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A testemunha de uma triste realidade

Por Francisco Bicudo

Fernando Evangelista formou-se em jornalismo pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) no final do ano 2000. O tempo de profissão é ainda curto; as experiências e coberturas, no entanto, são intensas e contundentes.
Autor de dois documentários sobre o Movimento dos Sem-Terra (ambos premiados), ele esteve em Gênova, Itália, em julho do ano passado, onde acompanhou de perto as manifestações e protestos contra a globalização e o encontro dos oito países mais ricos do mundo – o chamado G-8 –, que culminaram com o assassinato do manifestante anarquista Carlo Giuliani.

Recentemente, foi testemunha das atrocidades cometidas por Israel contra o povo palestino, e viu o líder da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, ser humilhado pelo confinamento forçado em seu quartel general. O relato de sua passagem pela “terra santa” foi publicado pela edição de maio da revista “Caros Amigos” (www.carosamigos.com.br). Dramática e verdadeira, e recusando o sensacionalismo e a apelação, a reportagem chama os leitores à reflexão sobre um dos mais graves conflitos de nossa história contemporânea.

Na entrevista que se segue, exclusiva para o site do SINPRO-SP, Evangelista detalha os passos dessa experiência e afirma: “Não me interessa saber se em Jenin, por exemplo, morreram 500 pessoas ou 493… Não podemos resumir aquela tragédia em uma discussão estatística. Nas cidades ocupadas houve um massacre, houve um terrorismo de Estado. Milhares de palestinos foram assassinados, e é isso que conta”.

Como foi o processo de produção da reportagem publicada pela revista “Caros Amigos”? E as entrevistas, como você conseguiu realizá-las, já que reinavam o silêncio imposto e a censura?
Eu fui com meus companheiros indispensáveis: máquina fotográfica, bloquinho de anotações, uma caneta bic e um gravador. Na verdade, no meio daquele rolo todo, eu escrevi muito pouco, ia anotando apenas alguns pontos centrais. Usei o gravador para fazer as entrevistas e registrar minhas impressões.

Foi difícil separar suas convicções e opiniões para produzir um texto jornalístico?
Eu não acredito nessa separação. Não acredito nos que alardeiam pelos quatro cantos que fazem um jornalismo neutro, despido de opiniões ou convicções. Além de falsa, essa postura é prepotente. Os jornalistas não estão acima do bem e do mal, têm seus filtros, suas percepções, sua formação. Todo texto jornalístico é opinativo. Alguns deixam explícitas essa postura, outros tantos a camuflam. Acredito, como Ricardo Kostsho, que “o leitor deva saber de que lado está aquele que lhe escreve. É uma informação a mais para tirar suas próprias conclusões”. O que não posso é deixar que essa postura política, ideológica, manipule a notícia. Os filtros devem ser usados como subsídios, como elementos que auxiliem a interpretar e descrever a realidade de uma maneira honesta. Num país como o Brasil, onde 40 mil pessoas por ano são assassinadas, um país que vive uma guerra civil não declarada, que tem a terceira pior distribuição de renda do planeta, o sistema precisa, para que tudo continue como está, de jornalistas domesticados, “neutros”, obedientes. E esses seres obedientes, que já vêm de sistema educacional falido, aprendem na Faculdade as velhas cartilhas da ordem e da resignação. Ou seja, não se questiona a ditadura de informação em que vivemos, a democracia de fachada a que estamos submetidos, nem que isso tudo só é possível porque os espaços que existem dentro dessa ditadura para se fazer critica, para se fazer jornalismo combativo e inteligente, não são preenchidos. E não são preenchidos por carência de profissionais dispostos ou preparados para ocupar esses espaços. Na maioria das Faculdades, principalmente nas particulares, com raras e honrosas exceções, se aprende a técnica e a forma, mas se ignora a ética e o conteúdo.

Durante essa trajetória e carreira, você já tinha visto algo semelhante ao que encontrou na Palestina?
Não. Nunca tinha visto tamanha brutalidade. Lá, o desafio não é apenas tentar entender, sob o ponto de vista daquelas duas culturas, o significado de palavras como altruísmo, martírio, justiça, vingança, insanidade etc; a questão é entender como a guerra está transformando esses conceitos e quais serão as conseqüências disso. Os discursos e as idéias fundamentalistas, tanto de um lado como de outro, que crescem de maneira alucinante e se justificam, paradoxalmente, através do terrorismo dos kamikases palestinos e do terrorismo de Estado de Israel, anulam a possibilidade de enxergar no outro qualquer direito. O fundamentalismo cancela a razão. Por exemplo, no hospital em Ramallah, encontrei uma senhora palestina que estava lá por causa de problemas no joelho. Era um problema simples, mas ela sentia uma dor constante, por isso foi ao hospital. Ao sair, junto com seu marido, um franco atirador israelense acertou -lhe o pescoço e a testa. Atirou para matar. Seu marido conseguiu fugir, mas ela morreu na hora. Eu vi essa cena... aí, a primeira coisa em que pensei foi “como é possível?” “Como é possível tamanha insanidade? O que leva alguém a fazer isso, assassinar civis, pessoas inocentes?” É uma brutalidade que ultrapassa o entendimento.

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