Sobre as características da atual produção, que para muitos críticos e especialistas volta a contemplar e valorizar uma espécie de “estética da violência”, Fresnot diz que prefere não adotar nem seguir rótulos ou enquadramentos rígidos. Ele admite que a safra contemporânea de fato promove um mergulho de compreensão em temas como exclusão social, marginalidade e as periferias de grandes cidades, escancarando nas telas as injustiças e dramas que marcam o cotidiano da sociedade brasileira. Fresnot, no entanto, ressalta que esse não é um privilégio de filmes como “O Invasor”, “Amarelo Manga” e “Cidade de Deus”. “O cinema marginal já fazia isso”. Nanni tem uma visão um pouco diferente – e, apesar de reconhecer a qualidade da produção, não poupa críticas ao que chama de cultura que admira e valoriza a violência e a miséria. “É uma das características mais marcantes do momento atual”, diz. “Mas não podemos ficar só nisso. O Brasil tem biografias, por exemplo, que renderiam excelentes argumentos”, continua. Quando o assunto são os documentários, os dois cineastas concordam que se trata de uma outra vertente que tem se destacado nos últimos tempos. Filmes como “Ônibus 174”, de José Padilha, e “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, de Paulo Sacramento, são alguns dos representantes dessa linhagem. “Dá para dizer que estamos vivendo um ciclo de documentários de longa metragem de muito boa qualidade. É uma tendência que não se manifestava com tanta força e pujança”, admite Fresnot.
De certa forma, o próprio “Desmundo” procura resgatar elementos de nosso período colonial, mantendo-se fiel a fatos e costumes da época. Embora não seja um documentário, trabalha com a reconstituição de elementos da realidade histórica brasileira. O filme é todo falado em português arcaico, com direito inclusive a legendas. Inspirado no romance homônimo de Ana Miranda, a obra custou 4,5 milhões de reais – e recebeu elogios do público e da crítica. Para Fresnot, trabalhar com personagens “quase” reais foi um desafio gratificante. “Eu vinha de duas comédias seguidas, onde se destacavam as caricaturas e o aspecto cômico das narrativas”.
A importância e a qualidade técnica e textual de “Desmundo” são também ressaltadas por Nanni, que classifica a obra como “muito interessante”. Mas, quando perguntado sobre o seu “grande preferido”, o filme pós-retomada que mais mereceria destaque, o cineasta prefere não particularizar a discussão. Diz que o cinema brasileiro deu um grande salto, que os nossos filmes são muito bons – e que ele respeita e admira todas as produções, pois “fazer um filme aqui é uma guerra”. Ele sabe bem do que fala: atualmente, tenta captar recursos para seu mais novo projeto, que pretende recuperar um pouco da trajetória de vida da pintora modernista Tarsila do Amaral. Apesar dos elogios à recente produção cinematográfica do país, e sempre reafirmando que, na maioria das vezes, são trabalhos incríveis, Nanni não tergiversa, e diz que nenhum dos representantes da atual safra corresponde à obra de seus sonhos. “Eu ainda fico com alguns mais antigos, como Vidas Secas e Memórias do Cárcere”, conclui.