos "heterodoxos".
Seria um erro supor que toda esta mudança tenha sido obra dum punhado de dirigentes, que se envolveram diretamente em práticas ilegais e imorais. Este erro torna-se visível tão logo se tenta responder a pergunta: e agora, o que fazer? Basta punir e eventualmente excluir os culpados? Ou devemos desprofissionalizar o partido e suas campanhas, abrindo espaço, em todas as instâncias, para os militantes que não vivem da política e reduzindo os orçamentos das campanhas ao valor das contribuições dos filiados?
É evidente que a segunda opção exigirá sacrifícios, sobretudo dos dirigentes profissionais e dos que dispõem de mandatos eleitorais, pois ela implica em perda de votos, sobretudo do eleitorado despolitizado, mobilizado pela nossa propaganda milionária. O PT diminuirá de estatura mas recuperará identidade e efetividade política. O papel mais importante que desempenhamos neste quarto de século foi o de educar politicamente parte dos cidadãos, introduzindo na cultura democrática brasileira a exigência da luta contra a pobreza extrema e suas seqüelas: trabalho escravo e infantil; condições infames de vida, banalização da criminalidade violenta etc.
Trata-se de recuperar o jeito do PT, o que é bem expresso na fórmula de ´refundar´ o PT. Não acredito que isto seja regredir a um estágio ´infantil´ do petismo, para relembrar um célebre título de Lênin. Para mim, ao menos, o que deve nos guiar nesta tarefa não é a saudade dum PT mais puro e autêntico mas a procura inteligente do limite a partir do qual os meios não são mais justificados pelos fins, mas passam a ser obstáculos à realização dos mesmos.
A iniciativa da Fundação Perseu Abramo de criar esta tribuna de debate é de fundamental importância, pois o que mais precisamos é desabafar e ao mesmo tempo propor saídas que nos pareçam efetivas para o que todos nós almejamos: um país mais desenvolvido, mais democrático e que assegure a inclusão social e econômica a todos que aqui vivem.
* Artigo publicado originalmente na página eletrônica Teoria e Debate Urgente, da Fundação Perseu Abramo.