De outro lado, essa amplitude e ações difusas não podem fazer com que o movimento caia no vazio, restando no fim apenas o protesto pelo protesto? Não há um excesso de descentralização e pulverização?
Eu acho que um dos princípios mais bonitos e saudáveis do movimento é justamente não querer substituir um pensamento único por outro pensamento único, tão autoritário quanto o primeiro. O que se pretende é garantir que as nações e que as pessoas possam encontrar suas próprias maneiras de viver. O que se busca é a pluralidade, em detrimento da homogeneidade. É claro que existem propostas setoriais que, de certa forma, acabam por formar um programa e conjunto de idéias coeso e coerente. Estamos falando da defesa das propriedades cultural e intelectual, da imprensa independente, da questão indígena, do acesso universal aos remédios, da proteção ao meio ambiente. Eu acho que os ativistas, no entanto, não querem nem pensar na possibilidade de o movimento se transformar em uma espécie de Quinta Internacional.
Gostaria de encerrar com o testemunho subjetivo de quem acompanhou os protestos de perto. Nos dias em que você passou em Praga, o que mais te impressionou?
A repressão policial nos dias seguintes às marchas e passeatas. Foi ali que eu compreendi o que significa viver em um Estado policialesco. Depois dos protestos, a vigilância e a perseguição tornaram-se ainda mais intensas, parecia uma espécie de revanche. Eu não sabia se seria preso, se conseguiria voltar para casa. Talvez a maior parte da juventude pobre das grandes cidades brasileiras já tenha passado por essa situação. Mas, para mim, era uma sensação completamente desconhecida. É uma tremenda descarga de adrenalina, você constata que está sendo permanentemente controlado. A paranóia e o pavor tomavam conta das pessoas. Naqueles dias, os protestos reuniram cerca de doze mil pessoas. Aproximadamente 900 delas foram presas, a maior parte depois que os protestos já haviam acabado. Foi mesmo impressionante – e assustador.
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José Chrispiniano
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155 páginas
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