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“É hora de sermos bem ambiciosos na meta de redução de emissão de poluentes”

Temos acompanhado pela imprensa, quase diariamente, notícias sobre fenômenos climáticos devastadores. Houve realmente um aumento na quantidade de desastres, ou a imprensa está exagerando?
Carlos Nobre, pesquisador do INPE – A imprensa não está exagerando na cobertura não. A temporada de ciclones tropicais este ano bateu recorde. Há 72 anos – até então a maior temporada–, tinham sido registrados 20 ciclones tropicais. Em 2005, foram observados 21 ciclones tropicais, dos quais 12 viraram furacões. No ano passado, foram 11 furacões. Quer dizer, temos um número muito expressivo nos últimos dois anos. Mas o que chamou a atenção da mídia é que muitos dos ciclones viraram furacões, sendo que vários deles se transformaram naquilo que chamamos de furacões de alta intensidade, ou seja, na escala Safir Simpson, alcançam intensidades 3, 4 e 5, com ventos acima de 200 km/h. Esses são devastadores mesmo.

Há alguma explicação para o aumento no número de furacões, ou para tantos atingirem essa intensidade devastadora? A imprensa tem responsabilizado o aquecimento global...
Bem, primeiro a gente precisa diferenciar duas informações. Uma coisa é a quantidade de furacões. E outra coisa é a intensidade deles. Ou seja, eles podem ser poucos, mas muito intensos, ou podem ser muitos, e pouco intensos. A razão para existirem tantos furacões é uma ciclicidade absolutamente natural. Não é um ciclo muito religioso, mas já se sabe que há um aumento no número de furacões mais ou menos uma vez a cada duas décadas. Este ano de 2005 certamente representa esse pico. Então, até aí, nada de chocante, ou de alarme. Ou seja, nada se pode afirmar sobre o aquecimento global provocar um aumento de furacões. O que é alarmante é a intensidade que eles alcançaram. E isso sim pode ter a ver com o aquecimento global. Vamos explicar da seguinte maneira: o que faz o furacão aumentar de intensidade é a quantidade de evaporação da água do mar. Quanto mais vapor de água, mais intenso pode ser o furacão. A média anual de aquecimento global é de 0,6 a 0,7oC. Pode parecer pouca coisa, mas não é. É suficiente para aquecer o mar em 0,5oC, o que faz evaporar muito mais água. Mais vapor de água pode levar a furacões de maior intensidade. Assim, a gente não pode afirmar com 100% de certeza que, se o mundo estivesse mais frio, os furacões seriam de menor intensidade. Mas fica quase provado que o aquecimento global tem relação com a força dos furacões.

A natureza estaria se vingando da exploração desenfreada promovida pelo ser humano?
Não. Eu não gosto de dizer isso, porque é uma humanização da natureza. A natureza não age por sentimentos. O princípio básico que rege todos os fenômenos naturais é o equilíbrio. Ou seja, a natureza lança mão de mecanismos para resfriar a Terra, caso ela esteja quente demais. São os mecanismos de redistribuição de calor. Os furacões e as tempestades são sabidamente parte desses mecanismos. Eles levam ventos e água para onde está mais quente e resfriam aquela região. É lógica, não é vingança. Se o homem muda a composição da atmosfera, gerando desequilíbrio, a natureza reage com mais intensidade para reencontrar o equilíbrio.

A seca na Amazônia também é parte dessa busca de equilíbrio? O aquecimento global teria uma relação direta com a falta de chuvas?
Bem, também devemos olhar com cuidado para a seca na Amazônia. Primeiro porque, na parte oeste, ela já cedeu um pouco. Na parte leste, ainda não, mas ainda não dá para saber se ela é a pior dos últimos 100 anos, por exemplo. Seguramente ela está entre as mais intensas, mas ainda não dá para medir que posição alcança. Em segundo lugar, secas como essa já aconteceram antes e em tempos que o aquecimento global não era nem de longe uma preocupação. Ou seja, se alguém afirmar que, se não fosse o aquecimento do planeta, essa seca não estaria acontecendo, a pessoa estaria mentindo. Não se pode afirmar categoricamente que a seca é causada pelo aquecimento global. O que a gente pode afirmar com certeza? Que essas secas mais intensas também são cíclicas. Nos anos 1960, se não me engano, aconteceu algo bem semelhante. E esse ciclo de seca mais intensa tem relação direta com a temporada com maior número de furacões. O que acontece? O oceano tropical norte sofre um aquecimento e, onde a água aquece mais, há mais evaporação, que aquece o ar. Esse ar quente desce sobre a Amazônia e impede a formação de chuvas, o que faz a região secar. O que estou dizendo é que há uma parte normal e cíclica nesse fenômeno da seca prolongada e que tem outra parte que certamente tem a ver com o aquecimento global. De novo, não se pode afirmar que é 100% responsabilidade do aquecimento global, mas que a intensidade e o tempo de duração da estiagem podem ter sim relação direta com o aquecimento do planeta.

Digamos que a emissão continue exatamente como está - porque embora alguns países estejam se empenhando em cumprir o Protocolo de Kyoto, outros, como os Estados Unidos, estão ignorando o acordo... O que podemos dizer sobre o clima?
Não há como prever os fenômenos que realmente vão acontecer. A climatologia só consegue prever isso com poucos dias de antecedência. Mas o que podemos afirmar com certeza é que, enquanto a Terra estiver assim mais aquecida, os fenômenos poderão ser mais severos, assim como a gente está vendo agora. É uma equação simples. Com o aquecimento, o ciclo hidrológico – ou seja, aquele em que a água dos mares e rios se evapora, condensa e volta à Terra em forma de chuva para abastecer rios e mares – se acelera. Porque como está mais quente, a água evapora mais rapidamente, então, todos os fenômenos que dependem do ciclo hidrológico para acontecer – como furacões e secas -, acontecem mais velozmente. E essa velocidade é o que provoca também a maior intensidade dos fenômenos. Por isso é que a gente pode dizer que, se tudo continuar como está, os desastres naturais serão mais intensos.

O mundo está de olho nos fenômenos do clima, está prestando atenção à intensidade com que estão acontecendo?
Não podemos generalizar essas respostas. Há várias respostas, na verdade. Os Estados Unidos, por exemplo, embora tenha os maiores centros de detecção desses fenômenos, não admitem o Protocolo de Kyoto. Não participam do acordo e não estão fazendo nada para reduzir a emissão de poluentes. Então, embora estejam sim prestando atenção, não estão agindo. Por outro lado, alguns países da Europa estão trabalhando fortemente para tentar reduzir o aquecimento global. É o caso da França. Em 2003, ondas de calor mataram 14 mil pessoas, que não teriam morrido de calor se o mundo não estivesse tão quente. Então o governo, os empresários e a sociedade francesa estão empenhados em reduzir os poluentes para reduzir a temperatura global. Agora, falando dos países em desenvolvimento, também eles, me parece, estão preocupados, mas estão agindo menos e, nesse caso, por falta de um planejamento mundial. O que costuma acontecer é que, nos países do terceiro mundo, as respostas sociais aos fenômenos não costumam ser muito eficientes. Mas isso não tem nada a ver com a localização geográfica do país, porque a natureza age sem preferência geográfica. Ela é extremamente democrática.

O senhor falou que os países de terceiro mundo não agem tanto por falta de um planejamento mundial. Mas e o protocolo de Kyoto?
O que estou querendo dizer é que não dá para falar numa redução mundial sem atentarmos para uma dificuldade real e diplomática que é questão da transferência de tecnologia dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Sem rediscutir isso, não tem como os países em desenvolvimento se envolverem verdadeiramente na política de redução de emissão de poluentes.

E isso está sendo discutido?
Eu estou sim muito otimista em relação a isso. Em novembro e dezembro agora, em Montreal, no Canadá, acontece a 11a Convenção do Clima, da ONU, e eu acredito que lá vamos discutir firmemente o assunto. Na minha opinião, é hora de sermos bem ambiciosos na meta de redução de emissão de poluentes, porque os 5% que o Protocolo de Kyoto coloca é mais um teste que um valor que vá fazer diferença mundialmente. Estou falando em valores bem mais altos, como em 2025 reduzirmos 25% da emissão de poluentes, em 2050, 60%. Caso contrário, não vamos esfriar o planeta e vamos continuar vendo fenômenos climáticos de alta intensidade que viram desastres no mundo inteiro.

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