Quando você foi para Praga, já tinha a idéia de produzir o trabalho de conclusão que depois se transformou no livro ou você estava lá como turista acidental, que teve então a oportunidade de relatar o que havia vivido?
Eu já fui para Praga com a idéia pronta e a disposição de trazer de lá meu trabalho de conclusão. Durante os três meses que antecederam aqueles protestos, acompanhei a organização das marchas e dos eventos, participei de reuniões preparatórias aqui no Brasil e tive contato com a infinidade de listas de discussão que os grupos mantêm na internet, onde eles adoram deixar artigos e verdadeiros manuais de idéias. Praga era, na verdade, o local escolhido para a terceira grande manifestação anti-globalização, vindo no rastro e na seqüência de Seattle, em dezembro de 1999, e de Washington, em abril de 2000. O movimento, portanto, era bastante recente e muito menos conhecido do que é hoje. O livro é uma radiografia daqueles protestos de setembro de 2000.
No livro, você admite que, antes de iniciar a pesquisa, sabia muito pouco sobre instituições como o FMI e o Banco Mundial.
É verdade, eu era muito novo quando fiz a reportagem, tinha 20 anos, e hoje estou com 22. Claro que eu já tinha ouvido falar nessas instituições, mas era uma coisa muito distante, nebulosa, algo como “há políticos brasileiros que ajudam a desenvolver políticas para o Banco Mundial”. Com o tempo e o mergulho na pesquisa, você descobre qual é a real dimensão do problema. Hoje, grande parte da formulação de políticas públicas de Educação no Brasil está nas mãos do Banco Mundial. E esse comando traz sérias conseqüências para todos nós, que sofremos os reflexos da ação privatista e do desmanche que eles patrocinam. A experiência da política estudantil e a participação no centro acadêmico da faculdade também me fizeram amadurecer e conhecer essa realidade com mais profundidade.
É possível traçar um perfil de quem é o manifestante anti-globalização? Quem eram as pessoas que ocuparam as ruas de Praga para impedir a reunião do FMI com o Banco Mundial?
Havia jovens de várias partes do mundo reunidos em Praga, com destaque para os grupos europeus e norte-americanos e as delegações do Canadá, do Brasil e da Índia. Na Europa e nos EUA, esse é um movimento que basicamente reúne jovens brancos e de classe média. Foi inclusive por isso que se teve o cuidado de chamar representantes do terceiro mundo. Era uma forma de garantir uma presença simbólica importante, que dava mais força, representatividade e legitimidade aos protestos. O grande cimento que une esses grupos é a luta contra o inimigo comum, que é o FMI, o Banco Mundial, a OMC, são as grandes corporações transnacionais, são os governos e políticas neoliberais, que estão fechando as fronteiras para a imigração e a solidariedade, fazendo avançar a miséria, a violência e a marginalidade. Mas, para além disso, os grupos que participam dos protestos têm agendas e pensamentos completamente diferentes e ecléticos, há quem defenda a auto-organização dos povos, tem os socialistas, os anarquistas, os ecologistas radicais. Claro que eles tentam encontrar pontos comuns, como a preservação do meio ambiente, os direitos dos imigrantes, o acesso universal aos medicamentos genéricos. Mas não é possível traçar um perfil único para esses grupos.
Diante dessa diversidade tão grande, não fica complicado acertar tarefas, programas de ação e atividades comuns?
A articulação dos protestos se dá em cima de idéias e de visões políticas, sem nunca levar em consideração as posições partidárias ou pessoais. Havia vários países representados, e as delegações eram formadas por diversos e diferentes grupos. Como as próprias lideranças gostam de ressaltar, eles não formam ONGs, mas se reúnem em grupos de ativistas anti-globalização. É bem diferente. Cada coletivo lá presente indicava seus representantes para as comissões que organizavam as várias faces dos protestos. Tinha a de comunicação, a de mobilização, a responsável por analisar as rotas da passeata e assim por diante. Nada ficava centralizado em um grupo só e, até por isso, era muito mais difícil para a polícia identificar e prender as lideranças, que é outro termo, aliás, que os ativistas não gostam muito de usar. Por fim, nos debates e reuniões, não há votação. A discussão tem de levar a um mínimo de consenso negociado. Com isso, você evita o aparecimento de maiorias forçadas ou impostas e também corta pela raiz a possibilidade de confronto entre “vencidos e vencedores”.