É o que o professor Nicolau Sevcenko chama de “novas formas de organização da cidadania”?
Veja só: toda a organização dos protestos foi feita por meio da Internet, usando a tecnologia da rede. Eles souberam tirar proveito do potencial de comunicação e integração que a WEB oferece. Os protestos sempre procuram fugir das institucionalizações e hierarquias encontradas, por exemplo, nos sindicatos e partidos políticos. Até mesmo a estética das passeatas é diferente daquele estilo de marcha tradicional que estamos acostumados a ver. Elas são muito mais descontraídas. Prevalece o bom humor. Não há carros de som, nem bandeiras. A criatividade e o improviso são as palavras de ordem. Em uma das marchas de Praga, por exemplo, havia inclusive uma banda tocando samba o tempo inteiro.
Em Praga, como nas manifestações anteriores, houve enfrentamento e confronto com a polícia. Como os grupos encaram a questão da violência durante os protestos? Parece que nem todos defendem as ações pacíficas.
O tema da violência é bastante polêmico e, de certa forma, se pode dizer que não há um consenso fechado entre os diversos grupos anti-globalização. Em Praga, as principais organizações definiram que aquele seria um protesto pacífico, e que o confronto com a polícia deveria ser evitado. Os “black blocks”, por exemplo, cujos integrantes usam máscaras negras, são famosos por defender o uso da violência. Há outros grupos também que entendem que a violência específica, como quebrar vidraças de grandes lojas ou bancos ou atacar a rede Mac Donald’s, é um recurso legítimo de manifestação contra a globalização. Por fim, há ainda quem entenda que, se fossem completamente pacíficos, os protestos não teriam a mesma repercussão midiática. Mas, como disse, essa é uma discussão ainda muito polêmica dentro do movimento e não há uma posição comum. Nesse ponto, a divergência fala mais alto.
Depois de Praga, tivemos ainda as gigantescas manifestações de Gênova, em julho de 2001, mas depois parece que os ânimos arrefeceram. Qual foi a influência dos atentados de 11 de setembro do ano passado sobre os movimentos anti-globalização? Houve um certo recuo ou refluxo?
Depois de 11 de setembro, acho que ficou mais fácil tentar jogar tudo no mesmo saco de gato e associar os movimentos anti-globalização aos atos terroristas, na tentativa de desqualificar os protestos e reforçar as visões preconceituosas e estereotipadas. Houve também um avanço das políticas e discursos de direita – Bush nos Estados Unidos, Berlusconni na Itália, Le Pen indo ao segundo turno na França, Sharon em Israel. Isso tudo obrigou os movimentos anti-globalização a também encontrar outras formas e caminhos para conter esse avanço reacionário. Os militantes têm se engajado em novas lutas e frentes, mais amplas e globais. A recente greve geral na Itália é um exemplo dessa movimentação; os protestos na Argentina assumem o mesmo contorno, a questão Palestina entra com força na chamada “agenda humanitária”. Quem encara as manifestações anti-globalização como atos isolados e simplesmente idealizados para impedir as reuniões de cúpula pensa de maneira muito limitada e pequena. Elas são muito mais amplas e complexas.