É mesmo impossível não lembrar da queda e manutenção da inflação baixa quando nos referimos ao decano Plano Real. Mas há duas ressalvas importantes que precisam ser feitas ao lembrar o aniversário do plano. A primeira diz respeito ao intuito, aos objetivos e propósitos do Plano Real. A segunda trata justamente das conseqüências de sua aplicação.
“Ao contrário do que possa parecer, o Real não foi um plano para baixar a inflação. Foi uma política econômica usada para rearticular o desenvolvimento do país, que começou em 1992, com Collor, naquele acordo da dívida externa que visava regular a relação do Brasil com o mundo”, começa a desenrolar o novelo o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Plínio de Arruda Sampaio Filho. O objetivo verdadeiro do Plano Real era, então, além de estabilizar a moeda, modificar o padrão de acumulação de capital no país.
Isso significa dizer que a queda da inflação não é o fim, mas um meio para, “de acordo com os pensadores do Plano, viabilizar a inserção subalterna do Brasil na economia mundial e, além disso, permitir que a burguesia tivesse acesso a uma modernização no consumo”, continua o professor da Unicamp. Quanto a isso, fica claro que o Plano Real alcançou as metas. O Brasil está inserido na economia mundial. Exporta, importa, é palco de negociações financeiras na Bolsa de Valores, e a elite já experimenta um novo padrão de consumo, como a internet, o celular, a tv a cabo, etc. O problema é que o modelo e padrão de modernização adotados privilegiam uma participação subalterna no cenário internacional, causam também crise na indústria. “O Plano Real interrompe o curso da industrialização que o Brasil vinha adotando desde 1950”, afirma Sampaio Filho. As ferramentas usadas pela política econômica neoliberal, como o câmbio sobrevalorizado, “destroem o parque industrial, porque colocam a importação em vantagem em relação ao que é produzido internamente, e as taxas de juros são elevadas”, confirma o diretor técnico do DIEESE. As indústrias passam a produzir menos, fecham postos de trabalho e, lá na ponta, dão início a um problema social e federativo, fato que causou fenômenos como a guerra fiscal e o revés do prometido desenvolvimento.
Contudo, no degrau mais alto das conseqüências nefastas trazidas por esse modelo econômico adotado estão o desemprego e a precarização das relações de trabalho. O que remete àquela segunda ressalva. Se, de um lado, os brasileiros podem experimentar uma nova cultura de viver sem inflação, podem teoricamente se programar melhor, comprar mais, etc., por outro, a queda do índice inflacionário traz um grave atributo: o da diminuição dos postos de trabalho. “O desemprego que observamos há anos, então, não é um acidente, um desvio de percurso. É uma característica dessa política. Era um mal previsto”, coloca o professor Plínio. Ou seja, embora não esteja diretamente ligada ao Plano Real, essa opção por menos empregos e menos renda em troca de uma inflação menor faz parte da política econômica que rege o Brasil desde o governo Collor e, da qual o Plano Real é peça fundamental e estratégica.