Quando a guerra vier, e depois que ela se for, um cenário de incertezas e inseguranças terá surgido, dando contornos a uma nova (des) ordem mundial. A ONU, se desrespeitadas suas resoluções, poderá cair no ostracismo e no descrédito total, tornando-se instrumento internacional decorativo e figurativo, a exemplo do que já acontecera com a Liga das Nações, sua fracassada antecessora. Outras dúvidas: será que potências como a França, China, Rússia e Alemanha limitarão suas manifestações a alguns protestos verbais? Ou adotarão posturas mais ativas? Quais? E os países árabes, como se comportarão? A recusa do Parlamento turco em permitir o uso de suas bases pelos norte-americanos pode ser encarada como um indício dos caminhos que pretendem seguir as nações islâmicas? Ou é apenas uma atitude isolada e eles acabarão sucumbindo ao poder financeiro e militar dos EUA, apesar de toda a oposição de suas populações? Que papel poderão cumprir alguns países que se anunciam como estratégicos no jogo geopolítico internacional, como Brasil e Índia? Os cenários traçados pelos analistas não são nada animadores.
“Aceitar a guerra e, ainda mais, delegar aos EUA fazê-la, é uma capitulação que não apenas representará o fim definitivo da ONU, mas também representará a abertura de uma nova era de instabilidade e de guerras”, avalia o sociólogo Emir Sader, também na agência Carta Maior. O jornalista Milton Temer segue a mesma linha de raciocínio: “O cenário resultante é tenebroso. Se Bush não invade, se desmoraliza internamente. Logo, vai invadir, independentemente do que decida a ONU. Invadindo, fere interesses de potências que não vão se limitar, pelo menos a médio prazo, a protestos verbais”. Em artigo publicado pelo Jornal do Brasil, o sociólogo Carlos Alberto Rabaça chama a atenção para o fato de o conflito poder causar “uma nova guerra santa, entre o mundo ocidental e o mundo islâmico, recrudescendo atos terroristas”.
Diante de um cenário onde não aparecerão perdedores ou vencedores – todos perderemos –, as soluções diplomáticas e negociadas, que contemplem saídas e alternativas pacíficas, parecem ser a única proposta que deve ser efetivamente considerada. Desafio gigantesco e hercúleo, a imposição de um cenário de paz parece ser tarefa e responsabilidade daquela que o jornalista Clovis Rossi chama de a mais nova superpotência mundial, e que, no dia 15 de fevereiro, conseguiu reunir mais de seis milhões de pessoas em mais de 60 países do mundo: a sociedade civil articulada e globalizada. “Se se considerar que nenhum país tem condições de se opor de fato aos desígnios imperiais dos Estados Unidos, a simples perspectiva de que o clamor público expresso nas ruas (o chamado ‘voto com os pés’) possa de fato brecar a guerra, ainda que temporariamente, já basta para caracterizar o movimento como a outra superpotência”, escreve o jornalista, em artigo publicado pela Folha de S. Paulo de 19 de fevereiro, para na seqüência concluir: “As maiores manifestações do mundo desde a guerra do Vietnã demonstraram que a idéia de que ‘um outro mundo é possível’ tem adeptos em número portentoso. Falta definir claramente como construí-lo”.
Eis o desafio colocado a cada um – e a todos nós.