Depoimento de João Antonio Zuffo, professor da Escola Politécnica da USP
Por Francisco Bicudo
“A sala de aula e os alunos mudaram profundamente. Eles se acostumaram, gradativamente, com os efeitos e o potencial da televisão e rapidamente mergulharam na era da informática, no mundo dos computadores. Esse novo cenário exige dos professores uma nova postura. Aquela tradicional aula expositiva, apenas com giz e lousa, não se sustenta mais, a não ser que ela seja uma aula espetáculo. Os alunos preferem uma aula mais curta, com uma breve exposição conceitual, que indique o caminho das pedras, não seja impositiva e abra horizontes para novas reflexões. Usar os recursos audiovisuais e a informática é uma necessidade.
O professor passaria a ser, então, uma espécie de orientador pedagógico, desempenhando um papel muito próximo ao que já desempenha, por exemplo, na pós-graduação. Você não pode mais ficar apenas restrito às atividades de sala de aula. Pelo contrário – o mundo da educação passa a acontecer essencialmente fora de sala, com o estímulo ao desenvolvimento de um ambiente acadêmico, cultural, e com a convivência contínua com os estudantes. Eu acho que essa situação vale para todos os níveis de ensino, das crianças aos jovens universitários. As crianças, afinal, já têm contato com essas novas tecnologias desde muito cedo. Com três, quatro anos, já estão acessando a internet e querendo enviar e-mails.
Uma tarefa fundamental desse novo educador é auxiliar o aluno a organizar, selecionar, hierarquizar e dar sentido à enorme quantidade de informações a que temos acesso diariamente. É uma verdadeira avalanche de novidades, e é importante saber quais as que são úteis, quais as que merecem ser investigadas e aprofundadas e quais as que podem ser descartadas. A aula tem de ser muito bem pensada, organizada, planejada. Eu gasto apenas alguns minutos com uma apresentação inicial, que situa no tempo e no espaço e levanta as indagações principais, e imediatamente faço uso de projeções ou filmes. Se o professor vai discutir, por exemplo, o Nazismo, há uma quantidade enorme de documentários que servem como bom suporte; se o tema da aula são os acidentes geográficos, por que não apresentar uma reportagem sobre a Cordilheira dos Andes? É uma maneira muito mais didática e adequada de os alunos arquivarem e interpretarem essas informações.
O educador próximo dos alunos
Isso assusta? Claro, todas as mudanças radicais assustam, em um primeiro momento. Mas pode estar certo que esse novo cenário não prejudica os professores e que os alunos, em geral, gostam bastante desse estilo de aula. Eles interagem, discutem, participam. Se for só giz e lousa, ficam entediados, cansados, dispersos, e as conversas paralelas são quase inevitáveis. O professor perde o controle. Adotando a outra postura, a do orientador didático e não apenas a do transmissor direto de informações, o professor não apenas resgata o interesse e a atenção da turma, como auxilia o estudante na construção do repertório de conhecimentos de uma forma muito mais eficiente. Ele troca idéias, discute, lança questões provocativas, chama à reflexão, estimula o pensamento crítico. Aliás, aquela imagem antiga, a da hierarquia, do professor afastado do aluno, também está desaparecendo. O educador é atualmente alguém que não fala mais para, mas com os estudantes, e está muito mais próximo deles.
A avaliação certamente deve acompanhar essas profundas transformações. Ela não pode ser mais simplesmente quantitativa, aquelas provas que privilegiam a decoreba e a repetição de conceitos prontos. Ela precisa ser reflexiva, estimulante, interpretativa, capaz de medir a criatividade, de trabalhar o argumento. Deve, portanto, ser coerente com esse novo mundo pedagógico que se consolida. Também podemos abrir espaço para outros instrumentos de avaliação, que não simplesmente as provas. Embora seja mais difícil mensurar, é plenamente viável imaginar nota por participação, por trabalhos feitos em casa, por pesquisas de aprofundamento dos temas discutidos em sala, pelas intervenções feitas em debates.
Mais tempo para o professor
Imagino que esse novo cenário vai exigir das escolas particulares uma mudança radical de princípios, de filosofia, uma quebra brusca dos paradigmas vigentes. Elas ainda estão muito preocupadas com o tempo que o professor permanece em sala, com o momento em que ele assina o livro ponto, com a hora da saída, com esse tipo de controle de caráter mais burocrático e até mesmo repressor, que acaba por desprezar toda essa outra realidade lúdica, interativa e criativa. As escolas vão ter de aceitar que o professor precisa de mais tempo para pesquisar fora da sala, para atender os alunos, para ir às bibliotecas, para participar de cursos de qualificação, para aperfeiçoar o contato com as novas tecnologias. Não podem bloquear ou limitar esse processo.
E, óbvio, o educador terá de ser valorizado e respeitado por esse novo papel que passa a desempenhar, precisa de tempo para dar conta dessas atividades. E isso inclui também a questão da remuneração – o professor precisa receber salários justos e dignos, que correspondam ao trabalho que ele desenvolve, inclusive aquele que é feito em casa. Trabalhar em casa, aliás, é uma das tendências e marcas da chamada sociedade do conhecimento. E o professor precisa ser remunerado também por isso. Se não for assim, será impossível acompanhar as transformações. Afinal, apesar delas, o docente continua a ser o elemento central e de referência, o protagonista educacional. O que muda é a forma de atuação dele. Se há um novo contexto, temos de oferecer novas, coerentes e consistentes respostas. Acho que o Sindicato tem importância fundamental nessa dinâmica, pois pode ser o agente estimulador e organizador dessas discussões, orientando e oferecendo respaldo teórico e prático para o professor. Ele pode criar, por exemplo, um fórum de discussões sobre o tema, que reúna as principais experiências concretas que vêm sendo desenvolvidas em sala de aula.
O professor, e isso vale para o agora, e não mais para o futuro, deve ter uma cultura geral, humanística, muito mais ampla e consolidada. Não pode ser ultra-especializado. A partir de um problema, deve ser capaz de buscar soluções e respostas mais complexas, menos mecânicas e instrumentais, de estabelecer relações, conexões, de estabelecer contextos, mostrando aos alunos horizontes mais amplos e estimulando o espírito crítico, empreendedor e criativo. Ele terá de estudar a vida toda, e não mais apenas até o mestrado, o doutorado. E eu reforço: se o educador insistir em ficar apenas na aula expositiva, estará fadado ao fracasso”.