No conjunto de razões que procuramos levantar, não pode passar em branco a eterna necessidade norte-americana de encontrar o seu inimigo externo como forma de fortalecer-se internamente e de projetar-se internacionalmente. Depois da Guerra Fria e da ameaça comunista, dos “subversivos”, os EUA elegeram o “terrorismo e os terroristas” (assim, no genérico mesmo, algo que não tem cara ou residência definidas, que pode estar em qualquer lugar, desde o Afeganistão até a Coréia do Norte, passando pelo Irã e pelo Iraque) como os novos sujeitos e males a enfrentar – e a derrotar, custe o que custar. Não é demais lembrar que o Iraque e Saddam Hussein são frutos dessa mesma lógica e engrenagem – o inimigo hoje tão combatido foi forjado e ganhou forças e vida própria por conta da própria ação dos EUA na região, quando, depois da revolução islâmica e da ascensão dos aiatolás ao poder no Irã, viu no país vizinho – o Iraque – o contraponto para procurar conter a “expansão muçulmana”. Deu no que deu – as armas que hoje os inspetores da ONU procuram no Iraque foram cedidas, em grande parte, pelo Tio Sam, ex-aliado de primeira hora. Bagdá, que como lembra o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, em texto da Carta Maior, é um dos berços do desenvolvimento das artes e das ciências, das escolas de medicina e de direito e dos observatórios astronômicos, e que por isso mesmo “sempre foi objeto de cobiça”, espera por mais bombardeios e invasões.
Para que o “terrorismo” pudesse ter sido eleito como o grande inimigo dos EUA, os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono, em 11 de setembro de 2001, foram, claro, fundamentais – e caíram no colo de Bush filho como um presente de Natal antecipado. Eleito depois de uma prolongada – e até hoje mal explicada – disputa com o candidato democrata Al Gore, quando os votos de condados da Flórida foram contados e recontados várias vezes, deixando suspeitas e interrogações não respondidas, Bush assumiu o cargo desgastado e desacreditado. Era um presidente fraco, sem carisma ou apelo popular, sem legitimidade interna e sem respeito internacional. Nos escombros das torres gêmeas, com o discurso do “bem contra o eixo do mal”, pôde ressurgir das cinzas como o grande guardião da nação norte-americana, disposto a chegar às últimas conseqüências para proteger seu território e sua população. Seus índices de popularidade dispararam. Derrotar o inimigo terrorista passou a ser questão de honra – e não fazê-lo passou a ser sinônimo de fracasso e incompetência.
“O investimento de Bush para se elevar à posição de líder nacional foi além do imaginável, no uso da comoção popular e da fragilidade circunstancial das instituições para resistir ao seu avanço acima de tudo e de todos. (...) Bush, o cruzado do Bem, vingaria o agravo à honra americana, exterminando Osama Bin Laden, o mensageiro do Mal, e com ele o terrorismo. Acontece que Bin Laden não foi vencido”, escreve o colunista Jânio de Freitas, na Folha de S. Paulo de 09 de fevereiro. O vácuo causado pelo não-extermínio de Bin Laden obrigou os EUA a rapidamente elegerem um novo “inimigo mortal”, como continua analisando Jânio de Freitas: “Em qualquer situação política, o insucesso ameaçaria arruinar o prestígio de Bush. O calendário traz, porém, um agravante: as eleições presidenciais americanas são no ano que vem. A sobrevivência de Bin Laden e os continuados alertas de perigos terroristas, nas cidades americanas, ofereceriam aos democratas um tema demolidor contra Bush, e poderiam levá-lo à fácil desmoralização”. A lacuna precisava ser preenchida por algo igualmente mobilizador e canalizador de sentimentos de intolerância e vingança. “O Iraque passou a ser o combustível para manter a flama americana e seu efeito energizante no prestígio nacional, e portanto eleitoral, de George W. Bush”, responde Jânio.