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O desafio na sala de aula

Lei que determina o ensino da História e cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras é considerada uma importante vitória. Sua aplicação prática, no entanto, ainda é desafio para toda a comunidade escolar, especialmente para os professores

Mesmo antes de ser obrigatório, o ensino da história afro-brasileira já fazia parte das aulas de Maria Aparecida Amorim, professora de educação básica em duas escolas particulares da cidade. Para prepará-las, no entanto, envolve-se na tarefa de pesquisar bastante, ir a bibliotecas, buscar informações, livros que possam dar os subsídios necessários para explorar a temática com seus alunos, que estão entre a 5ª série do ensino fundamental e o ensino médio. Mas, como ela mesmo confessa, a tarefa não é nada fácil, já que é conhecida a escassez de material. E os que estão disponíveis não retratam bem a história dos negros, de acordo com sua avaliação. Neste ano, a professora colocou a polêmica das cotas nas universidades em debate com suas turmas. “Os alunos participaram da discussão, defenderam seus pontos de vista e depois produziram bons textos sobre o tema”, explica. “Foi uma oportunidade de reflexão para eles”.

As experiências relatadas por Maria Aparecida somam-se a outras ouvidas pela reportagem do SINPRO-SP on-line e mostram que o desejo de explorar essa questão nos meios escolares e também a falta de rumo para aplicação prática. Ao alterar a LDB e determinar o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo das escolas de educação básica, oficiais e particulares, a lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, trouxe à tona muitas inquietações e dúvidas. Como sair da teoria e partir para prática? Como e onde buscar material?

Falta material
De fato, não é muito farta a oferta de produção sobre a África no Brasil, seja no campo da história ou da cultura de um modo geral. O que torna a aplicação da lei difícil para os professores, principalmente se for levado em conta que os atuais docentes não tiveram aprofundamento dessa questão durante a formação acadêmica. “Como os professores vão passar a história da luta dos negros? Uma história que não conhecem, uma história que a universidade não ensina”, ponderou a geógrafa e coordenadora municipal do Movimento Negro Unificado (MNU), Regina Lucia dos Santos, em palestra no SINPRO-SP, no dia 18 de novembro, na Semana de Consciência Negra promovida pelo Sindicato. Para ela a publicação da lei 10.639 foi motivo de grande alegria, pois simbolizou a conquista de uma luta de mais de 30 anos. Mas mostra-se bastante preocupada, afinal, como essa exigência legal será aplicada em sala de aula.

No artigo “A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática”, recém-publicado pela revista Estudos Afro-Asiáticos, Anderson Ribeiro Oliva, pesquisador da Universidade de Brasília, coloca em discussão a escassez de material. “Como ensinar o que não se conhece? Para além das interrogações, a lei revela algo que os especialistas em História da África vêm alertando há certo tempo: ‘esquecemos de estudar o continente africano”, aponta. O estudo faz uma análise do pouco material existente, a forma como o povo e a história da África estão representados nos livros didáticos nacionais e o desafio que a lei representa para os professores já que muitos nunca tiveram contato com disciplinas específicas na graduação.

Valéria Guimarães, professora da UNISA, explica que há, sim, produção acadêmica sobre a história e cultura afro-brasileira, o problema é que está, de certa forma, distante dos professores da educação básica e da sala aula. Valéria - que já desenvolveu várias atividades para colocar o tema em debate com seus alunos, entre elas uma exposição sobre Nelson Pereira dos Santos, cursos sobre racismo e uma exposição sobre procissões no Vale do Paraíba – avalia que faltam cursos de capacitação para os professores, opções para que possam se aprofundar na temática. Ela lembra que há até pouco tempo nem mesmo o curso de História de uma universidade como a USP tinha disciplina específica sobre a África.

Um problema chamado preconceito
Abordar a história e cultura afro-brasileira em sala de aula pressupõe também lidar com um problema que existe, sim, no Brasil: o racismo. De uma maneira geral, fala-se do povo brasileiro como cordial e sem preconceito, mas a realidade não é bem assim. Pesquisa realizada recentemente pela Fundação Perseu Abramo revela que a discriminação racial no Brasil continua firme e forte.

Na avaliação de Ivo Pereira de Queiroz, mestre em filosofia e professor da PUC-PR, os docentes não saber tratar do racismo em sala de aula. “Estão, em sua maioria, despreparados para lidar com o tema”, afirmou durante palestra do SINPRO-SP.

A questão do preconceito é também mencionada por Rosana Monteiro, professora do curso de Pedagogia do Mackenzie. Ela tem colocado em discussão as políticas de ação afirmativa e é durante o debate, explica, que o preconceito se revela, muitas vezes camuflado. “Nota-se, em alguns casos, o estranhamento, incômodo dos alunos com o tema”.

Tirar a lei do papel
Para o Prof. Ivo Queiroz, os professores têm pela frente um grande desafio: estudar, estudar e estudar, pois só assim essa situação poderá ser modificada, colocando o negro, sua história e sua cultura numa outra perspectiva. Regina, do MNU, lembra que os docentes precisam lutar para que o Estado garanta o acesso às publicações dos grandes pesquisadores africanos em português – que hoje, na grande maioria, só estão disponíveis em espanhol, francês e inglês -, material de apoio para o trabalho em sala de aula, bibliotecas e oportunidades de capacitação. “Temos agora que trabalhar para recontar a história oficial, pois ela não pode ser vista apenas a partir da história do europeu”.

A tarefa de tirar a lei do papel, sem dúvida alguma é árdua. A recomendação de Mauricio Waldman, professor universitário e doutorando na área de Geografia na FFLCH-USP, é para que os docentes busquem informação criteriosa, de bom nível, firmemente alicerçada no real e com uma abordagem democrática da questão. Ele dá algumas dicas (leia entrevista aqui), mas alerta: “o melhor que podemos fazer é buscar referências em atores sociais envolvidos diretamente com a questão”.

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