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Como anda o preconceito no Brasil

Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo revela que a discriminação racial continua firme e forte

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

O preconceito racial no Brasil continua a ser um sentimento camuflado e não assumido. Essa é a síntese de uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Opinião Pública (NOP) da Fundação Perseu Abramo. O estudo mostrou, em uma análise inicial, que, se de um lado, 90% dos brasileiros admitem que existe sim a descriminação, 96% declaram que não têm preconceito contra negros, contra brancos (97%) e contra índios (96%). Os dados, coletados a partir de 5.003 entrevistas realizadas com pessoas maiores de 16 anos, em 266 municípios em todo o Brasil, apontam que, seja por desconforto ou por dificuldade em encarar os próprios sentimentos, a maioria das pessoas entende que esse é um problema dos outros.

No entanto, quando o estudo se preocupou em avaliar e compreender os detalhes e os desdobramentos da análise inicial, a tese do não-preconceito não se sustentou, e ainda apareceu com força. Para identificar a extensão da discriminação por cor, os pesquisadores desenvolveram questões complementares, relacionadas à linguagem cotidiana, à crença em superioridade intelectual de alguma raça, ao voto em candidatos de cor diferente e a relações familiares e de comunidade com pessoas de outra raça ou cor.

Apesar do quadro ainda ser alarmante, o resultado apresenta algumas diferenças positivas em relação aos dados obtidos por uma pesquisa similar feita em 1995, pelo Instituto Datafolha. A coleta mais recente mostra que 75% dos entrevistados manifestam algum grau de preconceito. Entre a população urbana (89% do total), a taxa daqueles que manifestam algum preconceito foi de 74%, enquanto no estudo anterior esse número era 87%. Também a não manifestação de preconceito dobrou (de 13% para 26%), o preconceito leve passou de 36% para 50%, o preconceito forte caiu de 4% para 1%, e o médio foi de 47% para 23%.

Os indicadores continuam mostrando que a descriminação ainda é uma atitude majoritária e, pior, sua percepção é pequena. Para falar sobre o estudo e analisar sua repercussão e significados, o SINPRO-SP conversou com a analista do NOP, Vilma Bokani. É o que você acompanha agora.

Como foi a idéia, o planejamento e a realização da pesquisa?
Olha, foi produto de uma criação coletiva. Chamamos os movimentos raciais do Brasil todo, além das universidades e de pessoas ligadas às políticas públicas. Aí fizemos três reuniões para que cada parte desse sua contribuição e colocasse o que era importante divulgar. Selecionamos os temas e como deviam ser abordados. Desenvolvemos o questionário, que é bem longo. São 198 perguntas, 20% delas abertas; o resto é múltipla-escolha. Tomamos como base uma pesquisa feita pelo Instituto DataFolha, em 1995, que tentava dar conta não só da manifestação do preconceito como também da sua percepção, ou da sua baixa percepção. O que a gente quis foi prosseguir e aprofundar esse estudo. Por isso até utilizamos algumas perguntas iguais no nosso questionário, algumas semelhantes e outras similares ao do DataFolha, mas adaptadas para os tempos atuais. Teve um treinamento no Brasil todo, que, aliás, foi muito rico. Viajamos e fomos treinando todos aqueles que iriam para campo.

Quanto tempo durou todo esse processo?
A primeira conversa foi em junho de 2003, aí as reuniões aconteceram em julho, agosto e setembro também de 2003 e a primeira apresentação oficial foi em 28 de novembro de 2003. De lá para cá, nós estamos analisando mais a fundo e divulgando os resultados.

Não é antiga essa sensação de que o brasileiro admite o racismo, mas não se vê como racista?
Ah sim, é antiga, mas com as pesquisas a gente pode dar números, quantificar, e estudar mais a fundo essa característica. É isso mesmo. 96% dos brasileiros afirmam que há sim preconceito de raça ou cor no país, mas apenas 1% se declara racista. É como se a descriminação fosse uma atitude dos outros, nunca sua. Outro dado que nos surpreendeu por ser muito, mas muito menor do que esperávamos é o da sensação de ter sofrido descriminação. Apenas 22% das pessoas entendem que sofreram descriminação. Claro que esse número é derrubado pelos brancos e alimentado pelos negros, mas o índice geral aponta 22% apenas.

A que se deve essa transferência do preconceito para os outros?
Acreditamos que é porque as pessoas realmente não se vêem como preconceituosas. Talvez a origem disso tudo esteja no mito da democracia racial, que é muito forte mesmo no Brasil. As pessoas realmente acreditam nisso. A primeira abordagem sempre tem como resultado a resposta: eu não sou preconceituoso. Mas quando se estuda, a manifestação desse preconceito é bem alta, então de onde vem? Foi isso que fomos olhar.

Bem, aí para desconstruir esse discurso do “não sou preconceituoso”, vocês foram olhar outras áreas de expressão, como a linguagem cotidiana, por exemplo.
É, a gente precisava analisar onde estava a manifestação da descriminação, mesmo que despercebida, e a fala das pessoas certamente é uma dessas áreas. Nós pegamos sete frases – alguma idênticas às que o Datafolha usou em 1995 – e medimos a concordância das pessoas em relação a elas. Uma das mais usadas é “Negro bom é negro de alma branca”. Quando pedimos para as pessoas explicarem, se colocarem em relação a essas frases, aí não tem jeito, elas acabam escorregando e se mostrando, em algum nível, preconceituosas.

E o discurso tem muita força no imaginário e nas manifestações das pessoas né?
O discurso é, em geral, o início de tudo. Porque o que está na fala acaba se concretizando, se solidificando nas atitudes. Por exemplo, essa questão de que os negros só são bons em música e nos esportes, como o futebol, é muito forte e muito presente nas conversas.

E que tipo de influência o discurso traz para o preconceito?
Olha, acho que tem uma influência forte. Ajuda a, em primeiro lugar, estigmatizar algumas coisas, como essa história da música e dos esportes e, em segundo lugar, ajuda a transportar para a vida real algumas atitudes, porque a fala fica embutida no inconsciente das pessoas.

Vocês também pesquisaram a crença a respeito da suposta superioridade de inteligência de uma raça/cor sobre as outras.
É, mas não teve muita diferença entre o que as pessoas respondiam quando eram abordadas diretamente, ou quando respondiam às questões indiretas. Esse não é um ponto forte no preconceito. É verdade que os brancos tendem a se acharem um pouco mais inteligentes que as demais raças, mas a diferença é muito pequena. O que mais incomoda é a mistura na família. Os brasileiros se incomodam muito com a presença e a convivência com um membro de outra cor na família. A convivência com os diferentes no trabalho e na comunidade incomoda um pouco, mas na família incomoda mais. Um dado que deve interessar ao SINPRO-SP é essa mesma sensação em relação a professores de outras cores e raças.

Como as pessoas se sentem?
Se incomodam. Acham estranho, principalmente as pessoas de raça branca. Até porque essa é uma relação muito nova e incomum. Ainda não é tão freqüente ser branco e ter um professor negro. Não temos os números concretos, mas esse dado chama atenção.

Estamos sempre falando em brancos e negros. Como ficam os pardos, os mulatos nessa pesquisa?
Ah! Os pardos são o grupo mais interessante. Porque se, por um lado, eles possuem a mesma situação social e econômica dos negros, têm, por outro lado, o mesmo discurso dos brancos! Os dados dos pardos são os mais interessantes porque retratam bem toda uma parcela da população brasileira. Sé isso daria uma nova pesquisa.

O que vocês encontraram em relação ao movimento negro? A ação do movimento tem algum eco na sociedade? E nas políticas públicas?
O que mais encontramos nos questionários foi o discurso do politicamente correto, da inclusão, das oportunidades iguais. E essa discussão tem estado muito presente por conta da questão das cotas para negros nas universidades. Mas independente disso, a gente percebe uma diminuição na manifestação do preconceito que, com certeza, tem a ver com a atuação do movimento negro. E, ainda que essa diminuição esteja no plano do discurso, das respostas, ainda assim isso é um avanço. Se está na fala e no dia-a-dia das pessoas, então o poder público precisa se posicionar e isso também é uma resposta ao trabalho do movimento negro organizado.

Para terminar: apesar da realidade ainda preocupante, é possível comemorar boas notícias?
Então, a manifestação real de preconceito que medimos é de 74%. É claro que esse número ainda é alarmante, mas em relação à pesquisa de 1995, que apontou 87%, já é uma grande diminuição, portanto um dado positivo. Ainda que essa queda seja só no discurso, ainda assim é positivo. Porque o discurso é o que alimenta a prática. Se ele é repetido infinitamente, dá força àquela prática. Se ele vem diminuindo, pára de ser repetido, vai perdendo força. Isso já é bem importante.

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